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Bispo de Vila Real defende «perspectiva humanista» sobre a Procriação Medicamente Assistida

D. Joaquim Gonçalves
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Encontram-se no Parlamento alguns projectos legislativos sobre a procriação humana medicamente assistida. Entende-se por isto todo o trabalho científico e laboratorial tendente a auxiliar e até a substituir os mecanismos naturais da geração humana. É um assunto delicado sobre o qual os Bispos se pronunciaram recentemente. Como é sabido, há um número de casais naturalmente infecundos. Essa esterilidade varia de povo para povo, e até de época para época. Dizia-se que entre nós esse número rondaria os 10% dos casais, mas ultimamente essa percentagem tem vindo a crescer. É também do domínio público que, tradicionalmente, a esterilidade era atribuída à esposa e os textos bíblicos e da história dos reis de Portugal estão cheios de referências a casos desses. Hoje sabe-se que a esterilidade do casal é em muitos casos devida ao homem. Com os avanços da investigação científica, vem a aumentar o número de casais que recorrem à tecnologia para ultrapassar a dificuldade e os Estados sentem ser seu dever legislar sobre esta matéria. De facto, deixar esta área entregue aos laboratórios sem qualquer legislação pública é um risco grave, dado o jogo de interesses, económicos e outros, que se movimentam neste sector. Tomar posição é igualmente delicado pela diversidade de perspectivas que se abrem sobre a matéria. A Igreja tem sobre isto uma série de documentos. Não interessa fazer aqui o seu elenco nem referir as motivações próximas de cada um. Basta resumi-los. Sobre a sexualidade humana há duas grandes balizas: a primeira é que a sexualidade faz parte intrínseca da pessoa humana, toda a pessoa humana é sexuada, é homem ou mulher, e não somente tem um sexo, como se fosse um elemento integrante, à maneira dos dedos da mão ou do pé, podendo a pessoa humana entender-se sem eles; a segunda baliza sobre a pessoa humana é que a pessoa humana vale por si, tem direitos fundamentais, não podendo ser instrumentalizada como meio para outros objectivos, mesmo com alguma grandeza, e menos ainda para satisfazer o prazer de alguém. O casal é igualmente senhor de uma intimidade que ninguém pode invadir, nem o próprio Estado para conseguir fins científicos ou sociais. Daqui nasce a primeira afirmação da Nota dos Bispos de que «este método da procriação medicamente assistida deve atender ao direito de a criança que irá nascer ser tratada como fim em si mesma e não como resultado de um direito paterno ou materno sem limites». Isto é, nenhum homem ou mulher tem direito a ter um filho em qualquer circunstância, mas só naquelas circunstâncias que correspondam aos dinamismos naturais da criança de ter um homem-pai e uma mulher-mãe. Começam aí os direitos da criança. Fora deste berço natural, a criança é prejudicada nos seus direitos fundamentais, é instrumentalizada e vem à vida para satisfazer um capricho. «As técnicas de procriação medicamente assistida devem ser reservadas a casais heterossexuais», diz a Nota. Mas a doutrina da Igreja vai mais longe: rigorosamente nem mesmo o casal heterossexual tem direito a ter um filho, dando à palavra direito o sentido de usar todos os meios para fazer surgir o filho como se o corpo fosse uma máquina e a criança uma coisa que se adquire para uso próprio. O casal tem direito à intimidade natural cujos mecanismos deve respeitar e os filhos nascem como um dom, como algo igual aos pais. Por outro lado, a medicina pode vir em ajuda desses mecanismos do casal, mas nunca introduzir elementos que destruam a intimidade do casal, como seria o recurso às células geradoras de outro homem ou de outra mulher, pois, além de algo adulterino, separaria a paternidade biológica e social. Como se sentiria essa criança mais tarde? Mais: mesmo que os elementos geradores fossem do casal e somente o desenvolvimento do embrião se processasse no ventre de outra mulher saudável, isso não é aceitável porque «atinge a interacção profunda entre a criança e a mãe e gera graves conflitos entre os pais biológicos e a mãe portadora, como demonstram experiências recentes noutros países». «Não se admita o recurso a gâmetas fora do casal em virtude da grave dissociação entre paternidade genética e social». Finalmente, quando os gâmetas do casal e só a fecundação é feita no laboratório sendo o embrião daí resultante colocado no ventre da mulher casada, todos os embriões fecundados no laboratório devem ser colocados no seio da mulher, não podendo nenhum ficar de reserva no laboratório para uma nova gravidez do casal e muito menos para investigações científicas. Tudo isso por pôr em risco a vida do embrião, seria instrumentalização da vida, fazer do embrião um meio para outros fins, o que tem sentido de escravatura. A orientação desta Nota tem subjacente o sentido humanista da sexualidade humana e da vida do casal, e da dignidade do embrião humano desde o início. Quem não possuir esta perspectiva humanista terá alguma dificuldade em compreender a posição da Igreja e julgá-la-á exagerada, restritiva, mas há-de reconhecer que, fora daquela orientação, se envereda por caminhos de ameaça gravíssima ao ser humano. D. Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real, In “A Voz de Trás-os-Montes”


Eutanásia/Bioética