Vivemos tempos em que
- se exige uma militância activa contra o pessimismo, contra a atracção pela futilidade, contra a desvalorização do ideológico, contra a elevação do pragmatismo ao patamar dos valores a preservar.
Vivemos tempos em que
- se exige a afirmação de uma sociedade dinâmica, crente nas suas potencialidades, com vontade de elevar a sua auto estima, confiante na sua capacidade de ultrapassar as agruras sociais e económicas em que se move.
Vivemos tempos em que
- se exige a elevação do homem à dimensão que está para lá da do indivíduo, que rompe as fronteiras do egocentrismo narcísico de cada um - que leva à exclusão do outro - e que condiciona a sua afirmação como ser eminentemente social – traço estruturante e distintivo da sua condição humana.
Tempos estes - os nossos tempos - que nos enrodilham na teia dos interesses materiais que preenchem as motivações do nosso quotidiano, que nos consomem na esfera, pequena, do bem estar dos nossos, na ilusão de que o mundo se contem por aí.
Tempos estes – os nossos tempos – que colocam à curta distância de um clique na Internet a informação sobre mundo desesperado que nos comprime - e deveria merecer a nossa solidariedade - mas que pela fácil confusão do real com o virtual, nos faz ceder ao conforto intelectual de acreditar que, ao navegarmos de página para página, desaparecem, também aí, os problemas que momentaneamente atormentaram as nossas consciências.
Tempos estes – os nossos tempos – que tudo querendo para nós, esquecem, com arrogância, que foi o sacrifício, o espírito de luta, a dedicação e a perseverança de outros, antes de nós, que trouxe o nível de bem estar de que hoje usufruímos.
Somos, no entanto, os agentes destes tempos.
Em nós reside a dinâmica que mantém, altera, constrói ou destrói o que de bem ou mal a nossa sociedade irá legar aos que a seguir a nós virão.
Os tais nossos filhos a quem – num chavão politicamente correcto – dizemos querer entregar um mundo melhor, mais rico, mais solidário e com mais oportunidades de realização.
Mas…temos revelado mesmo essa capacidade de abnegação?
Em nós reside a responsabilidade pela sustentação dos alicerces de uma sociedade que preserve como o primeiro dos seus valores, como o pressuposto de todos os outros, o direito à vida. Direito indisponível que só razões de excepção poderão comprimir e ao qual devem ser conferidas todas as condições para a sua afirmação de modo digno.
Mas…temos mesmo exercitado essa responsabilidade de sustentação?
Será que para lá do défice das contas públicas um outro, mais profundo e corrosivo, não se tem consolidado, paulatina e firmemente, na nossa sociedade: o défice da nossa participação cívica, da nossa exigência comunitária, da nossa preocupação activa com o devir comum ?
Nestes tempos de fácil, rápida e visível possibilidade de intervenção – são tantos e tantos os meios à nossa disposição para que seja tida em conta a nossa vontade –não podemos sistematicamente imputar aos outros – em ladainha derrotista deprimente - a causa do mal de que todos, afinal, vamos sofrendo.
E é esta capacidade pró-activa que se espera no referendo que é a razão do nosso encontro de hoje. Para que a sociedade possa conviver pacificamente na indiscutível legitimidade da decisão tomada.
Mas…Caras amigas e amigos,
Recuso-me a aceitar que sejamos incapazes, no nosso auto-governo colectivo, de reduzir a uma taxa marginal a ausência de condições para que cada um nasça e viva com a dignidade que é devida a cada ser humano.
Recuso-me a aceitar que sejamos incapazes de educar, informar e prevenir de modo a que a liberdade e a responsabilidade na procriação andem, também aí, de mãos dadas.
Recuso-me a aceitar que recuemos civilizacionalmente, restabelecendo uma variante da pena de morte, de que nos orgulhamos de ter sido dos primeiros a abolir.
Se acreditamos na ressocialização do homem, ainda que delinquente grave,
se investimos fartos recursos humanos, financeiros e logísticos no sentido da sua recuperação – tantas e tantas vezes com o sabor amargo da frustração do resultado não obtido –mais facilmente se justificará que invistamos, com acrescido empenho, na criação de condições para que uma maternidade se desenvolva e ocorra num ambiente saudável - para a mãe e para a criança – e uma educação se prossiga, para esta, duma forma proporcionadora do seu desenvolvimento equilibrado.
Ceder na permissão da livre cessação da gravidez é aceitar que o Homem – nós todos - é incapaz de criar as condições para a sua própria sobrevivência como espécie.
É aceitar, afinal, que até a avaliação do que fere ou não a nossa dignidade humana fica apeada do quadro referencial dos nossos valores comuns, fica na livre disponibilidade de interesses particulares, desestruturando-se, assim, um elemento nuclear da nossa sociedade.
Acreditamos que esse não é o caminho que conduz à felicidade, individual e colectiva.
A nossa posição não é contra ninguém. Não discrimina ninguém. É a favor da mulher, do homem, da criança, enfim, da vida. É uma posição positiva, optimista e que acredita que depende também de nós, sobretudo de nós próprios, sermos amanhã melhores do que somos hoje. Como outros fizeram no passado.
A nossa posição é determinada e sólida na convicção, humilde na forma de se exprimir e tolerante na sua relação com outros.
Nestes tempos complexos, a nossa posição é, afinal, bem simples: a defesa inquebrantável do direito à vida.
E, como diz Agustina: “é nas coisas simples que reside o segredo do sentimento humano”.