A alegria de ser padre D. António Marto 13 de Abril de 2006, às 11:06 ... Homilia do Bispo de Viseu na Missa Crismal “Oh, como é bom e agradável encontrar-se entre irmãos... É bênção de Deus e vida para sempre†(Sl 139, 1.3), canta o salmista. A sua alegria – eco do júbilo de um povo unido em oração – é, hoje, a nossa alegria. É bom e belo reencontrarmo-nos aqui como irmãos, nesta Quinta Feira Santa, em clima de cenáculo, para voltar sempre de novo à s origens do nosso sacerdócio. Com esta alegria saúdo-vos a todos e cada um do Ãntimo do coração, agradecendo a vossa presença que muito me alegra e conforta. Em nome pessoal e de toda a Diocese dirijo uma saudação de particular congratulação aos presbÃteros que celebram o 50º aniversário da sua ordenação sacerdotal. E na comunhão dos santos queremos também fazer memória viva e grata, nesta eucaristia, dos irmãos do nosso presbitério que, ao longo do ano, partiram para a casa do Pai. Com todos vós desejo dar graças ao Pai celeste pelo caminho feito convosco nestes dois anos de serviço episcopal e pelas maravilhas da graça que Ele realizou na nossa Igreja através do vosso ministério. Hoje é o dia, por excelência, da festa sacerdotal, da festa do presbitério e de cada sacerdote. É pois um convite a uma peregrinação espiritual à s fontes da nossa alegria. A memória da unção da nossa consagração evocada pelas leituras (Is e Lc) e pela oração de consagração do óleo do Crisma, ajuda-nos a sentir dentro de nós o dom e a missão da alegria: “O EspÃrito do Senhor está sobre mim e o Senhor ungiu-me... e enviou-me a levar o óleo da alegria em vez do luto†(Is). “Já David cantou este óleo que faz brilhar de alegria o nosso rosto†“o óleo santo que dá beleza, alegria e paz aos nossos rostos†e, finalmente, referido a Cristo “ungido como ninguém com o óleo da alegria†(Oração de consagração). Eis a razão porque, este ano, vos ofereço uma meditação sobre “a alegria de ser padre†dentro da perspectiva do lema do ano pastoral “servidores da alegria do Evangelhoâ€. A relação Ãntima entre o ministério e a alegria é um desafio espiritual, pastoral e cultural que somos chamados a enfrentar. Diz respeito ao nosso ser profundo, ao nosso “euâ€, marcado indelevelmente pelo dom da graça sacramental; e ao nosso mundo exterior, caracterizado pelo viver e agir quotidiano do nosso ministério que nos reserva dificuldades, fadigas, cansaço, provações, crises e sofrimentos de todo o género. E diz respeito à evangelização da nossa cultura que, por vezes, acusa o cristianismo de ter envenenado a alegria de viver, como nos recorda o Papa na sua encÃclica. Na vida do padre, a falta de alegria faz-se sentir como falta de impulso, de coragem, de iniciativa, de criatividade, como inclinação ao pessimismo, ao mau humor, como medo de tudo e lamentação de tudo. Então, a condição da nossa existência torna-se penosa e pesada para viver. Por isso, somos convidados a ir à s fontes da nossa alegria, da alegria de ser padre, contemplando a alegria do rosto de Cristo. As fontes da nossa alegria 1. A primeira fonte é a alegria de Jesus, que “exultou de alegria no EspÃrito Santo e disse: Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar†(Mt 11, 27). Este canto do “Magnificat†de Jesus mostra-nos que a fonte profunda da nossa alegria é a participação na alegria de Jesus, na sua intimidade de Filho com o Pai, a alegria de quem sabe ser amado por Deus como filho e escolhido como seu servo e ministro mesmo na sua pequenez e pobreza. É o próprio Jesus que nos introduz no segredo da sua alegria. Aos discÃpulos, a quem acaba de lavar os pés, confia: “Disse-vos isto para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja perfeita†(Jo 15, 1). Esta é a fonte de toda a outra alegria. 2. Nesta sequência, uma segunda fonte de alegria é a revelação aos pequeninos, como acabámos de citar. É a alegria de abrir o sentido da vida à s almas simples. Para o padre é a alegria da catequese, do anúncio, do conselho espiritual, de uma relação significativa que ajuda as pessoas a descobrir desÃgnio de Deus, a alegria de uma relação que consola no meio do desânimo ou do desespero. Nesta linha, fonte de alegria é uma comunidade que caminha bem, como diz S. João na sua 3ª carta “Não tenho maior alegria do que saber que os meus filhos caminham na luz da verdade†(3Jo 4). É a alegria de ver a gente a crescer e progredir nos caminhos do Evangelho. Também é fonte de alegria uma comunidade que sabe agradecer, que exprime a sua gratidão: “Experimentei grande alegria no Senhor porque, finalmente, fizestes desabrochar o vosso amor por mim†(Fil 4,10). Por vezes, há pastores que se lamentam de não serem estimados pela comunidade. Todavia, em determinadas ocasiões (v.g. numa doença...) manifesta-se que a comunidade amava, estava afeiçoada ao seu padre. 3. Uma terceira fonte de alegria é o regresso de quem andava perdido. Como diz Jesus em S. Lucas: “Há mais alegria no céu por um só pecador que se converta...†(Lc 15, 7). É a alegria tipicamente apostólica. “Um só†é suficiente para dar grande alegria. Não são as estatÃsticas a dar-nos alegria, mas o encontro com uma pessoa que quer percorrer um caminho sério de conversão a Jesus. Um só caso é uma manifestação da graça vitoriosa de Cristo. 4. Uma quarta fonte de alegria é paradoxal: a perseverança nas provações e nas perseguições: “Os apóstolos saÃram do sinédrio, cheios de alegria, por terem sido considerados dignos de sofrer ultrajes por amor do nome de Jesus†(Act 5, 41). É a alegria na sua expressão limite. As grandes provações e as grandes alegrias andam entrosadas (misturadas) no ministério. É precisamente nas provações que se manifesta em nós a força de Cristo e a alegria como dom do EspÃrito Santo. 5. Finalmente, uma quinta fonte de alegria é a fraternidade e a comunhão presbiteral, tecida cada dia, por relações boas e de amizade, de mútua compreensão, estima e afecto, de apoio mútuo espiritual e material, de colaboração sincera e generosa no trabalho pastoral: “Oh, como é bom e agradável viver unidos como irmãos. É bênção de Deus e vida para sempre†(Sl 139,1). A alegria é um dom, acontece, não se pode produzir, não se impõe nem encomenda. Desce do alto. É como a paz que brota do coração de Deus. Por isso não há uma receita para ela. É fruto do EspÃrito Santo. Servidores da alegria do Evangelho Por sua vez, o ministro do Evangelho é chamado a ser servidor da alegria do Evangelho à comunidade cristã e à sociedade. Esta alegria é uma das necessidades mais profundas do momento histórico-cultural que estamos a viver não só na Igreja (que revela sintomas de cansaço) mas em todo o continente europeu onde se difunde a cultura pós – moderna dominada pelo vazio do sem sentido, pelo stress, pela ansiedade, pelo medo de viver e dar a vida, pelo medo de arriscar e do futuro. “A sociedade tecnológica pôde multiplicar as ocasiões de divertimento e de prazer, mas dificilmente consegue dar a alegria. Porque a alegria vem de outro lado. É espiritual†(Paulo VI). Como podemos ser servidores desta alegria aos outros? - Em primeiro lugar, através do anúncio. Isto significa, essencialmente, anunciar com entusiasmo a pessoa de Jesus como a fonte, o conteúdo e o sentido da alegria, “O cristianismo é alegria. A fé é alegria. A graça é alegria. Cristo é a alegria, a verdadeira alegria do mundo†(PauloVI, 29/03/64). Esta é a alegria que devemos anunciar na nova evangelização. Ela não destrói nem enfraquece as alegrias humanas, mas antes é a sua garantia mais sólida e o seu incentivo mais forte. Ao anúncio junta-se a celebração da alegria nos sacramentos, particularmente, na eucaristia do dia do Senhor; “O olhar positivo sobre as pessoas e as coisas, fruto dum espÃrito humano iluminado e do E. Santo, encontra entre os cristãos um lugar privilegiado de fortalecimento: a celebração do mistério pascal de Jesus... Por isso, a nossa última palavra nesta Exortação é um apelo premente a todos os responsáveis e animadores das comunidades cristãs: não temais insistir, oportuna e inoportunamente, na fidelidade dos baptizados a celebrar na alegria, a eucaristia dominical... sinal e fonte de alegria cristã e preparação para a festa eterna†(Paulo VI, Gaudete in Domino). - Por fim, como sacerdotes, somos chamados a ser testemunhas corajosas da alegria cristã, na medida em que a possuÃmos e vivemos antes de mais. Testemunhas, porque a anunciam com a vida e porque educam os outros e os servem para uma vida cristãmente alegre. “Possa o mundo do nosso tempo receber a Boa Nova não de evangelizadores tristes e desencorajados, impacientes e ansiosos, mas de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, que tenham recebido em primeiro lugar a alegria de Cristo e aceitem arriscar a própria vida a fim de que o Reino seja anunciado e a Igreja implantada no coração do mundo†(EN 80). Quero dizer-vos com certa paixão: vale a pena despertar e comunicar a alegria do Evangelho: é contagiante e construtiva, fonte de criatividade e de comunidade, dá sabor e bom humor à vida, desperta a inteligência cientÃfica, espiritual e polÃtica, dá força e ânimo para trabalhar juntos em ordem a construir “uma cidade sólida e unida, em que reine a fraternidade, a justiça e a paz†(Sl 121, 34). Por isso, o nosso ministério deve ser apreciado também pela sua capacidade de fazer crescer a alegria do Evangelho, de irradiar a serenidade e a paz que vêm do amor misericordioso de Deus. Devemos perguntar-nos: exerço o meu ministério com alegria? Qual é o conteúdo de Boa Nova, de amor, de alegria e de paz desta palavra ou desta actividade? Que conversão me pede o Senhor para irradiar esta alegria? Tende confiança na “graça de estadoâ€! Se o Senhor nos chama a viver neste tempo de incertezas e de défice de esperança e de alegria e a servi-lo aqui e agora como presbÃteros e bispos, quer dizer que Ele tem em reserva para nós a graça e os recursos mais que suficientes para que nos santifiquemos caminhando na fé, na esperança e na alegria. Não tenhais medo! Tende confiança! Deus tem um futuro para nós! Renovando hoje as promessas da nossa doação a Cristo e ao seu povo, devemos renovar também a confiança na “graça de estado†com a certeza de que quem nos pôs o arado na mão para trabalhar aqui e agora, também está próximo de nós dia após dia, caminha e trabalha connosco, reserva para nós a porção de alegria e serenidade para cada dia e para cada ocasião: dá-nos, hoje, ó Pai, o pão de cada dia! E Tu, ó Maria, Mãe cheia da santa alegria, sê para todos nós, com a tua intercessão maternal, “causa da nossa alegriaâ€: leva-nos a compreender, como Tu nas bodas de Cana, que só Jesus Ressuscitado é a alegria perfeita; ajuda-nos a viver profundamente a alegria do nosso ministério e a ser verdadeiros servidores da alegria do Evangelho à Igreja e ao mundo! E que todos nós, em coro, possamos cantar contigo o Magnificat de júbilo de que tu és a solista: “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espÃrito exulta de alegria em Deus meu Salvadorâ€! Sé de Viseu, Quinta-Feira Santa, 13 de Abril de 2006 +António Marto, Bispo de Viseu Diocese de Viseu Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...