Documentos

A Responsabilidade Social dos Cristãos

Comissão Justiça e Paz - Diocese de Portalegre e Castelo Branco

É com o Papa Leão XIII que se inicia a publicação de um conjunto de documentos, afirmando a dignidade do homem e seus direitos, deixando antever a importância e a necessidade da doutrina social da Igreja. Na sequência desta preocupação, a Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, 30, refere: “Que todos tomem a peito considerar as relações sociais como um dos principais deveres do homem contemporâneo e, como tais, as respeitar. Com efeito, quanto mais o mundo se unifica, tanto mais claro se torna que os deveres do homem ultrapassam os grupos, para se estenderem pouco a pouco ao mundo inteiro. E isto só será possível se os indivíduos e os grupos sociais cultivarem em si mesmos e difundirem na sociedade os valores morais e sociais, de forma que sejam verdadeiramente homens novos e artífices duma nova humanidade, com o necessário auxílio da graça”. A índole do homem mostra que o seu desenvolvimento como pessoa e o crescimento da própria sociedade estão mutuamente condicionados. Por isso, o princípio e o fim de todas as instituições têm em vista a pessoa, a qual, pela sua natureza, tem necessidade da vida social. Mas que valores morais e sociais devem reger essa vida? Destacaríamos, de entre os primeiros, a verdade. Esta traduz-se numa conformidade entre o pensamento e a sua expressão. Isto é: se pensamos uma coisa e dizemos outra, não somos verdadeiros; se dizemos uma coisa e fazemos outra, não somos verdadeiros. A verdade manifesta-se tanto nos pequenos gestos como nas grandes resoluções. Assim, quando um pai ou uma mãe reprimem e condenam a agressividade de um filho mas, eles próprios, marido e mulher, constantemente a exibem perante os outros ou se digladiam, não estão a ser verdadeiros e a sua eficácia educativa perde-se. Quando uma pessoa se diz católica e, até, publicamente, manifesta as suas convicções mas, no emprego, tenta ultrapassar o colega a qualquer preço, prejudicando-o e, em casa, humilha o cônjuge e brutaliza os filhos, não está a ser verdadeira; ela, contradizendo nos actos a doutrina de paz e de amor que diz professar, é um contra-testemunho do ser cristão. Quando um político, na oposição, defende ardentemente uma posição e, estando no governo, pugna pelo seu contrário, não está a ser verdadeiro e perde credibilidade. Quando se assumem os êxitos mas se alijam os fracassos; quando nos tornamos responsáveis pelos resultados felizes mas esconjuramos e atribuímos aos outros as responsabilidades dos insucessos, não estamos a ser verdadeiros. A verdade é a mãe da idoneidade, da autoridade, da coragem e da fidelidade. Nem sempre ser verdadeiro é fácil. Pelo contrário, a defesa da verdade pode custar sacrifícios que podem ir ao da própria vida. Assim aconteceu com Jesus Cristo. Ele próprio se intitulou a Verdade. Foi por ela que Ele, em coerência com a sua vida, nos legou uma doutrina de paz e de amor; mas foi também, em nome dessa Verdade, que denunciou a mentira e a hipocrisia. Por isso O mataram. Mas a Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo também refere a necessidade de se cultivarem os valores sociais. Ora, de entre estes, destacaríamos o da caridade. Esta palavra, tendo adquirido um sentido próximo do de esmola, caiu um pouco em desuso. No entanto, ela encerra o que de mais puro tem a doutrina cristã: o amor ao próximo. Praticar a caridade ultrapassa o acto meritório de fazer o bem, dando do que temos. É certo que, perante as grandes necessidades individuais e colectivas, sermos generosos para com aqueles que precisam representa um acto de solidariedade que só dignifica quem o exerce. Mas, muitas vezes, esse acto esgota-se no momento em que se dá. Ele aquieta-nos a consciência. E, perante certas circunstâncias, talvez não possamos fazer mais. Mas a caridade é, fundamentalmente, dar o que somos; é colocarmo-nos ao serviço dos outros, fazendo apelo às nossas capacidades e competências e com o nosso esforço termos o propósito exclusivo de ajudarmos quem de nós precisa, sem estarmos à espera de qualquer recompensa. Ou melhor, a recompensa que se vai ter é uma imensa alegria interior que resultou do bem que praticámos. Praticar a caridade implica, também, combater a discriminação, colocarmo-nos ao lado dos mais fracos, lutar contra as desigualdades que afrontam a dignidade humana, pugnar pela paz e pela justiça, enfim, estar ao lado do nosso próximo. E há sempre múltiplas maneiras, em conformidade com o Evangelho, de se fazer ouvir a nossa voz e de exercer a nossa vontade! Enfim, ser um cristão responsável no mundo actual é, pois, pela palavra e pelos actos, fazer o exercício continuado da verdade e da caridade no compromisso com Cristo. Portalegre, 24 de Novembro de 2005


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