Homilia de D. Jorge Ortiga, no Colégio D. Diogo, em Braga
Os acontecimentos podem ter uma interpretação imediata como quem se concentra num evento dando-lhe o significado estrito que ele encerra. Aqui, hoje e agora, poderíamos limitar-nos ao dever de agradecer a quem, sem olhar para si, se deu à causa do Colégio. Testemunhamos a gratidão com palavras, mais ou menos bem elaboradas, e marcávamos o gesto de gratidão com uma inauguração.
Não posso fugir a esta vertente particularmente num tempo em que as pessoas são esquecidas e com dificuldade se faz memória. A Igreja não esquece os seus membros fiéis. Reconhece o seu trabalho e sublinha-o pelo valor que encerram e para que a “luz” seja colocado sobre o candelabro.
Só que esta vivência imediata dos acontecimentos pode situar-nos num passado que, sendo rico, já passou. Gosto de olhar para a esperança do futuro e reflectir sobre os desafios que nos são colocados.
Peço, por isso, desculpa por homenagear o P. Dr. António José da Silva Marques com uma pequena referência sobre o lugar que um Colégio Católico desempenha na Igreja e na sociedade. É uma grande tentação, como pessoas e instituições, compararmo-nos com os outros. Podemos, até, iludir-nos com o “Ranking” pelo lugar melhor ou pior. Tudo é útil. Creio, porém, que, reconhecendo um pluralismo de opções, devemos assumir uma fidelidade à nossa identidade para depois estarmos disponíveis para o confronto dialógico com todos e com tudo. Temos um estatuto ou ideário e devemos concentrar-nos nas suas coordenadas e não só não ter vergonha desta identidade mas orgulhar-se da diferença que a mesma pode provocar. Numa sociedade multicultural deve resplandecer, também, o católico, não para o confronto ou conflito mas para um contributo originário e insubstituível na imaginação e realização dum mundo constituído por homens e mulheres com referências certas e claras.
1. Vocação da Escola católica
Urge repensar o lugar da escola na sociedade actual e, no caso concreto, discernir os contornos duma escola católica, ou situando-nos no Programa Pastoral sobre as vocações, intuir a vocação que ela deve viver no contexto e na problemática do ensino.
Sabemos que os pais são os primeiros e principais educadores dos próprios filhos. O seu direito – dever é “original e primário com relação ao dever dos outros”(G. E. 3). Mas à incapacidade crescente da família para enfrentar por si todos os graves e difíceis problemas – influência do ambiente, meios de comunicação social, os novos horizontes dum multiculturalismo, a urgência duma preparação mais esmerada para a vida futura e profissional – ela necessita de ajudas que, não a dispensando das suas obrigações, a completam e integram.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 26) reconheçe que compete ao educando e, se ainda não é capaz, aos pais a escolha do sistema de educação e, consequentemente, o modelo de escola que prefere. Nesta ordem de ideias o Concilio Vaticano II (G. E. 6) considera inadmissível, em linha de principio, o monopólio da escola por parte do Estado. Só um pluralismo de escolas torna possível o exercício dum direito fundamental e é neste pluralismo que a Igreja oferece a sua contribuição específica que deveria ser enriquecedora e nunca em concorrência ou conflito.
São objectivos específicos da escola católica: o “dar vida a um ambiente comunitário escolar, penetrado do espírito evangélico de liberdade e de caridade, e ajudar os adolescentes para que, no desenvolvimento da própria personalidade, cresçam juntos segundo a nova criatura que neles realizou o baptismo e finalmente o conciliar o conjunto da cultura humana com a mensagem da salvação, a fim de que o conhecimento do mundo, da vida e do homem, que os alunos vão adquirindo, pouco a pouco, seja iluminado pela fé” (G. E. 8).
2. Educadores com “vocação”
Trata-se duma tarefa árdua e a sua realização é delicada e complexa a exigir muita calma, paz de espírito, contínuo enriquecimento cultural e espiritual, ou seja, os intérpretes duma Escola Católica só permitirão que ela atinja os seus objectivos se assumirem o seu encargo educativo como uma vocação.
Um bom profissional não é suficiente. Se não vive o trabalho com paixão vocacional, ele permanecerá incompleto.
Por outro lado, numa realidade multicultural – que se torna intercultural – o mundo tem necessidade de lugares simbólicos fortes onde se testemunha uma “adesão explicita e comunitária a Cristo”, - “para mim viver é Cristo” (1ª Leitura). Ele é modelo para mestres e alunos e estímulo de motivação e mobilização das pessoas envolventes. Será fora do contexto esta minha referência?
A Arquidiocese de Braga necessita de vocações sacerdotais, religiosas e missionárias. Só que há um outro aspecto que ninguém pode ignorar. A situação actual do ambiente escolar supõe educadores com projectualidade, ou seja, vocação. Foi sempre assim mas a conjuntura histórica exige esta mudança: Professores com vocação nas escolas católicas ou em qualquer estabelecimento escolar. Gostaria de contar com cristãos que se assumem como cristãos e que o testemunham sem complexos ou vergonha.
Por muito que se tenha falado e ensinado ainda continua a existir uma certa menoridade do laicado na Igreja e, consequentemente, no mundo. E a escola é um lugar onde se deveria aliar a competência profissional a este testemunho de vida e a uma capacidade de transmitir os valores em que se acredita. Aceitamos a diferença e saboreamos conviver com Ela. Mas não renunciamos à nossa identidade que não podemos colocar, somente, na frequência eucarística. O cristão é um apóstolo e tem de se afirmar como tal em qualquer lugar.
Recordo a doutrina do Concílio. “Os dons do Espírito Santo são diversos: enquanto chama uns a dar um testemunho manifesto do desejo da morada celeste e a mantê-la viva na família humana, chama outros ao serviço terreno dos homens, preparando, com este seu ministério, a matéria do reino dos céus. Mas de todos faz homens livres para que, renunciando ao amor próprio e reunindo todas as energias terrestres em favor da vida humana, eles se lancem para as realidades futuras, para que tempo em que a própria humanidade se tornará uma oferenda agradável a Deus” (G.S. 38).
O Evangelho de hoje condena a tentação de procura dos primeiros lugares, ou seja, o espírito de vanglória ou amor-próprio. Só resta a alegria de, no escondido dos últimos lugares, dar-se com alegria a fim de que o convite para ocupar os primeiros lugares acontece, em primeiro lugar, no íntimo da consciência. Aí é o lugar da verdadeira consolação.
Neste dia de Festa e de gratidão quero evocar quantos deram vida a este projecto, testemunhar o contínuo reconhecimento pela trabalho realizado, assegurar a mais plena confiança na actual Equipa Directora, de Formadores, Funcionários. Resta-me, só e apenas, deixar uma orientação: “contanto que Cristo seja anunciado, eu me alegro e me alegrarei sempre”.
Se isto não acontece, a missão dum Colégio Católico falha por muita vanguarda pedagógica ou instalações modulares que possua.
Que a Senhora do Sameiro nos ajude a ser o que devemos ser para dar um contributo à sociedade.
Eucaristia no Colégio D. Diogo, 30.10.2004
D. Jorge Ortiga, A. P.