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Bênção à cidade e diocese do Porto

D. Armindo Lopes Coelho
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Alocução do Bispo do Porto no final da Procissão do Corpo de Deus

Chegamos ao termo da procissão do Corpo de Deus, na continuidade de uma tradição da Igreja, também no nosso país, em vários locais da Diocese e nesta cidade do Porto especialmente. Desta devoção ao Santíssimo Sacramento e desta prática foram escritas páginas de interesse religioso, cultural e popular, que a História regista. Neste cenário de história religiosa, cívica e popular, conjuga-se o passado que esmoreceu ou esqueceu para renascer com novo vigor e disciplina diferente. A cidade guarda memória da Festa do Corpo de Deus e da respectiva procissão, e as ruas e ruelas, praças, vestígios e recantos do centro histórico são referências que ainda permitem reconstituir o itinerário da procissão que em tempos passados e alternadamente saía até ao termo de Santo Ildefonso ou da Ribeira e Miragaia. A Solenidade do Corpo de Deus e Sangue de Cristo, como hoje se diz, foi celebrada pela primeira vez na Bélgica em 1246, mas em 1264 começou a ser celebrada em toda a Igreja. Em Portugal há memória da Festa e procissão desde o tempo de D. João I, e no Porto a partir de 1417. É a memória do culto e devoção, de usos e costumes que se intrometeram, de desvarios, abusos e extravagâncias, denunciados por alguns mas mantidos, apreciados e até exigidos por muitos para quem, como é frequente, vale menos o rigor e a ortodoxia do que a alegria, o entusiasmo, a festa contagiosa, a tradição atraente. Mas esta memória que explica as transformações realizadas para a dignidade do culto e para a imagem recuperada da Igreja, é a história que o povo faz para viver no seu espírito e neste espírito sentir ânimo e impulso, isto é, ser agente e actor da história que os outros escrevem. É a história de um povo que tem fé em Deus. E tem na devoção ao Santíssimo Sacramento uma das referências e um dos sinais mais antigos da sua fé cristã, de tal modo que, sendo prática e devoção da Igreja universal, a devoção ao Santíssimo Sacramento pode dizer-se apropriada pelo sentimento cristão do povo português. Este povo devoto do Santíssimo Sacramento esteve hoje reunido em assembleia, na Igreja da Santíssima Trindade, para celebrar em Eucaristia a sua fé, e preparou-se em oração de louvor e adoração para a procissão que acaba de percorrer um itinerário convencionado. Assim ligámos a fé e devoção à realidade da vida e suas vicissitudes, peregrinámos, como caminheiros que somos, pelas ruas que simbolizam a nossa peregrinação no espaço em que vivemos e no tempo que Deus nos concede como o nosso tempo de salvação. Não viemos por rotina, porque de cada vez renovámos intenção, propósito e finalidade, consciência e sentido do comportamento. Não nos reunimos para nos isolarmos. Não saímos à rua por triunfalismo. A Eucaristia é sinal e sacramento de unidade, não apenas de um grupo ou uma elite, mas da cidade, da sociedade, da humanidade. E mesmo se alguma vez organizar procissões teve a intenção e a finalidade de lutar contra ideias e de testemunhar convicções de fé, cada vez menos a procissão tem a intenção de lutar ou a veleidade de triunfar. Basta, basta-nos, o dever e a possibilidade do testemunho público, em condições e situação de liberdade que tornam mais premente a missão apostólica e eclesial de proclamar publicamente a fé que se professa. Acreditamos que o Santíssimo Sacramento é sinal e fonte de unidade, acreditamos e queremos que seja impulso, motivação, estímulo, para a unidade, a reunião e a Comunhão. Porque todos, independentemente de ideias, ideologias, modelos, propósitos, temos algo que é comum como fundo e campo de unidade e de fraternidade. Acreditamos que o mundo tem salvação. O Senhor que veio ao mundo para o salvar e não para o condenar, é o Salvador que quis ficar connosco, que está connosco no Sacramento de si mesmo, o Santíssimo Sacramento. Acreditamos e proclamamos que importa fazer da Sua Palavra e da Sua Vida o nosso alimento, a nossa vida. Isto mesmo quisemos testemunhar na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo. Vamos dar a bênção com o Santíssimo Sacramento: à cidade, às autoridades e instituições, à Diocese, ao povo todo, aqui presente sobretudo no povo anónimo que connosco exprime o sentido da fé que nos move e que explica a nossa fidelidade. Que na bênção do Santíssimo Sacramento encontremos reconforto, ânimo, esperança, fraternidade e paz. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Porto, Terreiro da Sé, 10 de Junho de 2004 D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto


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