Homilia de D. Armindo Lopes Coelho na Missa de Natal
“Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz” (Is. 52,7).
Paz é um dos múltiplos termos, uma das versões actuais para substituir e evitar a palavra, a ideia, o acontecimento e o facto do Natal. Pensar-se-á que é mais universal, mais pacífico, mais consensual ou menos agressivo ideologicamente substituir o Natal pela paz. E em verdade, relativamente à paz, a nostalgia é colectiva, embora de consciência ou gravidade desigual, o sentimento de culpa é mais alheio ou superficial, mas o apreço é sincero (mesmo que não reflectido) e a necessidade é grande e partilhada com facilidade: todos desejamos a paz e por isso todos nos desejamos a paz, aliada até com boas festas. E até vamos aceitando, embora com alguma surpresa, os votos de reconciliação, tidos como úteis... para os outros.
Ora, no mesmo contexto bíblico, o profeta que bendiz a paz e os seus mensageiros anuncia, também profeticamente: “todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus” (Is. 52,10). Anunciar a paz é anunciar a salvação (de Deus). E a nostalgia da paz que se anuncia e falta é a nostalgia da salvação que se deseja e se ignora ou recusa.
Entretanto, “nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por seu Filho... que tudo sustenta com a sua palavra poderosa” (Hebr. 1,3). Menos auto-responsabilizados pela palavra de Deus proferida “muitas vezes e de muitos modos” (Hebr. 1,1), não podemos deixar de nos sentir devidamente avisados por Deus nos ter falado “nestes dias, que são os últimos”, ou nos últimos dias que são os nossos, porque Deus falou para nós nestes dias da nossa vida. Indiferentes porventura à Palavra de Deus, pelo Filho e no Filho, teremos que nos proteger com as desculpas de cepticismo, incredulidade, ou agnosticismo auto-suficiente quando se nos afirma que o Filho de Deus tudo sustenta com a sua palavra poderosa.
S. João, o discípulo, apóstolo e evangelista de maiores créditos para falar nesta matéria, diz que a Palavra ou Verbo estava com Deus, era Deus, é Deus, criador, vida e luz, a luz verdadeira, que veio ao mundo. “e o Verbo (ou Palavra) fez-se carne e habitou entre nós” (Jo. 1,14).
Quando falamos do Natal falamos do nascimento de Cristo em Belém: falamos daquela noite, dos anjos, dos pastores, dos cânticos, da estrela, do presépio, da gruta, dos animais, dos magos, de Heródes, de Jesus e Maria, e de Jesus (o Salvador), o Filho de Deus que se fez carne (Homem) para habitar entre nós, connosco, e dar a vida por nós, deixando que o sacrificassem pregado numa cruz. O presépio e a cruz constituem os dois momentos referentes, simbólica e realmente, ao início e ao termo da vida de Cristo visível entre nós – Na cruz está o drama do sacrifício, da entrega, da redenção e do amor. No presépio está, não a fantasia da imaginação, mas a poesia da inocência, da harmonia, da simplicidade, da ternura, do Menino Deus, do acolhimento por Maria e José, da festa colectiva, do mistério de Deus que vem para aqui ser “Emmanuel”, Deus connosco.
Celebrar o Natal é celebrar o nascimento de Jesus Cristo (o Salvador e Messias), Filho de Deus e filho da Humanidade por Maria, “cheio de graça e de verdade”, de cuja plenitude todos beneficiamos porque todos recebemos.
Todos exultamos, porque sabemos (os que temos fé) que “da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça” (Jo. 1, 16). O Evangelista que nos relatou o Natal e nos interpretou o seu sentido e alcance teológico também profetizou como acontecimento trágico: “O mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu. Veio para o que era seu e os seus não O receberam” (Jo. 1, 10-11). Era a imagem do mundo e da sociedade de então, prenúncio do mundo e da sociedade de hoje.
Mas nós acreditamos, recebemo-Lo e queremos estar com Ele, ainda mais e de modo mais comprometido, para Lhe pedir que seja para todos Salvador e Messias, Jesus Cristo, e que nasça também para aqueles que O ignoram, O desprezam e buscam sem Ele e contra Ele, outros salvadores, outros messias, outra salvação.
Que o Menino Deus, seja vida e luz, esperança e Salvação para todos vós e vossas famílias, para a nossa sociedade, para o nosso país.
Sé Catedral do Porto, 25 Dezembro 2005,
D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto