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“A missão evangelizadora da Igreja, vista como «diaconia»”

D. José Policarpo
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Homilia no 1º Domingo do Advento Ordenações de Diáconos Mosteiro dos Jerónimos, 27 de Novembro de 2005

1. Apenas terminado o Congresso, centrado no mistério de Cristo Vivo e da vida em Cristo e na terna mediação de Maria que nos conduz ao Seu Filho, eis que a Liturgia, na Festa de Cristo-Rei e no início do Advento nos reconduz ao dinamismo fundamental da fé cristã: o desejo de se encontrar plenamente com Deus, em Jesus Cristo. A esperança é a virtude espontânea do Advento e aquela que melhor resume os mais profundos sentimentos de toda a Igreja de Lisboa, neste momento belo da sua fidelidade. Uma esperança alicerçada na fé-confiança da bondade de Deus nosso Pai, como nos diz o Profeta Isaías: “Vós, Senhor, sois o nosso Pai! Nosso Redentor é, desde sempre, o Vosso nome”. Esperança que nos faz desejar uma maior intimidade com Deus e mais profunda identificação com Jesus Cristo. Era já esse o desejo do Profeta: “Oh! Se rasgásseis os Céus e descêsseis, ante a Vossa face ruiriam os montes”. Qual de nós não teve já esse sentimento: se Deus manifestasse mais o poder do Seu amor, o mundo seria transformado. E, no entanto, Deus já rasgou os Céus, encarnando no seio de uma Virgem, e exprimindo na loucura de um gesto humano de amor, o dom da própria Vida, o infinito amor de Deus por nós. Cristo Vivo na Sua Igreja é o fundamento da nossa esperança. É essa a mensagem do Apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto: “Dou contínuas graças por vós ao meu Deus, pela graça divina que vos foi concedida em Cristo Jesus. N’Ele fostes enriquecidos em tudo”. Esse encontro com a santidade de Deus, expressão máxima da Sua transcendência, é possível a todos em Cristo ressuscitado. Ser seu discípulo é seguí-l’O nesse caminho que nos leva à Vida; mergulhar n’Ele é experimentar a santidade; anunciá-l’O é algo que devemos a todos os homens, nossos irmãos; percorrer esse caminho, em Igreja, abandonando-se à sua fecundidade sacramental, é exigência da nossa fidelidade. Deus já rasgou os Céus, na simplicidade de um recém-nascido, na dramaticidade da morte na Cruz, na surpresa jubilosa da vida que vence a morte. Resta-nos ir ao Seu encontro, mergulhar no Seu amor, deixar-se transformar pela vida que nos é dada, e o mundo será transformado. Esta é a esperança da Igreja de Lisboa, neste início do Advento, reavivada no recente Congresso: desejar que todos os seus membros mergulhem, mais profundamente, nessa plenitude de Vida que nos foi dada em Jesus Cristo, se deixem invadir pela esperança e pela alegria e contribuam, pelo seu testemunho evangelizador, para a humanização da cidade. 2. Por sugestiva coincidência, neste primeiro domingo do Advento, ordenamos mais seis diáconos para a Igreja de Lisboa. Este facto convida-nos a meditar na missão evangelizadora da Igreja como “diaconia”, isto é, como serviço da Igreja à sociedade e nos ministérios como diaconia interna, para que a Igreja progrida em santidade. Durante o Congresso exprimi, em várias ocasiões, o modo como a Igreja vê a evangelização, concebida como o seu contributo para o progresso do homem e da sociedade, num diálogo franco e respeitador, de quem apenas proclama, com sinceridade e convicção, o que pensa do homem, da vida, dos caminhos da felicidade. Dirigindo-me à cidade de Lisboa, pude afirmar: “A Igreja não pretende sacralizar a cidade, mas sim humanizar a cidade”, o que define a sua missão como um serviço à comunidade humana. Essa tinha sido a mais bela mensagem do Concílio Vaticano II ao mundo contemporâneo: “O Concílio, testemunha e guia da fé de todo o Povo de Deus reunido por Cristo, não poderia dar uma mais eloquente prova de solidariedade, de respeito e de amor a toda a família humana, à qual esse Povo pertence, que dialogar com 3 ela sobre os diferentes problemas, esclarecendo-os à luz do Evangelho e pondo à disposição do género humano a potência salvadora que a Igreja, conduzida pelo Espírito, recebe do Seu Fundador. Com efeito trata-se de salvar o homem e renovar a sociedade humana. É o homem, considerado na sua unidade e na sua totalidade, o homem, corpo e alma, coração e consciência, pensamento e vontade que constituirá o eixo de todo o ensinamento da Igreja”. E acrescenta: “Nenhuma ambição terrestre move a Igreja; ela visa um único objectivo: continuar, conduzida pelo Espírito Consolador, a obra do próprio Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar, não para condenar, para servir e não para ser servido” (G.S. nº 3). Conceber a missão da Igreja como “diaconia”, isto é, como serviço da comunidade humana, é perspectiva exigente que o Congresso abriu à Igreja de Lisboa. Essa atitude levar-nos-á a fazer tudo por amor, com a humildade de quem serve, a não buscar nenhuma forma de poder ou de domínio, a respeitar as diferenças sem enfraquecer a firmeza da verdade, a reconhecer os contributos positivos que todos os homens rectos podem trazer à cidade. Humanizar a cidade significa valorizar tudo o que de positivo existe nela, acreditando que a plenitude desses valores só se encontra em Jesus Cristo. 3. Na vida interna da Igreja são sobretudo os ministérios que exprimem a diaconia da Igreja. Do ministério episcopal afirma o Concílio: “Este múnus, confiado pelo Senhor aos pastores do Seu Povo, é um verdadeiro serviço. Na Sagrada Escritura é explicitamente designado como “diaconia” (L.G. nº 24). O exercício desta “diaconia” é garantido, também, pelos diáconos, aos quais impõem as mãos, “não em vista do sacerdócio, mas do serviço”. E acrescenta: “Com efeito, a graça sacramental dá-lhes a força necessária para servir o Povo de Deus na “diaconia” da Liturgia, da palavra e da caridade, em comunhão com o Bispo e o seu presbitério” (L.G. nº 29). A circunstância presente da Igreja de Lisboa, pronta a renovar-se para a missão, sugere-nos um discernimento sobre a valorização deste ministério diaconal na nova evangelização. A “diaconia” da palavra deve situá-los, de forma própria, e não como simples substituição do ministério dos presbíteros, na primeira linha desta nova evangelização. Dinamizar e organizar formas de primeiro anúncio da fé ou de catequese para adultos, para aqueles crentes que 4 desejam aprofundar a fé, podem ser expressões específicas deste ministério. A “diaconia” da caridade, talvez o rosto mais visível do serviço da Igreja à comunidade humana, é outro campo onde podemos, de forma criativa, discernir um campo próprio de exercício deste ministério. Este é um sacramento para o serviço. Este facto de a Igreja valorizar, com uma nova graça sacramental, a atitude de serviço pedida a todos os cristãos, exprime a consciência da Igreja de que as suas maneiras de servir são serviço de Jesus Cristo. Quando um cristão se disponibiliza para que toda a sua vida seja serviço, não apenas uma forma pessoal de servir, mas a forma de Cristo servir, ele só o pode fazer com a força do próprio Cristo Servo, que lhe é concedida na graça deste sacramento. 4. O Advento é tempo de esperança. Para a Igreja de Lisboa, neste Advento, a esperança está viva e é muito concreta: ela deseja ser o sacramento de Jesus Cristo para o anúncio novo da esperança na nossa Diocese e na nossa Cidade. † JOSÉ, Cardeal-Patriarca


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