Ao ter recebido o convite para presidir à Bênção desta nova casa da “Ajuda de Berço”, senti desde logo um impulso para aceitá-lo, antes mesmo de consultar a minha agenda de trabalho, sempre volumosa, mas habitualmente mais sobrecarregada na época que ora atravessamos. E realmente, aqui estou e, com o sim da minha presença, penso poder traduzir o carinho e a solicitude com que o nosso Bispo, o Senhor Cardeal-Patriarca e, com dele, toda a Diocese de Lisboa, acompanha desde a primeira hora esta instituição, e outras congéneres que, não apenas por palavras mas por obras de grande generosidade, afirmam e testemunham o compromisso pela vida dos mais fracos e desprotegidos, e ajudam a construir uma sociedade assente no valor mais fundamental e sagrado que é a dignidade da pessoa humana.
Nasceu a “Ajuda de Berço” de um punhado de profissionais sensíveis aos problemas que atingem, nesta cidade de Lisboa, as crianças em risco e as mães hesitantes em levar a bom termo a gravidez, ou em situações difíceis mas que optaram por fazê-lo, e preocupados em protegê-las.
A sua concretização como Associação de Solidariedade Social, em 1998, aconteceu no contexto atribulado do referendo popular sobre o aborto e acabou por responder pronta e adequadamente ao repto então dirigido pela Conferência Episcopal Portuguesa: “A Igreja e a sociedade devem encontrar formas de apoiar [as muitas mulheres que sofrem perante maternidades não desejadas], pois estamos convictos de que ajudá-las a levar a termo a sua maternidade, é o caminho para afirmar e defender a sua dignidade de mulheres” (Nota Pastoral a propósito do Referendo sobre o Aborto, 23.04.1998, n. 3).
A semente em boa hora foi lançada à terra, com a ajuda significativa de parte da renúncia quaresmal da Diocese de Lisboa, naquele ano, caiu em bom terreno e nós podemos, hoje, apreciar abundantes frutos produzidos: multiplicaram-se as associações, subiram a pico as ofertas de trabalho em regime de voluntariado; mas, acima de tudo, cresceu-se em sensibilidade aos valores humanos, pela dedicação e persistência de muitos que, com o seu testemunho, despoletaram em tantos outros mudanças de atitude face à vida e à responsabilidade em a amá-la, estimá-la e protegê-la. E os resultados positivos já alcançados são a prova de que o amor é mais forte do que a morte, a doação derruba o egoísmo, a beleza da vida converte a dureza do coração, as dificuldades e os constrangimentos pessoais e ambientais são, afinal, barreiras que se podem transpor.
Ainda hoje tenho gravado na memória, da visita que fiz à “Ajuda de Berço” aquando da inauguração da capela do Bairro da Quinta do Cabrinha, o testemunho de uma responsável acerca de uma mãe africana que abandonara uma filha recém-nascida, que fora recolhida pela “Ajuda de Berço”. Uma vez localizada, essa mãe passou a visitar, com frequência crescente, a criança na instituição. Sensibilizada pela beleza daquela vida em crescimento, alimentada com os cuidados e os carinhos de quantos ali trabalhavam, aquela mulher deixou-se seduzir pela filha e o processo da sua devolução era, naquela altura, uma expectativa a concretizar a breve prazo.
O tempo em que vivemos continua carregado de responsabilidades e desafios: “À generosidade heróica de tantos ao serviço da vida e dos seus irmãos, contrapõe-se a violência de quem não hesita em matar ou prejudicar gravemente os seus irmãos, nas possibilidades de viver” (Conferência Episcopal Portuguesa, Nota Pastoral Meditação sobre a Vida, 05.03.2004, n. 1).
Preocupa-nos a ausência de critérios e exigências éticas que marcam certas correntes de opinião na actualidade, a que não são imunes instituições com particulares responsabilidades junto da juventudo, quando se propõe às adolescentes surpreendidas por uma gravidez não desejada escolher, em pé de igualdade, prosseguir a gravidez ficando com o bébé ou dando-o para adopção, ou interromper a gravidez. Ao invés, deveria incentivar-se a atitude corajosa, responsável e catalisadora do amadurecimento humano da adolescente, de acolher e salvaguardar a vida que desponta, como realidade e promessa a exigir dedicação e amor desde já e para sempre.
“Perante estas atitudes contraditórias frente ao mistério da vida, sentimos como o homem precisa de redenção” (Ibid.).
Há, pois, que continuar com persistência e entusiasmo a lutar pela construção de uma cultura da vida, vencendo dificuldades e obstáculos, com fé inabalável, esperança renovada e caridade atenta e operativa, conscientes de que “nascida da vida nova do ressuscitado, a Igreja define-se como ‘um povo pela vida’. . . .Promover a vida é, para a Igreja, uma missão” (Ibid. n. 3).
”Somos enviados como povo. O compromisso de servir a vida incumbe sobre todos e cada um. É uma responsabilidade tipicamente eclesial, que exige a acção concertada e generosa de todos os membros e estruturas da comunidade cristã” (Ibid. cit. João Paulo II, Carta Encíclica Evangelium Vitae , 25.03.1995, n. 79).
Que a Bênção de Deus que vamos pedir para esta nova casa e para todos os que nela vão trabalhar ou dela beneficiar, os torne sensíveis à dimensão do amor de Cristo, que veio para servir e dar a vida em favor da vida em abundância.
Lisboa, 8 de Julho de 2004
Tomaz Pedro Barbosa Silva Nunes
Bispo Auxiliar de Lisboa