Documentos

Acolher, como Cristo, as crianças das nossas comunidades

D. António Marcelino
...

Mensagem do Bispo de Aveiro para a Quaresma de 2004

Há sempre crianças carentes de amor e de atenção nas nossas comunidades paroquiais. Os seus pais estão demasiadamente ocupados com o trabalho profissional. Muitas delas não têm avós. Nem todas as que frequentam a escola beneficiam da ocupação dos tempos livres e ficam na rua ou em casa, sem mais ninguém, durante muitas horas à mercê da televisão ou da internet, sem que tenham sido educadas para o seu bom uso. Há que recordar a sua insegurança perante os ataques que algumas delas vêm sofrendo, por parte de gente sem escrúpulos e degradada nos seus comportamentos. Alguns pais caíram na obsessão do medo e tentam, por vezes exageradamente, meios de defesa para os seus filhos menores sempre que estão na rua, ou na escola. Frequentemente é na própria casa de família que as crianças são maltratadas. Há, ainda, crianças fragilizadas porque os pais se separaram e elas não encontram lugar para si num novo casamento que se iniciou. E todos sabemos como, por todo o lado, há crianças na rua, fora da escola e da família que, às vezes, já nem a têm, em perigo ou já expropriadas de muitas maneiras, num permanente estado de deseducação. Na fidelidade ao Evangelho e ao testemunho pessoal de Jesus Cristo, sempre a Igreja se preocupou com as crianças, colaborando com os pais, de modo directo e pessoal ou através de instituições educativas e de apoio e prevenção. Muitos milhares de crianças estão nos nossos centros sociais, frequentam as nossas catequeses e os nossos agrupamentos de escuteiros, são acolhidas e educadas em algumas das nossas instituições de emergência e prevenção. Os grupos sociocaritativos paroquiais, prestando apoio às famílias, o prestam ao mesmo tempo aos filhos. Porém, a condição das crianças, na nossa sociedade, tem sofrido tantas alterações que o conselho do Papa, que nos pede uma reflexão sobre essa condição, se apresenta como actual. É neste sentido que convido os cristãos a ler, cuidadosamente, a Mensagem de João Paulo II para esta Quaresma, e recomendo uma revisão séria ao cuidado e à atenção que prestam as paróquias e as instituições às crianças, tendo em mente a realidade deste tempo e do nosso meio, no que às crianças se refere. Uma especial referência, com apelo de atenção, quero fazer às crianças com deficiências profundas, sobretudo psíquicas. Há, por vezes, situações urgentes em algumas comunidades paroquiais, a que os serviços públicos ainda não dão resposta. Porque não encontrar, por exemplo, voluntários e espaços para acolher crianças que saem da escola e ficam na rua? As ATLs começaram em paróquias atentas que, perante as necessidades, viram o que podiam fazer pelas crianças e fizeram-no mesmo, disponibilizando espaços durante algumas horas e mobilizando voluntários para as acompanhar. Só mais tarde surgiram soluções institucionais subsidiadas pelo Estado. Em acção social sempre a Igreja foi inovadora e precursora e é bom que não deixe de o ser agora, se tal se justificar. Muitas crianças precisam de que nas nossas paróquias se sinta o amor que por elas teve o Padre Américo, o Frei Gil e tantos outros, que por elas continuam a traduzir o seu amor, em dedicação e cuidado sem reservas Há que reexaminar a situação das crianças, qualificar mais ainda o que já se faz, ser criativos perante necessidades não atendidas. Jesus, o Mestre, apresentou as crianças como referência de valores indispensáveis aos adultos e delegou nos seus seguidores o cuidado para que as crianças sejam sempre amadas, apoiadas e defendidas. António Marcelino, bispo de Aveiro


Quaresma