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"A Luz que passa ao lado"

D. José Policarpo
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Homilia do Cardeal Patriarca de Lisboa na Solenidade do Natal do Senhor

“A Luz que passa ao lado†Homilia na Solenidade do Natal do Senhor Sé Patriarcal, 25 de Dezembro de 2003 Nesta solene celebração litúrgica do Natal do Senhor, a Palavra de Deus que agora foi proclamada abre-nos para o mistério de Jesus Cristo como solução humana, Aquele a cuja luz se descobre a dignidade do homem e a grandeza da sua própria vocação. Mas faz-nos também pensar no acolhimento que os homens do nosso tempo fazem a esse Mensageiro de Deus, que é Jesus Cristo. Ressalta, antes de mais, a beleza da fé. Jesus Cristo é acolhido, reconhecido e amado por milhões de homens e mulheres, nossos contemporâneos, que encontraram n’Ele o sentido das suas vidas e a fonte da sua felicidade. Como diz São João, “àqueles que O receberam e acreditaram no Seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deusâ€. São esses que reconhecem a Senhoria de Jesus Cristo, a grandeza que lhe compete como Palavra definitiva de Deus, nosso Redentor, que foi revestido, na Sua ressurreição, da glória e do poder de Deus. Esses são os novos filhos de Deus, aqueles “que não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. Eles mostram a Deus, na sua fé e no seu louvor, que não foi em vão a loucura de Deus se fazer homem, que valeu a pena essa humilhação do Filho de Deus. Eles são o fruto da fecundidade desse amor divino, eles foram conquistados pelo sangue do Seu Filho, eles foram comprados por um alto preço, eles são o povo que o Senhor adquiriu, eles são o Povo do Senhor. A Igreja, Povo do Senhor, apesar das suas imperfeições, justifica a encarnação do Verbo de Deus; ela é, para toda a humanidade, sinal de esperança e manifestação do optimismo de Deus. Dela continua a irradiar essa luz, que no princípio estava em Deus e que, no Verbo encarnado, iluminou todos os homens. Povo do Senhor, a Igreja continua a ser a luz dos Povos, sobretudo pela sua capacidade de anúncio e de testemunho. Dela se pode continuar a dizer, com o Apóstolo Paulo: “Como são belos, sobre os montes, os pés do Mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa nova, que proclama a salvação!â€. É bom proclamarmos, neste dia, o nosso optimismo cristão: valeu a pena a encarnação do Verbo de Deus. Mas ao olharmos, com esperança, a nossa sociedade contemporânea, continua real a queixa do Apóstolo São João: “O Verbo era a luz verdadeira… Estava no mundo e o mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu. Veio para o que era seu e os seus não O receberamâ€. Para nós que acreditamos em Jesus Cristo, que sabemos, na nossa experiência, o que isso significa como força de autenticidade, de verdade e de liberdade, sofremos com isso, com a rejeição de uns e a indiferença de tantos. Sofremos com isso, porque o Senhor merecia melhor, merecia ser reconhecido e amado; sofremos com isso, porque sentimos que essa rejeição e indiferença afastam os homens de uma verdadeira solução humana. É certo que nós, os cristãos, também temos uma parte de responsabilidade nessa rejeição e nessa indiferença: porque não anunciamos, com a força do nosso testemunho, a boa nova do Evangelho. E o testemunho da Igreja é essencial para que a luz de Cristo continue a iluminar os corações dos homens. Como Pastor desta Igreja, interpela-me mais, em termos de missão, a indiferença, sintoma de desconhecimento, do que a própria rejeição consciente. A rejeição consciente de Jesus Cristo é sempre dramática, porque acarreta a rejeição de Deus; mas é um direito da liberdade. Deus aceitou esse risco ao criar o homem livre e ao respeitar a sua liberdade. Quando a rejeição de Cristo inclui a rejeição do cristianismo e da própria Igreja, torna-se exigente para nós, convidando-nos a estar na sociedade com um grande respeito por todos, embora permanecendo fiéis à luz que nos vem de Cristo e que ilumina todas as realidades da nossa vida. Não queremos rejeitar quem nos rejeita, não devemos responder, atacando, se alguém nos atacar. A fidelidade à verdade não impede a tolerância e o diálogo, nem sempre fácil quando esperam que a nossa atitude dialogante signifique a cedência nas verdades perenes em que acreditamos, acerca de Deus, acerca do homem e da dignidade de toda a vida humana desde o seu primeiro desabrochar, acerca das exigências da generosidade do amor, da construção da justiça e da paz. Para nós dialogar significa escutar, respeitar e testemunhar, pois estamos convencidos que a rejeição de muitos encontra a sua origem num fraco conhecimento de Cristo e do cristianismo. Mas interpela-nos mais a indiferença de tantos dos nossos concidadãos perante esta presença definitiva de Deus, que é Jesus Cristo. Há alguns dias um jornal diário dava a notícia de uma sondagem feita na Holanda, que revelou que mais de um terço da população já não sabia a origem do Natal. Isso revela, não apenas indiferença religiosa, mas também pobreza cultural. E no entanto trata-se de um país de grandes tradições cristãs, quer católicas, quer reformadas, onde as Igrejas continuam a afirmar fisicamente, no horizonte das cidades e das aldeias, essa tradição cristã. País da União Europeia, como nós, dessa Europa que já hesita em fazer uma referência à matriz cristã da sua cultura, na sua Carta Constitucional. Esta indiferença interpela, de modo particular, a Igreja. É que eles não rejeitaram Jesus Cristo; pura e simplesmente não ouviram falar d’Ele. Ao ler aquela notícia senti com uma urgência renovada o apelo do Santo Padre a uma nova evangelização, sobretudo desta nossa Europa, que caldeou a sua história, definiu a sua visão do homem e aferiu os valores da sua convivência, de mãos dadas com o cristianismo. Reavivei a pergunta do Apóstolo Paulo: como hão-de acreditar, se ninguém lhes anunciar. Este é o desafio mais urgente e mais exigente que as nossas sociedades europeias põem aos crentes e às Igrejas: é preciso evangelizar. As Igrejas desta velha Europa têm pouca experiência dessa evangelização primeira a multidões que não conhecem Jesus Cristo. Viveram, durante séculos, em ambiente de cristandade, em que a fé se comunicava espontaneamente de pais a filhos, onde a catequese fazia parte integrante da educação, onde a referência a Jesus Cristo era comunicada pela própria cultura, onde a comunidade rural, definida na sua identidade, circunscrita nos seus limites, onde todos se conheciam e o pároco conhecia toda a gente, se transformou no modelo organizativo da paróquia, mesmo em meio urbano. As experiências de evangelização de primeiro anúncio, as Igrejas da Europa fizeram-na partindo para longes terras, a que chamaram terras de missão. Mas como ir em missão sem partir para longe? Será possível reevangelizar a Europa com os mesmos métodos com que semeámos a fé cristã nas cinco partes do mundo? Este é o objectivo do Congresso Internacional da Nova Evangelização, acompanhado de uma missão na cidade, em que a Diocese de Lisboa aceitou participar. É preciso partir a evangelizar, sem ir para longe, pois o campo da missão é a nossa cidade, o nosso bairro, o nosso prédio, a nossa escola. Precisamos de descobrir que a nossa fé nos torna cúmplices de Jesus Cristo e que o testemunho da nossa vida deve irradiar a Sua luz. Temos de conciliar a ousadia com a confiança e a humildade, a qualidade com a nossa pobreza de meios, fazendo de cada momento da missão um irradiar da luz e da beleza de Deus. É objectivo desta missão diminuir o número daqueles que não sabem quem é Jesus Cristo e o que Ele significa para nós. Alguns poderão rejeitá-l’O ou não terem coragem para O seguir, mas fá-lo-ão livremente e assumirão a responsabilidade da sua opção. O Santo Padre, numa das suas visitas pastorais ao nosso país, disse-nos, evocando o nosso passado missionário: “Portugal, convoco-te para a missãoâ€. Atrevo-me a repetir o seu apelo, agora particularmente dirigido à nossa Diocese de Lisboa: Igreja de Lisboa, convoco-te para a missão. Aos sacerdotes e aos religiosos, aos movimentos laicais, às famílias cristãs, aos jovens universitários, a todos os cristãos presentes nas estruturas da nossa cidade, aos idosos e às crianças, a todos eu digo: convoco-vos para a missão, preparai-vos para ela, anunciai Jesus Cristo, mostrai-vos felizes por serdes cristãos, reagi aos problemas da nossa cidade com critérios evangélicos, revelai o rosto amoroso da Igreja. Ajudemos os nossos concidadãos a vencerem a indiferença, a tomarem uma decisão livre e responsável perante Jesus Cristo. Fazei com que não haja habitantes de Lisboa que não saibam o que celebram no Natal. † JOSÉ, Cardeal-Patriarca


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