A Eucaristia de hoje pretende, dum modo especial e não exclusivo, recordar os 500 anos do Hospital de S. Marcos.
Com efeito, D. Diogo de Sousa, ao chegar a Braga, depara com um Hospital sem rendimentos mínimos, a funcionar em condições precárias e impróprias. Reagiu, imediatamente, e em 1508, já tinha concluído um verdadeiro e autêntico Hospital, embora inicialmente funcionasse mais como Albergaria, situado junto à Ermida de S. Marcos. Dotou-o das condições materiais e procurou que tivesse rendimentos capazes de suportar uma assistência digna de harmonia com as exigências e necessidades da época.
Esta iniciativa de D. Diogo de Sousa não era inédita. A Igreja, anteriormente, considerava o cuidado dos doentes como parte integrante da sua vida. Estava a seguir as pegadas de Cristo que gastou a Sua vida fazendo o bem e colocou como distintivo dos cristãos e das comunidades a solicitude pelos irmãos com uma preferência especial pelos mais necessitados.
Daí que a celebração dos 500 anos do Hospital de S. Marcos é, simultaneamente, um reconhecimento do empenho da Igreja no proporcionar dignidade de vida em todas as dimensões, dando de comer a quem tem fome e acompanhando quem sofre e se encontra mais vulnerável. Reconhecer um trabalho do passado leva a um empenho muito concreto na solicitude a dedicar aos doentes na actualidade. O Evangelho de hoje assegura que Cristo não deixa órfãos os Seus filhos, o que reclama, por parte dos cristãos e da Igreja, uma presença de ternura e carinho no mundo da doença. Por outro lado, a primeira leitura alia a pregação de Filipe ao trabalho realizado, sublinhando que foram numerosos os paralíticos e os coxos a ficar curados, o que veio a suscitar muita alegria naquela cidade. Mais ainda, a segunda leitura recorda que o caminho da Igreja consiste em fazer o bem que pode levar a padecer ou sofrer. “Mais vale padecer por fazer o bem, se for essa a vontade de Deus, do que por fazer o mal”.
Na actualidade, a Igreja, por si ou pelas suas instituições, pode ter estruturas Hospitalares ou similares, como teve este hospital de S. Marcos até aos dias que sucederam ao 25 de Abril. Mas, para além dos seus espaços, ela deve ter uma presença nos hospitais nunca como privilégio mas direito dos doentes e empenho dos seus membros.
Penso, por isso, que o aniversário do Hospital de S. Marcos, como espaço multissecular e de iniciativa da Igreja, é expressão da prioridade e atenção que a mesma, desde sempre, reconheceu ao seu envolvimento nos cuidados de saúde. Fê-lo muito antes do estado assumir esta tarefa e, em moldes diferentes, nunca pode fugir a esta responsabilidade.
Foram séculos e séculos de tradição de serviço à comunidade humana, numa fidelidade à sua missão e em coerência com o estilo do Fundador, Jesus Cristo. Não era nem é opcional. Integra um projecto de salvação que sempre sublinhamos como aglutinador da dimensão material e espiritual. Daí que continuaremos a fazer ouvir a nossa voz, naquilo que à saúde diz respeito, denunciando toda e qualquer forma de reducionismo na atenção à pessoa, como doente colocando-a no centro de todos os cuidados a prestar. Cultivamos, por isso, um olhar integral e queremos prestar um serviço na dimensão espiritual que é específica da Igreja e que se reveste de tanta importância nos momentos de doença ou de qualquer tipo de sofrimento.
Unanimemente é reconhecido às pessoas a Assistência Espiritual e religiosa, nos Serviços Hospitalares, como um direito das pessoas que estão doentes. Sendo um direito, é esta a forma institucional de a Igreja estar presente nas instituições de saúde, sem pretender ser exclusiva mas reconhecendo que deve ser aberta a todos os credos quando a realidade assim o justificar e sabendo que no contexto da sociedade portuguesa, e consequentemente dos cidadãos, a Igreja Católica ocupa uma relevância particular e única.
Importa que nenhuma pessoa, doente e internada, veja as suas convicções desrespeitadas e as suas necessidades espirituais e religiosas não satisfeitas.
O Estado sabe que estamos disponíveis para oferecer o melhor dos nossos recursos. Sabemos que teremos de nos preparar ainda mais para este trabalho exigente. Acreditamos, e os últimos desenvolvimentos aumentam a nossa esperança, que a prestação de cuidados de saúde nunca será amputada desta dimensão espiritual mas que, com maior evidência, será completada por um Serviço de Assistência Espiritual e Religiosa Hospitalar, como algo indispensável à qualidade e humanização do Serviço Nacional de Saúde. Isto irá, com toda a certeza, acontecer pelo processo de regulamentação deste serviço, agora em curso, assegurando-nos um reconhecimento claro por parte do Estado. O caminho percorrido é longo e, parece-nos, que tudo nos conduz a uma regulamentação justa, realista e inclusiva, onde essencialmente se respeitam os direitos do doente.
Esta evocação dos 500 anos de S. Marcos vai, com toda a certeza, motivar-nos para um maior compromisso de todos na promoção dos cuidados de saúde que a modernidade exige. No passado, a Igreja assumiu as responsabilidades coordenadoras. Hoje não pretende ser intrusa mas, em nome dos doentes, não pode resignar-se à exclusão. Amamos as pessoas, sabemos a importância da dimensão espiritual para a qualidade de vida, sobretudo na doença, e queremos, em nome de Cristo, servir quem sofre.
Igreja do Hospital
† D. Jorge Ortiga, A.P.