Documentos

Bênção das Pastas

D. Armindo Lopes Coelho
...

Homilia do Bispo do Porto - 2 de Maio

Meus caros estudantes: É com alegria que estou convosco a presidir a esta celebração que integra a Bênção das pastas, início habitual da Festa da Queima das Fitas. No conjunto e contexto dos actos e cerimónias da Semana, desta vossa Semana, a Missa com a bênção das pastas tem o seu lugar e motivação, assentes numa tradição que tendes mantido e no suposto da fé cristã que professais. Temos consciência da pluralidade própria das sociedades livres, respeitamos a situação e as opções pessoais de cada um, e não ignoramos a diversidade da fé, de credo e de religião, que são notas distintivas da numerosa Academia do Porto. Mas é claro e indubitável que aqui e neste momento constituímos uma vasta assembleia de crentes cristãos. Somos, por suposto incontestável, a Igreja reunida para celebrar o “mistério da fé”, o acto de culto mais significativo e a expressão mais profunda da nossa fé cristã. O Livro do Apocalipse fala da multidão imensa “de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap. 7, 9) sob a orientação e guia de um Pastor. É um texto de profecia e de afirmação, e ao mesmo tempo um indicativo da tensão entre a promessa profética e a realidade concretizada: Da pequena semente constituída por uma raça resultou a árvore frondosa de uma Igreja presente e aberta a todas as línguas, culturas e nações. Como concretização na história, à semelhança do Filho de Deus que entrou nesta História da humanidade, a Igreja tem a mensagem e doutrina que Cristo lhe transmitiu e confiou, nas circunstâncias próprias do povo ou nação em cujo seio e ambiente nasceu e viveu, e utilizando a linguagem do mesmo povo e da respectiva cultura. Se na linguagem dos Profetas de Israel Deus se apresentou ao povo como Pastor, também o Filho de Deus, Jesus Cristo, se apresentou logicamente como Pastor (“Eu e o Pai somos um só” – Jo. 10, 30). E nesta base se processa a relação ou relacionamento de Cristo com a sua Igreja, isto é, com os discípulos que vivem em comum, em comunhão, em Igreja. Cristo chama-lhes ovelhas, as suas ovelhas, conhece-as e é conhecido, chama-as e é seguido, apascenta-as e dá a vida por elas – a vida eterna. É com esta mentalidade que os primeiros Apóstolos se apresentam nas sinagogas, para falar de Cristo e da Palavra de Deus. São repelidos na própria terra, mas não se calam; vêem mesmo nesta repulsa e na perseguição de que são vitimas o sinal do projecto de Deus que se realiza: Cristo foi anunciado como luz das nações, isto é, luz e verdade para aqueles que não pertenciam à sua raça e cultura. Nas profecias messiânicas, na linguagem e doutrina do Messias (Jesus Cristo), no anúncio, pregação e comportamento dos Apóstolos, e na consciência cristã desde as origens, a Igreja, não obstante as fraquezas próprias dos homens pecadores que a constituem, é universal, defende a igualdade e fraternidade de pessoas, é contrária a todas as formas de racismo e xenofobia, está do lado dos oprimidos e dos pobres, preza a liberdade para todos, que também reivindica para si. Recorda as circunstâncias históricas e civilizacionais das suas origens, não esconde nem esquece a tensão quase fundacional entre o povo de Israel escolhido para Povo de Deus e as outras nações, os gentios, as pessoas estranhas e opostas a Israel, que se abriram à luz do Evangelho e demonstraram para sempre a dimensão universal, católica, do Cristianismo e da Igreja. A História universal fez-se e reconhece-se à base de nacionalidades e nacionalismos, de grupos de países reunidos em nações de afinidade politica, ideológica ou religiosa, e resulta muitas vezes de guerras de conquista, de cedências e derrotas, de situações impostas e de expectativas contemporizadoras. O espectro mundial tem tanto de natural, histórico e tradicional, como de artificial, transitório, cultural ou acidental. Com blocos que se formam, se desfazem ou se recriam, reina de facto no mundo uma forte e quase permanente tensão. O terrorismo de risco mundial, a Europa que se repensa em esforço de união a níveis cada vez mais vastos e o nosso próprio país poderiam constituir temas actuais de reflexão para todos nós. O mundo ocidental vive hoje afectado e inquieto com medo de terrorismo. Experimentou-o e teme-o. Não há qualquer sistema político que nos isente do perigo e do medo. Os vários governos da Europa prometem colaborar entre si na luta comum. E só há duas atitudes possíveis: ou a preocupação de restabelecer a normalidade, defender os nossos valores fundamentais e não confessar esmorecimento ou derrota perante as acções terroristas, ou então, de modo defensivo, assegurar que estamos livres de futuros atentados e determinados a vencer física e psicologicamente. Em qualquer caso importa encontrar uma solução de equilíbrio, nas leis e nas atitudes, para salvaguardar a segurança de que necessitamos e a liberdade que não podemos perder. Neste contexto difícil para o nosso mundo joga-se também o futuro da Europa, quer pela circunstância do alargamento da comunidade (de 15 para 25 membros) quer pelas negociações sobre a Constituição europeia e o seu Preâmbulo. De facto está em causa um futuro que não pode nem quer esquecer o passado. E está em causa um conjunto de valores e princípios que estão na base da União desejada e que condicionam sem dúvida a unidade e até a sobrevivência futura. Entretanto, mesmo prescindindo das futuras relações entre a União europeia e as Igrejas, permanece em aberto o problema de uma eventual referência às raízes cristãs da Europa no Preâmbulo da Constituição. O problema derivou para questão quando apareceu uma primeira redacção que ignorava as raízes cristãs para referir outras raízes, menos consensuais, mais suspeitas e divisionistas. A Igreja, nomeadamente o Papa, tem pedido e insistido para que a Europa seja ela mesma no reencontro com as suas origens e raízes cristãs, históricas e objectivas. Apesar de nova redacção que alude às “heranças culturais, religiosas e humanistas da Europa, cujos valores estão presentes no seu património”, o assunto não está encerrado, e não pode ser ignorado ou minimizado por quantos sentem responsabilidades no presente e no futuro desta Europa em questão. Do mesmo modo estão em discussão outros problemas que nos dizem respeito: A liberdade de circulação e de residência em qualquer Estado membro, o que implica extensão às famílias e exige uma definição justa de “membro da família” de qualquer cidadão europeu, a política europeia da Família e uma nova política da educação. Nos 25 países que são membros da União a partir do dia 1 de Maio (ontem) é comum o fenómeno da exclusão social, 14% nos dez novos membros e 12% nos quinze de mais longa data. Por outro lado, pertencer a uma família e ter filhos são elementos estabilizadores e consolidam o desejo de ter um lugar na sociedade. Por isso a família deve ser considerada como a principal forma de integração social e servir de intermediário entre o indivíduo e a sociedade. A generalidade dos Estados anuncia frequentemente medidas para reforçar a família e as outras formas de estabilidade social. Mas entretanto sabe-se que para os dez novos Estados da União a família e os filhos constituem uma das primeiras prioridades, enquanto os jovens dos quinze atribuem menor importância ao factor da família e das crianças, o que é sinal da tendência para uma atitude mais individualista e mais hedonista. E não podemos ficar indiferentes às linhas de ideal e de rumo no convívio natural da União europeia. Podemos até esperar confrontos de sensibilidade entre a Constituição que se prepara e as diversas constituições de todos os países membros. Certo é que para nós, portugueses, Família e Natalidade são temas da maior importância. Finalmente, dizem-nos que a União europeia está fortemente empenhada numa política de educação e que o “espaço educativo europeu” será ocupado pela dupla vertente do ensino superior e da formação profissional, de tal modo que as respectivas politicas nacionais deveriam convergir para o sentido geral da comunidade, até como possível resposta ao problema do emprego e como fomento de “cidadania activa”, nos sectores da juventude, da cultura, dos meios de comunicação e da participação cívica. Assim se entenderá a identidade europeia e a participação comum e activa no desenvolvimento e progresso que comanda, às vezes subtilmente, toda a movimentação que se observa. Entretanto, como assembleia cristã que celebra a sua Fé, como Igreja cuja universalidade aqui destacámos, convém lembrar que a Igreja (com as confissões religiosas que se reclamam de Igreja) sempre investiu em determinados sectores, e hoje investe declaradamente na educação, na juventude, nos mass-media e na cultura. Porque rejeitamos a ideia e dimensão de igrejas nacionais, porque fundamos a credibilidade e autenticidade da Igreja na sua universalidade e portanto naquilo a que poderíamos chamar “cooperação transfronteiriça”, parece-nos chegado o momento de aferir e enfrentar os problemas e as questões de menor dimensão e maior relativismo, as leis, regulamentações, reacções, propostas ou soluções precárias e passageiras, à luz das questões maiores que preparam o futuro da Europa a partir de opções e decisões que marcam e agravam a responsabilidade do presente de todos nós. Porque somos europeus, e é nesta Europa que estão as nossas raízes e que está o nosso futuro. Como Nação com a sua história, como Igreja na sua missão. Meus caros finalistas: Esta é a vossa hora de compromisso e de promessa. Vivestes nas vossas respectivas Escolas o tempo de preparação, durante o qual contraístes deveres de gratidão para com os Mestres, colegas e todo o pessoal que, no serviço que realiza, desempenha funções de cireneu. Criastes amizades em horas de alegria e euforia, e também em momentos de tristeza, desânimo e aparente abandono ou frustração. Os vossos Pais, familiares e amigos, porventura hoje aqui convosco, são testemunhas especiais do tempo e sacrifícios passados, e testemunhas sobretudo da Festa que fazeis e da Esperança que manifestais. Registai os momentos da Festa como actos e gestos de gratidão, felicidade e compromisso. A sociedade mundial celebra hoje o Dia da Mãe. È um convite a cada filho ou filha para renovar os gestos de carinho mútuo com a Mãe. Para que a Mãe vos dê mais uma vez a sua bênção. A todos e todas vós Jesus Cristo entregou também a sua Mãe, que é Mãe da Igreja. Que a vossa Mãe da terra, se ainda vive, esteja convosco e com a Mãe do céu, para que a vossa alegria seja maior, e sejam mais abundantes as bênçãos que recordam o vosso passado de estudantes e iluminam o futuro da vossa vida em optimismo e esperança. Maia, Estádio Prof. Doutor José Vieira de Carvalho, 02 de Maio de 2004 D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto


Pastoral Universitária