A graça da Beatificação do “Arcebispo Santo”
1. Dom Frei Bartolomeu dos Mártires vai ser beatificado em Roma pelo Papa João Paulo II, no dia 4 de Novembro de 2001. Motivo de alegria e louvor a Deus, este acontecimento é também para todos nós, bispos e demais fiéis da Igreja em Portugal, ocasião para reflectir sobre a nossa vocação à santidade e missão na Igreja e no mundo, à luz do exemplo de vida de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires.
A Beatificação decorre uma semana após o encerramento da X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, tendo como tema “O Bispo servidor do Evangelho de Jesus Cristo para a esperança do mundo”. Tal facto dá um significado especial à circunstância de o “Arcebispo Santo” do século XVI ser apresentado como modelo de santidade para toda a Igreja, neste início do terceiro milénio. É o mesmo caminho proposto por João Paulo II: “Em primeiro lugar, não hesito em dizer que o horizonte para que deve tender todo o caminho pastoral é a santidade. (...) É hora de propor a todos, com convicção, esta ‘medida alta’ da vida cristã ordinária: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nesta direcção” (Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, nn. 30.31).
Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, homem de fé profunda e esclarecida, de esperança inabalável e de caridade verdadeiramente heróica, cedo foi conhecido pelo Povo de Deus como o “Arcebispo Santo”.
Aquando da celebração do IV centenário da morte de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, em 1990, publicámos uma Nota Pastoral sobre esta figura insigne da Igreja, que continua a interpelar-nos no sentido de compreendermos os dinamismos eclesiais e sociais de hoje. Apresentámos então alguns dados biográficos e outros elementos essenciais como marcas da sua vida, que permanecem actuais: a formação dos cristãos na fé, a formação do clero e o testemunho da caridade.
E, em Novembro de 1999, reunidos em Assembleia Plenária, decidimos, por unanimidade, reiterar o apoio incondicional à causa da Beatificação do “Arcebispo Santo”, já introduzida na Congregação das Causas dos Santos, o qual foi renovado durante a visita ad Limina que se seguiu. Um bom documento biográfico e doutrinal, redigido por dois especialistas, serviu então para fundamentar o apoio dos Bispos Portugueses à causa da canonização de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires.
Alguns aspectos da sua vida
2. Bartolomeu do Vale, nascido em Lisboa em 1514, adoptou o nome de Bartolomeu dos Mártires por devoção a Nossa Senhora dos Mártires, em cuja paróquia foi baptizado. Professou aos 15 anos na Ordem de S. Domingos, onde recebeu sólida formação religiosa e doutrinal. Foi Mestre de Filosofia e Teologia nas escolas dominicanas de S. Domingos de Benfica, Batalha e Évora, contribuindo para a renovação dos estudos teológicos em Portugal.
Nomeado Arcebispo de Braga em 1558, entregou-se inteiramente à sua missão episcopal. Chamado a participar no Concílio de Trento, as suas intervenções influenciaram a orientação do Concílio, evidenciando dotes de Pastor zeloso e humilde, vigoroso e competente. S. Carlos Borromeu considerou-o “modelo de bispos e espelho de virtudes cristãs”. Após o regresso, empenhou-se na dedicação pastoral às comunidades da diocese, formação dos ministros do Evangelho, introdução de reformas preconizadas pelo Concílio de Trento e luta pela liberdade da Igreja de Braga face às autoridades civis, entre outros aspectos.
O seu livro Stimulus Pastorum sobre o ideal da missão dos pastores da Igreja foi editado numerosas vezes ao longo dos séculos. O Episcopado Português fez uma publicação, que ofereceu ao Papa Paulo VI e aos Padres Conciliares, aquando do Concílio Ecuménico Vaticano II; o mesmo sucedera no Vaticano I.
Pediu a resignação do cargo de Arcebispo Primaz em 1581, pedido que foi aceite no ano seguinte. Continuou o trabalho de pregação e de formação catequética, até ao fim da sua vida terrena, em Julho de 1590, em Viana do Castelo. Desde cedo se espalhou a sua fama de santidade, sendo designado pelo povo de Braga e Viana como “O Santo”.
A proclamação oficial da santidade de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires processou-se em ritmo lento. Introduzida a causa de Beatificação em 1631, o reconhecimento da heroicidade das suas virtudes só se verificou em 1845, por decreto do Papa Gregório XVI. Finalmente, após o retomar do processo nos últimos anos, um decreto de 7 de Julho do ano corrente, assinado pelo Prefeito da Congregação das Causas dos Santos, o Cardeal Dom José Saraiva Martins, e promulgado na presença do Santo Padre, aprovou o milagre atribuído à intercessão do santo prelado bracarense e abriu caminho à sua Beatificação.
Alguns apelos para a Igreja em Portugal
3. Neste início do terceiro milénio, em que o Papa nos convida a orientar e a programar a nossa vida à luz da santidade como ideal e meta da vida cristã, o testemunho de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires pode ajudar as Igrejas particulares e os seus cristãos a abrirem-se ao compromisso da fé na Igreja e no mundo.
A sua figura, como Religioso Dominicano e Professor, como Bispo e Padre Conciliar de Trento, apresenta-se, no nosso tempo, como figura singular de verdadeiro Doutor da Igreja.
O “Arcebispo Santo” é, para nós, um apelo ao aprofundamento e à formação na fé. Viveu esta com humildade evangélica, numa profunda entrega de si próprio e em perfeita coerência entre a crença e a acção do homem, do sacerdote e do Bispo. Na segurança do seu saber teológico, que adquiriu e ensinou à luz dos melhores mestres da época, assumiu sempre uma atitude de grande independência crítica. A Igreja é chamada hoje a promover a formação permanente de todos os cristãos na fé, em particular os anunciadores da Palavra.
O “Arcebispo Santo” é, para nós, um apelo à espiritualidade e à santidade. O seu “Compêndio de vida espiritual” revela-se como um tratado prático, onde os cristãos de hoje podem facilmente aprender uma experiência mística, capaz de se tornar presente em cada acto do quotidiano vivido. A Igreja é chamada hoje a percorrer o caminho da santidade como um aprofundamento contínuo da relação com a pessoa de Jesus Cristo, repensando toda a sua acção pastoral à luz desse dinamismo.
O “Arcebispo Santo” é, para nós, um apelo ao testemunho da caridade: esta compreendida no seu sentido etimológico de amor e traduzida numa acção social exercida pela Igreja, através das suas estruturas, dos seus pastores e dos seus fiéis. O “Arcebispo Santo”, sempre ardente na caridade de Cristo, não esquecia a dimensão social do seu múnus junto dos pobres e mais desfavorecidos. Vivendo a caridade a partir de situações concretas, numa atitude de amor e ternura de coração, tinha nos pobres, nas viúvas, nos estudantes e nos indigentes de toda a espécie os beneficiários dos seus cuidados e das suas rendas. Sendo partilha do pão, a acção sócio-caritativa torna-se uma forma de catequização, a par da pregação e do exemplo de vida que fazem parte da missão evangelizadora da Igreja. Esta é chamada hoje a mostrar claramente, pelo anúncio da Palavra, pelo testemunho do amor e do serviço e pelas opções pastorais, que está atenta a todas as pessoas, com predilecção pelos pobres, pelos marginalizados e pelos doentes.
O “Arcebispo Santo” é, para nós, um apelo à renovação da Igreja, compreendida como comunhão, que se realiza na Igreja universal e nas Igrejas locais ou particulares. Fê-lo pela participação e dinamização do Concílio de Trento e pelas reformas introduzidas na sua diocese de Braga. Na visita pastoral que nos fez em Maio de 1982, o Papa apresentou-nos Frei Bartolomeu dos Mártires “como símbolo e protagonista no Concílio de Trento, rico de virtudes e de zelo apostólico”. Escolher bons Bispos e formar bons párocos devia ser tarefa prioritária na reforma da Igreja. Por isso, punha o maior cuidado na escolha dos sacerdotes e na sua formação espiritual, teológica, intelectual, pastoral e moral. Criou na sua diocese infra-estruturas eficientes para a formação adequada do clero e aplicação dos decretos conciliares. Também hoje, respondendo ao apelo de João Paulo II, “a Igreja é convidada a interrogar-se sobre a sua renovação para assumir, com novo impulso, a sua missão evangelizadora” (Novo Millennio Ineunte, n. 2).
Estes apelos coincidem com os grandes problemas que a Igreja tem de enfrentar nesta fase da sua história, e contêm ensinamentos fundamentais para que se possa concretizar a nova evangelização, de que o mundo precisa com premente urgência.
A proclamação da santidade de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires é oportuna e necessária para servir de estímulo e exemplo de comportamento ao mundo em mudança, e como sinal de que o Espírito Santo, alma da Igreja, não se apaga nem adormece.
Em oração na comunhão da Igreja
4. Somos convidados a assumir uma atitude de acção de graças e de louvor a Deus por este dom que a todos nos enriquece espiritualmente e é motivo de alegria particular para os Pastores e demais fiéis das dioceses de Portugal, nomeadamente Lisboa onde Dom Frei Bartolomeu dos Mártires nasceu, Braga onde exerceu o ministério episcopal, Viana do Castelo que recolheu os seus restos mortais, Bragança e Vila Real que também receberam o seu múnus pastoral.
Somos convidados à oração, em união com estas Igrejas particulares, cujos Pastores têm mobilizado os cristãos em vista da participação na própria celebração em Roma. Que essa união de oração aconteça na nossa atitude orante pessoal e, de modo mais comunitário, em todas as comunidades cristãs, nas assembleias eucarísticas dos próximos dias 3 e 4 de Novembro.
Somos convidados à reflexão sobre a santidade de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, Pastor ao serviço da Igreja-comunhão. Tal constitui anuência à orientação pastoral do Santo Padre para o novo milénio, quando solicita empenho para que a Igreja se torne “casa” e “escola” de comunhão.
Lisboa, 27 de Outubro de 2001