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Bispo do Funchal defende Celibato

D. Teodoro de Faria
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«Nem todos entendem esta linguagem... quem puder entender, entenda» (Mt. 19, 11-12) O celibato tem um significado cristológico – imitação de Cristo – e apostólico. Não é questão apenas de ter mais tempo para o apostolado, o que seria banal, trata-se, isso sim, de uma existência que centra tudo em Deus, e põe de lado um ou outro valor, o do matrimónio. O celibato pelo Reino dos Céus é um dom concedido por Deus à sua Igreja e não pertence exclusivamente ao sacerdócio. É fruto da ressurreição de Cristo. O celibato não é medo da vida, nem se conserva sem a colaboração da graça de Deus. 1. Poucos temas na Igreja provocam tanta raiva nalgumas pessoas como o problema do celibato, embora ele diga respeito a uma mínima parte da população cristã. Jesus afirmou no Evangelho que dão testemunho do Reino dos Céus os que renunciam ao matrimónio em toda a sua existência. E disse ainda que «nem todos entendem esta linguagem, a não ser aqueles a quem é concedido» (Mt. 19,11). Desde o início, a Igreja chegou a esta convicção que o padre deve dar este testemunho pelo Reino dos Céus. Não se trata de um dogma, é um modo de viver que se criou na Igreja, imitando Jesus Cristo e os apóstolos que Ele directamente escolheu para estarem com Ele e enviá-los depois em missão. No mundo actual é difícil compreender esta renúncia ao matrimónio. Põe-se em causa o seu sentido e a relação com o ministério sacerdotal. O ambiente sociológico actual não o favorece, embora ele seja um sinal manifesto da esperança cristã e afirmação dos valores transcendentes que não se verificam com medidas humanas. Ele radica-se na exigência que Jesus Cristo tem para com os seus discípulos deixarem tudo e segui-lO. São Paulo viveu este radicalismo evangélico. Nas cartas pastorais encontra-se um abrandamento desta exigência de Jesus Cristo ao chamar os doze. Nem todos podem entender esta linguagem sem a fé e a iluminação interior do Espírito de Deus. Não é fácil explicar o valor do celibato numa sociedade pansexual. O que não significa que não tenha um alto valor. Quem está dominado pela música pimba não aprecia a música sublime de Bach! É pena! Crise de fé, o maior problema 2 - No Antigo Testamento os homens da tribo de Levi não tinham um território como herança, viviam com as suas famílias das ofertas do culto, a sua herança era Deus. No Novo Testamento, interpretando as palavras de Jesus, o sacerdote tem como sua «propriedade» o próprio Deus. O celibato tem um significado cristológico – imitação de Cristo – e apostólico. Não é questão apenas de ter mais tempo para o apostolado, o que seria banal, trata-se, isso sim, de uma existência que centra tudo em Deus, e põe de lado um ou outro valor, o do matrimónio. O celibato pelo Reino dos Céus é um dom concedido por Deus à sua Igreja e não pertence exclusivamente ao sacerdócio. É fruto da ressurreição de Cristo. O celibato não é medo da vida, nem se conserva sem a colaboração da graça de Deus. Não é simples renúncia ao matrimónio, o que poderia significar egoísmo, mas uma oferta de carácter público a Deus que concedeu esse dom. O que aspira ao sacerdócio deve reconhecer na sua vida a força da fé e só nela pode viver o celibato. Só desta forma ele pode tornar-se uma testemunha que diz qualquer coisa aos cristãos e que lhes dá coragem para viverem dignamente o seu matrimónio. Se a fidelidade não for possível no padre, falta uma justificação para a fidelidade no matrimónio. Na legislação dos Estados o matrimónio é colocado cada vez mais ao nível dos outros estilos de vida, mesmo sem ligame jurídico; já não é posto como fundamento da nossa sociedade. As formas mais elevadas da existência humana estão sujeitas a vírus que as ameaçam Pode um homem tomar uma decisão definitiva naquilo que diz respeito ao aspecto central da sua vida? Se está firme na fé, é possível, e pode chegar à plena dimensão do amor e maturidade humana. A maioria dos bispos e do clero acredita que, o verdadeiro problema contra o celibato é a crise da fé, e que não teremos mais padres nem melhores padres, separando o celibato do ministério sacerdotal. Curar com o matrimónio uma crise de fé é solução aparente e enganadora. Não são os mal casados nem os que cumprem o celibato por obrigação ou como um peso que amadurecem a sua personalidade. Não é um absoluto, mas um carisma 3 – Os que combatem o celibato apontam como obstáculo a falta de liberdade de escolha dos que vão ser ordenados. Dizem que o celibato devia ser livre. O celibato não é imposto a ninguém. Antes da ordenação sa-cerdotal o candidato escolhe ser celibatário. Ele sabe que a Igreja latina une ordenação e celibato. Ninguém pode dizer que tem o carisma do sacerdócio antes da Igreja o chamar e a Igreja não ordena senão aqueles que têm o carisma da castidade. Não se trata de impor um carisma, mas de chamar apenas aqueles que «tem a intenção não somente de participar no ministério sacerdotal de Cristo, mas também de participar com ele o mesmo estado de vida» (PO). A tradição das Igrejas ortodoxas e protestantes é diferente. Esta última tem uma visão completamente diversa do ministério, é um serviço derivado da comunidade, não é um sacramento. Nas Igrejas ortodoxas a forma perfeita de sacerdócio é a dos padres-monges, os únicos que podem tornar-se bispos. Os que se casam são ministros do culto, é uma outra concepção do sacerdócio que respeitamos, como acontece também noutras igrejas. A Igreja latina quis evitar sempre tal divisão. Por vezes recebeu sacerdotes casados que se converteram de outras confissões religiosas. Trata-se porém de casos raros que não ofuscaram o valor do celibato nem perturbaram o povo cristão. Apesar disso nenhum costume na Igreja deve ser considerado como um absoluto, embora o celibato esteja firmemente fundado e radicado na tradição para os padres diocesanos, não havendo contestação para os monges e religiosos. Um Papa não pode romper com esta tradição sem consultar toda a Igreja, e, até este momento, não se acreditou que se ganhe muito separando o sacerdócio do celibato. As confissões religiosas que têm padres casados, encontram maiores dificuldades do que a Igreja católica no campo das vocações sacerdotais. Não parece ser este o motivo para a Igreja inverter a situação. A questão vocacional encontra dificuldades na diminuição de nascimentos e obstáculos dos pais que preferem outras profissões para os filhos, falta de fé e espírito de oração. O número de cristãos praticantes também diminuiu. Apesar de tudo o número de sacerdotes, considerando toda a Igreja católica, proporcionalmente não diminuiu. A lei suprema é que o evangelho seja anunciado por homens celibatários ou casados. Mas a Igreja deve assegurar que o anúncio missionário do evangelho seja feito da maneira mais qualificada e mais eficaz, considerando a Igreja Universal. O desorientamento e confusão causados pelos media, quando aludem ao celibato, não ajuda os jovens que se sentam vocacionados a prosseguir o seu caminho para o sacerdócio. Não se pode impor um carisma a quem não o recebeu de Deus, nem se o recebe de Deus e o conserva sem cooperar com liberdade e numa conquista incessante. «Quem puder entender, entenda» (Mt. 19, 12). Funchal, 8 de Maio de 2005 D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal


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