A televisão na famÃlia Manuel Pinto 27 de Setembro de 2004, às 16:45 ... Intervenção de Manuel Pinto nas Jornadas de Comunicação Social Jornadas de Comunicação Social 23 e 24 de Setembro de 2004 A televisão na famÃlia Bem vistas as coisas, pode dizer-se que a televisão é um assunto de famÃlia. Desde logo porque é lá que ocorre o grosso do consumo, quer de adultos quer de crianças. Mas ela é uma questão da e na famÃlia porque se foi convertendo num factor de estruturação do tempo e até dos espaços familiares. Não foi sempre assim, no entanto. Embora o aparelho televisivo só se tenha massificado e difundido depois da Segunda Guerra Mundial (e, em Portugal, após o 25 de Abril de 1974), a verdade é que, nos tempos iniciais, o contexto do consumo era bastante diferente, em parte devido ao facto de pouca gente ter televisão em casa. Nesse perÃodo, o café, a associação desportiva ou cultural e outras instituições locais tomaram-se centros privilegiados para seguir a programação. Deste modo, ver TV tomou-se um acto colectivo e, em boa medida, público. Mas igualmente as famÃlias que tinham adquirido aparelho juntavam, em alguns momentos da semana, vizinhos e amigos, conferindo ao consumo de televisão este carácter colectivo. O panorama mudou radicalmente, entretanto. Os televisores tomaram-se mais acessÃveis e mais atraentes os conteúdos por eles difundidos, com o surgimento da televisão a cores, a multiplicação do número de canais e a diversificação das modalidades de acesso (parabólica, cabo, assinaturas, etc.). Ao aparelho que praticamente cada lar passou a ter veio somar-se, a partir dos anos 80 e 90, um segundo, um terceiro e até um quarto aparelho, primeiro a pretexto da mudança do preto e branco para a cor e, depois, por motivos diversos que podem ir da facilidade à competição com amigos e conhecidos. As transformações no modo de consumir televisão no quadro familiar alteraram-se ao mesmo ritmo. O consumo que já se havia privatizado com o acesso massificado aos aparelhos, sofre agora uma - digamos assim - segunda privatização, na medida em que abandona paulatinamente o lugar privilegiado que constituÃa a sala de estar (e em alguns meios a cozinha) e passa a decorrer noutros espaços da casa, nomeadamente nos quartos dos pais e das crianças. Por um lado, esta modificação de fundo permite resolver uma série de conflitos e tensões que inevitavelmente surgiam no tempo do aparelho único, quanto a matérias como ligar ou não ligar o televisor, o programa a seguir, o volume do som, o controlo do telecomando (quando este se implantou com todo o seu vigor como periférico do receptor, inaugurando a prática nova do zapping). Em contrapartida, perdeu-se a interacção e a conversa que acabavam por acontecer quando a famÃlia ou parte dela se reunia para ver televisão. não deixa de ser curioso que se possa agora considerar que ver tv em conjunto possa ser motivo de encontro e de enriquecimento mútuo, quando precisamente uma das criticas que era comum escutar-se contra a televisão é que ela comprometia o diálogo familiar. sendo certo que o seguimento de alguns programas, em especial durante as refeições, podia ser utilizado como biombo que impedia a conversa, a verdade é que eram e são também frequentes as situações em que são precisamente esses programas que originam e alimentam interacções que de outro modo poderiam nem sequer ocorrer. Uma das perguntas que pode fazer-se, neste contexto. refere-se aos factores que influenciam no consumo de TV. São muitos e de natureza diferente. Há os que se prendem com a oferta dos canais e os que se ligam aos contextos dos telespectadores. No primeiro caso, pesa, por exemplo, a imagem e o conhecimento que se tem de um determinado canal: o tipo de programas que costuma emitir, o grau de satisfação ou de interesse que eles suscitam, uma emissão especial num determinado dia, etc. Tudo isso pode influenciar. Quanto aos factores contextuais, eles podem ter a ver com os valores, ideologias e gostos de cada qual ou dos respectivo agregado familiar, com os estilos de vida, com a existência e acessibilidade de actividades alternativas, com disponibilidade existente conforme as horas do dia, os dias da semana, e as alturas do ano, com as condições atmosféricas, etc. Há ainda outros factores, menos conjunturais, que entram aqui em jogo e que dizem respeito à posição de cada pessoa no ciclo de vida. Trocando por miúdos: se virmos a vida humana como um arco (um ciclo), nos respectivos extremos, as crianças pequenas e os mais idosos são aqueles que, em princÃpio, têm o tempo mais liberto de actividades e compromissos constringentes. Não espanta, por isso, que seja também entre esses grupos de idade que encontramos os mais elevados Ãndices médios de tempo de televisão. À medida que as crianças crescem e se vão autonomizando da dependência dos pais, o seu raio de acção alarga-se significativamente e a televisão tende a perder o lugar destacado que até então ocupava. Mas quando os jovens adultos constituem novas famÃlias e se voltam a centrar sobre o seu novo lar, eventualmente com filhos, a TV volta a receber uma certa atenção que não parará de crescer, à medida que a idade avançar. Vários dos aspectos que acabo de referir mereceriam um desenvolvimento mais alargado, que razões de economia deste livro não permitem. Limito-me, assim, a exemplificar com o factor a que chamei anteriormente estilos de vida. Por estilos de vida podemos entender, na esteira de sociólogos como o francês Pierre Bourdieu ou o inglês Anthony Giddens, os padrões que orientam e estruturam as nossas preferências e as nossas escolhas e que ficam a dever-se, em boa medida, ao ambiente em que crescemos. No caso da relação entre a televisão e as crianças, podemos admitir que os valores que presidem à educação dos filhos levem os pais a utilizar de diferentes modos a TV. Com base em estudos desenvolvidos noutras paragens, eu próprio procurei saber, por exemplo, se a decisão de ver televisão entre crianças em idade escolar de diferentes meios sócio-económicos do distrito de Braga era tomada livremente pelas próprias crianças, se eram os pais que decidiam por elas ou se essa decisão era tomada através do diálogo entre os dois lados implicados. Repare-se que cada uma destes comportamentos habituais foi aqui tomado como indicador de um estilo de educação: mais deixa-correr no primeiro caso, mais autoritária no segundo e mais dialogante ou, se preferirmos, democrática, no terceiro. Para que a história não fique a meio, direi apenas que o estilo dialogante era o menos praticado, preferindo a maioria dos pais, aparentemente, ora as soluções impositivas ora o "não te rales". Sabemos muito bem, no entanto, que com demasiada frequência, as condições concretas da vida e dos ritmos da famÃlia não permitem levar à prática os valores e atitudes que acharÃamos preferÃveis. Uma das maiores dificuldades consiste em articular os horários dos diferentes membros da famÃlia, de modo a poder concretizar o acompanhamento que julgarÃamos desejável à vida familiar e aos filhos. As distâncias, as dificuldades de transportes, as condições impostas nos empregos, a sobrevalorização do trabalho convertem a vida quotidiana, para muitas famÃlias, numa espécie de montanha russa a que nem todos conseguem sobreviver. As mudanças nos modelos e tipos de famÃlia e a desigualdade entre sexos que prevalece na assunção das diferentes tipos de tarefas domésticas podem ser factores que agravam ainda mais um quadro já de si com tonalidades bastante sombrias. o resultado deste diverso tipo de factores é que muitas crianças passam uma parte do dia cada vez mais sozinhas em casa ou com irmãos (mais velhos ou mais novos), enquanto muitas outras fazem a experiência de quotidianos super-ocupados, justamente como estratégia que pode ter tanto de investimento numa super qualificação por parte dos pais como de recurso para fazer face aos desencontros e vazios dos horários dos diversos membros do agregado familiar. A televisão surge, neste contexto, como um recurso acessÃvel, fácil e atractivo. Desperta interesse desde praticamente os primeiros meses de vida, povoa o universo infantil de histórias (a ponto de lhe chamarem avòzinha electrónica) e, sobretudo, mantém as crianças ocupadas e afastadas de perigos que a rua hoje comporta, designadamente em meios urbanos (daà chamarem-lhe também baby-sitter). Por conseguinte, a televisão torna-se, na realidade da vida quotidiana, a solução mais viável e interessante para ocupar as crianças, precisamente a mesma televisão que é acusada tantas vezes de exercer uma influência nefasta sobre os mais pequenos. Paradoxos! Actividades Formação de pais Costuma dizer-se que há cursos para tudo, menos para aprender a ser pai ou mãe. A escola da vida continua a figurar no topo da tabela das escolas possÃveis, mas isso não dispensa que se possa pensar em encontrar espaços e tempos de troca de inquietações e experiências e de procura de caminhos mais seguros para os desafios que a educação dos filhos hoje em dia suscita. Os problemas que tantas vezes andam associados à televisão podem ser um excelente pretexto para o encontro das pessoas, seja em estruturas já existentes, como as associações de pais, movimentos familiares ou grupos de formação de natureza diversa, seja em iniciativas ad hoc entre pessoas que partilham dificuldades idênticas (veja-se, no final, algumas indicações sobre onde encontrar recursos para apoio a esta formação). Informação sobre os programas A formação deve apoiar-se na informação, nomeadamente sobre os programas televisivos, e esta deve ser completa e atempada. Sem excluir a possibilidade de se poder sensibilizar algumas das revistas sobre TV para esta função, torna-se importante que haja um ou mais serviços que se proponham coligir, sistematizar e tratar a informação sobre os programas, incluindo fontes complementares, pistas de exploração, etc. Apesar do fosso social ao nÃvel do digital, a Internet poderia constituir um ambiente óptimo e expedito para divulgar essa informação e, num âmbito mais ambicioso, para promover o debate sobre ela. Retratos da famÃlia no pequeno ecrã A famÃlia não é, nas nossas sociedades, uma realidade estática ou uniforme. Ternos vindo a assistir a mudanças significativas na estrutura e nas formas de vida familiar, nas últimas décadas. Há quem atribua aos media, e especialmente á televisão, uma certa responsabilidade nessas mudanças. A questão que se pode colocar é saber como é que a programação televisiva, nos seus diferentes géneros, retrata a vida familiar. Este pode ser um terna interessante para análise e reflexão. Eis algumas perguntas possÃveis: Será que certos estereótipos predominam? Quais e como caracterizá-los? Por exemplo: como é a famÃlia dos protagonistas e heróis? Que modelo de famÃlia predomina nas séries e nas novelas? Qual o papel de cada uma das figuras parentais? Qual o lugar dos filhos? E dos membros mais idosos da famÃlia? Com que frequência surgem representadas situações de ruptura de formas de vida familiar, como separações, divórcios, etc.? Como são representadas as tarefas domésticas? Imagens das crianças na TV É ainda um esforço de observar e analisar o lugar que ocupam os mais pequenos na televisão e o modo como esta os trata nos seus programas (que não apenas na dita programação infanto-juvenil). Tópicos possÃveis para tal análise: que voz e que vez têm as crianças na programação dos vários canais; em que papéis e situações são colocadas quando surgem em estúdio; em que medida são salvaguardados direitos das crianças à privacidade, à não revelação da identidade e à não exploração da sua vulnerabilidade, nomeadamente na obtenção de informações. Conversando sobre violência O tema da violência é recorrente quando se fala de televisão. Por vezes, refere-se violência como se fosse um conceito evidente e claro. Não se distingue violência realmente acontecida de violência ficcionada; violência fÃsica de violência social ou psicológica; violência verosÃmil de violência inverosÃmil; violência como recurso do triunfo do mal ou do bem, etc. Com base em diferentes géneros de programas, este tema pode ser objecto de conversa em casa (ou noutro contexto). Em que medida há uma sobre-representação de actos violentos no ecrã relativamente ao meio em que se vive? Em que medida a violência televisiva é expressão de uma violência social ou (e) agente produtor dessa mesma violência? Que modalidades de resolução de conflitos e problemas apresenta um episódio de uma série? Que violência choca mais: a do telejornal ou a do cinema? Em que medida é possÃvel criar um clima altamente violento sem que se registem cenas explÃcitas de agressão fÃsica? Porque é que a violência atrai? Em que medida existe ou se pode gerar uma insensibilidade face à violência? Eis alguns tópicos para conversar. Estilos de educação relativos à TV Esta actividade pode ser interessante como motivo de encontro de pais e encarregados de educação. Tem subjacentes as preocupações face ao lugar que a TV ocupa na vida dos mais novos (e por vezes dos mais graúdos também). Há quem seja de um rigorismo exacerbado, com a pretensão de controlar até ao último pormenor o consumo dos filhos; há quem utilize a TV como prémio ou castigo; há quem avalie negativamente a TV, mas a ache preferÃvel, apesar de tudo, aos perigos da rua; há os que nunca se preocuparam muito com o assunto; há, enfim, os que tendem a atribuir à televisão em geral, ou a certo tipo de conteúdos em particular, a causa mais evidente para certos comportamentos e atitudes dos filhos, ao nÃvel da linguagem, da concentração no estudo, no rendimento escolar, na relação com os pais e os colegas, etc. Alguns estudos realizados sobre esta matéria sugerem que um bom começo pode estar em ser capaz de verbalizar e pôr em comum a experiência pessoal e familiar, os temores e os fantasmas, as descobertas e as aprendizagens. Um aspecto que certamente surgirá é que aquilo que se passa com a TV tem bastante a ver com o resto da vida quotidiana e os desafios que ela coloca. A Federação Internacional de Jornalistas (FU) debruçou-se, não há muito tempo, sobre a representação das crianças na informação, tendo aprovado, numa conferência realizada no Recife (Brasil), em 2 de Maio de 1998, e que contou com participantes de mais de 70 paÃses, o documento Children's Rights and Media: Guidelines and Principles for Reporting on Issues Involving Children (o texto pode ser consultado no site da FIJ, em www.ifj.org/working/issues/children/guidelines.html). Para Caixilho 1: "Uma das coisas mais importantes que podemos fazer como pais é mostrar aos nossos filhos que levamos a sério aquilo que vêem na TV. (...) Por isso é importante sentar-se e ver um programa com eles, reflectir sobre ele em conjunto, valorizar as opiniões deles e mostrar-lhes que o programa pode ser interpretado" (Milton Chen). Dr. Manuel Pinto Comunicações Sociais Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...