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Bispo do Funchal defende direito de agir e intervir na vida pública dos cristãos

D. Teodoro de Faria
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A religião faz parte do coração da existência humana, dá-lhe um sentido e pode contribuir para o bem social da humanidade, transformando as forças destrutivas em actos de serviço e de amor. 1. De alguns anos até agora realiza-se um debate muito vivo a respeito do estatuto público das religiões. Contribuiu para esta situação a presença dos muçulmanos na Europa, a construção de mesquitas e de centros de cultura, as difíceis relações entre o Estado francês e as alunas por causa do véu na cabeça, nas escolas. Os discípulos de Maomé estão a abalar a quietude das igrejas secularizadas e desmoralizadas, a reagir contra as ofensas ao nome de Deus e ao seu profeta. Quem faz paga, e não terá paz na sua vida nem sobre a terra. É fundamentalismo, mas há quem se reprima apenas pelo medo! De todas estas atitudes, resulta uma convicção fundamental, a religião faz parte do coração da existência humana, dá-lhe um sentido e pode contribuir para o bem social da humanidade, transformando as forças destrutivas em actos de serviço e de amor. Nos documentos pontifícios, aparece a convicção firme que não haverá paz entre os homens se não houver paz entre as religiões. Na cultura ocidental já está institucionalizado um diálogo entre as várias religiões, para combater as formas de fundamentalismo e agressividade que surgem entre elas. Surpreende que, após as grandes discussões de há poucas dezenas de anos sobre a «Morte de Deus» e o «Fim da religião», em nome da secularização invadente, retorne de novo na cena pública os temas da religião e do sagrado. Hoje apresentam-se à venda, numa espécie de feira do «sagrado», múltiplas formas de religião, numa diversidade que vai desde os fundamentalismos mais aberrantes, até uma fé que transforma a sociedade, a purifica e se consome em actos de bondade, misericórdia e serviço gratuito aos necessitados. Alguns media, geralmente apresentando uma clamorosa ignorância religiosa, ao referirem-se às religiões, misturam banalidades e retórica, mostram-se presos a categorias ultrapassadas e caem na tentação de relegar o sacro na esfera do particular, no interior das igrejas e sacristias. 2 - O Conselho Pontifício para a Justiça e Paz, publicou recentemente o «Compêndio da Doutrina Social da Igreja», volume com 319 páginas de texto e 180 de índices. O ensino da doutrina social da Igreja tem um carácter essencial e não opcional para a formação dos fiéis e, sem dispensar a consulta das encíclicas sociais e textos dos concílios, encontra neste «Compêndio» um ponto de referência precioso. Um dos temas essenciais do documento é a presença pública dos crentes na sociedade onde vivem. A secularização e, mais ainda o secularismo, que de há dois séculos para cá permeia a cultura ocidental, tenta confinar a religião no campo privado e no interior dos templos. O «Compêndio» recusa a tentação intimística do centro da vida cristã que é o mandamento do amor. A Igreja quer contribuir com a sua doutrina social para mudar consciências e modificar estruturas da sociedade. Estes problemas não podem deixar indiferentes os que têm fé em Deus e esperam uma palavra orientadora da Igreja, que, segundo o Evangelho, deve apresentar a «verdade do homem». É missão da Igreja apelar à consciência da humanidade, iluminar uma série de questões que condicionam o destino do homem e indicar o caminho da salvação em Jesus Cristo. Não encontramos neste documento uma resposta a todos os problemas da humanidade, mas uma «chave de leitura» de conjunto que é confiada aos que são responsáveis no campo social. 3 - As Igrejas particulares ou dioceses devem fazer as «oportunas aplicações» deste «Compêndio» à sua situação, tendo em conta os grandes princípios da Doutrina Social da Igreja. Os cristãos leigos, em virtude da sua «condição secular», são chamados a assumir as suas responsabilidades e a pôr em prática esta doutrina, através de uma leitura inteligente das diversas situações. Merece um particular interesse «as questões novas» («res novae») em economia, globalização, salvaguarda do ambiente e a guerra e a paz. Na conclusão, o «Compêndio» toma e sintetiza as ideias centrais da Doutrina Social da Igreja sobre «uma civilização do amor, donde irradiam as fontes do empenhamento pela justiça, a solidariedade e a paz». O comportamento da pessoa, lê-se no texto, «é plenamente humano quando nasce do amor, manifesta o amor e ordena-se para o amor». O empenhamento pelo próximo e a acção dirigida a construir uma sociedade mais justa, é um serviço da comunidade cristã à cidade dos homens e à nova evangelização. Funchal, 20 de Fevereiro de 2005 D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal


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