Os Meios de Comunicação Social têm falado muito do recente filme do australiano Gibson sobre «A Paixão de Cristo». Tanta gente ficou fortemente impressionada com a violência do sofrimento de Cristo, que no filme resulta brutal, provocando sentimentos de verdadeira «compaixão». Mas brutal é também o sofrimento de tantos irmãos nossos, por esse mundo fora e também ao pé da nossa porta e, se calhar, portas adentro: violência doméstica, jovens desorientados, crianças maltratadas, idosos abandonados, trabalhadores «imigrantes» explorados...
A Paixão de Cristo é a paixão da humanidade, que não é só de ontem. É também de hoje. Basta lermos os jornais, ouvirmos a Rádio e abrirmos a Televisão. Merece igualmente a nossa «compaixão» o sofrimento dos crucificados da história, com quem Cristo se identifica e solidariza.
Não basta, porém, sentir compaixão. É preciso fazer, como o Bom Samaritano: parar, cuidar, encaminhar. E, sobretudo, dar esperança. A resposta de Deus à Paixão de Jesus e da humanidade é a Ressurreição. Ressuscitando Jesus, Deus abriu para a humanidade um caminho de vida com abundância. Em Jesus Ressuscitado, a humanidade já venceu tudo o que a oprime.
A Ressurreição de Jesus, que celebramos todos os anos em Domingo de Páscoa e todas as semanas na Eucaristia Dominical, é o mistério central da fé cristã e o sólido fundamento da esperança cristã, que não é optimismo ingénuo de quem não vê os problemas.
Trata-se de esperar, com confiança, o que ainda não possuímos em plenitude, comprometendo-nos, com a firme certeza da fidelidade de Deus à Sua Promessa de libertação total e definitiva. Como esclarece S. Paulo, «é em esperança que estamos salvos, pois ver o que se espera não é esperança: quem espera o que já vê? Mas esperar o que não se vê é esperá-lo com perseverança» (Rom 8, 24). Também nós, com toda a criação, como que sofremos as dores de parto, até que o mundo, pelo poder do Ressuscitado, dê à luz, o Reino de Deus.
O anúncio pascal da Ressurreição de Cristo não é apenas garantia de salvação no além. É compromisso no presente. O Papa apela continuamente a Igreja a «fazer-se ao largo», para o mar alto da vida humana. Quando insiste sobre a centralidade da Eucaristia na vida da Igreja, não está a convidar os católicos a se fecharem em si próprios, alheando-se dos problemas hodiernos da sociedade.
«Consequência significativa da tensão escatológica presente na Eucaristia – explica Ele - é o estímulo que dá à nossa caminhada na história, lançando uma semente de activa esperança... para a edificação de um mundo à medida do homem e plenamente conforme ao desígnio de Deus. Muitos são os problemas que obscurecem o horizonte do nosso tempo. Basta pensar quanto seja urgente trabalhar pela paz, colocar sólidas premissas de justiça e solidariedade nas relações entre os povos, defender a vida humana desde a concepção até ao seu termo natural. E também que dizer das mil contradições de um mundo “globalizado”, onde parece que os mais débeis, os mais pequenos e os mais pobres pouco podem esperar? É neste mundo que tem de brilhar a esperança cristã! Foi também para isto que o Senhor quis ficar connosco na Eucaristia, inserindo nesta Sua presença sacrificial e comensal a promessa duma humanidade renovada pelo Seu amor...
A Páscoa de Cristo inclui, juntamente com a Paixão e Morte, a Sua Ressurreição... Por estar vivo e ressuscitado é que Cristo pode tornar-Se “pão da vida”, “pão vivo” na Eucaristia... S. Cirilo de Alexandria sublinhava que a participação nos santos mistérios “é uma verdadeira confissão e recordação de que o Senhor morreu e voltou à vida por nós e em nosso favor”...» (Ecclesisa de Eucharistia, 2003, nn. 20 e 14).
«Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria» (Sl 117)!
Assim se exprime a Iiturgia da Igreja, no Domingo de Páscoa, convidando-nos à alegria e esperança, que nos vêm da Ressurreição de Cristo, possibilidade divina das impossibilidades humanas.
«Não sabeis que um pouco de fermento leveda toda a massa?... – adverte S. Paulo. Celebremos a festa, não com fermento velho, nem com fermento de malícia, mas com os pães ázimos da pureza e da verdade» (1 Cor 5, 6b-8).
São também estes os meus votos, nesta Páscoa de 2004.
+ António, Bispo de Angra