Te Deum, na Sé do Porto, presidido por D. Armindo Lopes Coelho
Ex.mas Autoridades
Caros Fiéis
Celebramos o 26º aniversário da investidura do Papa João Paulo II como sucessor de Pedro e Sumo Pontífice da Igreja Católica. Eleito em 16 de Outubro de 1978 pelo Colégio dos Cardeais, de harmonia com a prática da Igreja, foi solenemente empossado no dia 22 do mesmo mês e ano.
Não celebramos um aniversário de rotina social, mas vivemos hoje um momento de expressão forte da fé de cristãos congregados em Igreja, ao mesmo tempo que convidamos “os que podem compreender” para reflectir connosco sobre a presença e missão da Igreja no mundo, tomando como referência qualificada a pessoa, doutrina e actividade do Papa.
Quando um dia Cristo entrou na Sinagoga de Nazaré, sua terra de adopção, entregaram-lhe o rolo da Lei para fazer a leitura ritual. O texto do profeta Isaías dizia: “ O espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova…” (Is. 61,1). E, sentando-se, esclareceu: “Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir” (Lc. 4, 20-21).
Assim, Cristo afirmava que é o Messias prometido e esperado, o Ungido de Deus para a missão. E a missão que o Pai lhe confiou foi por Ele iniciada, para ser continuada pela Igreja: “Assim como o Pai me enviou também eu vos envio a vós” (Jo. 20,21); “Foi-me dado todo o poder no céu e na terra. Ide, pois… E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo” (Mt. 28, 18-20). Se a unção ou messianidade de Cristo se destinava à missão, também a Igreja não tem para o mundo qualquer missão que não tenha por base ou causa a messianidade ou unção que passa por Cristo e vem da fonte que é Deus Pai.
Escolhido de entre os Doze para ser o Vigário de Cristo, não a título individual mas por razões institucionais, Pedro iniciou a série de Vigários de Cristo continuada em cada um dos seus sucessores. João Paulo II é o actual sucessor de Pedro e Vigário de Cristo. É por isso aquele a quem com verdade e propriedade são atribuídas, como a primeiro analogante, as notas e dimensões da missão que o profeta anunciou e Cristo aplicou a si mesmo. Quando os exegetas e analistas chamam ao profeta Isaías o quinto Evangelista, deixam-nos à vontade para afirmar que esta profecia (este evangelho) não precisa de tradução actualizada. É missão de Cristo, da Igreja, do Papa, de todos os cristãos “anunciar a boa nova aos infelizes, curar os corações atribulados, proclamar a liberdade aos prisioneiros, consolar todos os aflitos, convencer os aflitos a proclamar cânticos de louvor em vez de manifestar um espírito abatido” (cf. Is. 61, 2-3).
Vindo de Leste, do mesmo modo que se viesse de outra procedência, João Paulo II sentou-se simbolicamente na Cátedra de Pedro porque é e para ser Pastor Universal da Igreja. Dotado de uma personalidade que é característica de uma raça, uma nação e uma cultura, o Papa é estruturalmente livre, providencialmente conterrâneo e contemporâneo de todos nós. Não se deixa aprisionar por causas ou interesses que dividam as nações, incapaz de ser apropriado como bandeira tutelar de qualquer grupo ou país. Universal ou católico como a Igreja a que preside, missionário por dever e devoção, firme como a rocha fundamental (“Tu és Pedro”), consciente dos grandes problemas do presente e com os olhos no futuro, de uma Esperança aliada ao optimismo realista e sereno, quase natural e providencial.
Vigário de Cristo, João Paulo II continua a ouvir em Pedro a garantia que vem de Cristo: “Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma na fé os teus irmãos” (Lc. 22, 32).
O serviço ou “diaconia da Verdade” (Fides et Ratio, nº 2) dá-lhe força para proclamar que a verdade não resulta de consensos (cf. Fides et Ratio, nº 56), mas da conformidade do intelecto com a realidade objectiva, e é com esta lucidez e coragem que o Papa disse já e escreveu capítulos fortes de doutrina sobre a defesa da vida, o matrimónio como sacramento, os direitos humanos, a paz, o desenvolvimento ao serviço da pessoa humana, a reconciliação, os horrores da guerra, a fome no mundo, o terrorismo, a juventude, a família, o consumismo, as seitas religiosas, a riqueza ultrajante, o comunismo, as ideologias, nomeadamente as que prescindem de Deus e dos valores humanos, a justiça social, etc.
Prega e proclama “oportuna e importunamente”, como aconselhava S. Paulo (2 Tim. 4, 2), sem mudança de doutrina e sem contemporização, sem sacrificar a fé e a verdade a simpatias fáceis ou a uma tolerância simpática, avesso a sincretismos no diálogo ecuménico ou inter-religioso, notas distintivas de uma firmeza que muitos julgam contraditória.
A sociedade do nosso tempo já se habituou a este ritmo de uma doutrinação que vem a propósito de tudo o que importa ser dito, que parece fora de propósito para os que não querem ouvir senão o que lhes agrada ou convém. Constata-se até que há uma certa opinião pública de contestação e depreciação pelo magistério da Igreja convergente e identificado com o património doutrinal do Papa e com a defesa de valores que são do Evangelho e da Tradição da Igreja. S. Paulo profetizava: “Tempo virá em que os homens não suportarão mais a sã doutrina” (2 Tim. 4,3). Às vezes pressente-se a tentação de pensar que está realizada esta profecia, sobretudo quando se percebe ou se ouve ameaçar com o dilema: ou a Igreja (com o Papa) muda muito para se adaptar e ser aceite ou não tem futuro… Afirmações ou insinuações que vêm de fora ou que se ouvem dentro da Igreja. São tantos e tão díspares hoje aqueles que também são Igreja…
O testemunho exemplar do Papa, em doutrina e em visitas pastorais pelo mundo que é todo ele um espaço de solicitude e de evangelização, é o testemunho de um programa religiosamente cumprido mas ainda em processo. A prudência do Papa que nos dá confiança, os sofrimentos conhecidos e aceites com bonomia, o trabalho incansável, a vontade indómita para continuar, são exemplos de perseverança, sacrifício, martírio, dedicação do Pastor que dá a vida… enquanto a Igreja navega e caminha na serenidade das bonanças que vêm depois de cada tempestade, com a esperança que sai reforçada dos avisos e premonições de todos os agoiros.
Temos a promessa fundada de que João Paulo II, de saúde abalada num espírito de fortaleza a toda a prova, continuará a realizar a missão de Pontífice Supremo até ao fim, à imitação de Cristo que nos “amou até ao fim” (cf. Jo. 13, 1). Tendo-nos convidado e acompanhado a preparar e celebrar o Grande Jubileu do ano 2000, não esmoreceu com os desafios à nossa Esperança pela explosão do terrorismo no mundo. Programando a vida e actividade da Igreja para este terceiro milénio da era cristã, proclamou um ano do Rosário para que pudéssemos contemplar o rosto de Cristo a partir da perspectiva mariana; publicou a carta encíclica “A Igreja vem da Eucaristia” para situarmos o mistério eucarístico na base da nossa fé e no centro da vida da Igreja; acaba de proclamar o “ano da Eucaristia” a partir do Congresso Eucarístico Internacional (de 10 a 17 de Outubro de 2004) até Outubro de 2005. Está já em preparação um Sínodo sobre a Eucaristia para Outubro de 2005. Estão convocados os jovens para mais um Encontro Mundial, em Colónia (Alemanha) em Agosto de 2005.
“Duc in altum” (Lc. 5, 4) – “Faz-te ao largo”, continuamos a ouvir de Cristo no eco da voz do Papa, no termo do Grande Jubileu do ano 2000, como agora. O ânimo que este apelo nos dá tem a sua fonte e força inesgotável na voz e no coração de Cristo, e também na fortaleza, na segurança, na orientação, no calor missionário e na Esperança que o Papa personifica.
Demos graças a Deus pelo Papa, e oremos com a oração tradicional e actual da Igreja: Que o Senhor o conserve, lhe dê vida e saúde, e não o deixe cair nas mãos dos inimigos.
Assim seja.
Porto, 17 de Outubro de 2004
D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto