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Bispo do Funchal homenageia «Leão de Münster»

D. Teodoro de Faria
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Beatificação do Cardeal Clemente Von Galen

Visitei o seu túmulo, sempre rodeado de fiéis, flores e círios acesos. Nunca mais esqueci a frase em latim tirada do livro dos Actos, escrita sobre a pedra tumular: «Julgai vós mesmos se é justo diante de Deus que obedeçamos a vós e não a Ele» (Act. 4, 19). Esta resposta foi dada por São Pedro e São João aos membros do Sinédrio que lhes proibiam de anunciar a ressurreição de Jesus Cristo. No Domingo, 9 de Outubro, o Cardeal Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, D. José Saraiva Martins presidiu na Basílica de São Pedro, em Roma, à beatificação do Cardeal Clemente August von Galen (1878-1946), bispo de Münster na Alemanha, que condenou o programa do regime nazi, de eutanásia e perseguição contra os católicos, judeus e ciganos. «Com a beatificação deste generoso pastor, diz a nota da Secretaria das celebrações litúrgicas, a Igreja convida-nos a imitar o seu testemunho corajoso e fiel nas vicissitudes do nosso tempo» 2 – Clemente August von Galen nasceu em 1878 no castelo que durante séculos pertenceu à sua nobre família no Westphalia. Estudou em Innsbruck e Münster e foi ordenado em 1904 na catedral de Munster que mais tarde, como bispo, se tornaria a sua cátedra para condenar o Nacional Socialismo de Hitler. Para obter a aprovação da Concordata entre o Vaticano e a Alemanha, em 1933, Hitler prometeu desenvolver relações pacíficas com a Igreja. Pura mentira, não foi possível a mínima defesa contra a determinação nazista de afastar os católicos das escolas, imprensa, juventude e organizações profissionais. Quando Clemente von Galen foi nomeado bispo de Münster em 1933, o clero e o povo da diocese viram no seu bispo o homem corajoso para se opor ao assalto do Nacional Socialismo. Assim aconteceu. Na primeira carta pastoral da Quaresma, o bispo opôs-se à doutrina fundamental dos novos políticos do culto da raça. Como notava a destruição sistemática da fé, von Galen, servindo-se da sua autoridade, alertou o seu povo, falando claramente do que estava a acontecer. O bispo foi denunciado como um reaccionário e chefe político daquele ramo católico que não reconhecia a mudança dos novos tempos. O povo respondeu com uma imensa manifestação de rua. Entretanto Hitler era apresentado como o futuro salvador a quem se devia prestar culto substituindo a fé católica. O cardeal intensificou na diocese a devoção à Sagrada Eucaristia, ao Rosário, à Via Sacra e ao sacramento da penitência. O nazismo aumentou a sua campanha contra o clero, uns foram eliminados, outros desapareceram e alguns foram enviados para o campo de concentração de Dachau. Von Gallen protestou e alimentou uma vasta correspondência com os padres na prisão. Quando a Gestapo confiscou duas casas de Jesuítas em Münster o cardeal chama-os ladrões e escreveu um sermão célebre chamando a atenção de todo o mundo. «Nenhum de nós, escreveu o cardeal, tem a certeza de que um dia não possa ser arrancado da sua casa e levado para a cadeia ou campo de concentração». Depois foi o combate contra a eutanásia, quando o capelão do asilo de alienados em Marienthal escreveu ao seu bispo narrando os crimes de morte para com os pacientes chamados «improdutivos!» Seguiu-se a morte para os outros incuráveis através de gazes ou injecções mortais. Com a difusão dos sermões e dos escritos de von Gallen pelos Aliados em todo o mundo, a Gestapo procurou expulsar o bispo do seu país ou matá-lo. Hitler teve medo de metê-lo na prisão mas planeou a sua morte. Após a destruição da Catedral pelos Aliados, a 31 de Março de 1945, os americanos entraram em Münster toda arruinada. Antes do Natal, o Papa Pio XII criou novos cardeais e entre eles escolheu von Gallen, o primeiro bispo de Münster a receber tal dignidade. Milhares de cartas chegaram ao Paço Episcopal felicitando o bispo pela sua coragem, conhecido pelo «Leão de Münster». Quando em Roma von Galen recebeu o chapéu cardinalício, a multidão irrompeu num «aplauso triunfal» que demorou vários minutos, reconhecendo a coragem e força moral deste servo da Igreja. Retornando de Roma, depois de ter visitado um campo de prisioneiros de guerra na Itália, foi recebido em triunfo na sua diocese. A sua saúde estava muito abalada. Celebrou a missa para o seu povo e pediu lealdade para o Papa Pio XII. A 22 de Março morria serenamente no Senhor. Foi sepultado na sua Catedral arruinada pela guerra. Visitei o seu túmulo, sempre rodeado de fiéis, flores e círios acesos. Nunca mais esqueci a frase em latim tirada do livro dos Actos, escrita sobre a pedra tumular: «Julgai vós mesmos se é justo diante de Deus que obedeçamos a vós e não a Ele» (Act. 4, 19). Esta resposta foi dada por São Pedro e São João aos membros do Sinédrio que lhes proibiam de anunciar a ressurreição de Jesus Cristo. 3 – O milagre para a sua beatificação aconteceu muito longe da Alemanha, em Atumba (Timor). Um menino de doze anos, Hendrikus Nahak, estava a morrer com doença incurável em Janeiro de 1955. A religiosa Vianelde Maria Keuss (SSPS) que trabalhava como missionária na Indonésia, recebeu um texto com a oração ao servo de Deus von Galen, enviado por um seu sobrinho. Com o menino, a religiosa pediu ao servo de Deus a saúde da criança. Em pouco tempo ficou curado. O médico Dr. Joice Manet afirmou que a medicina não podia explicar a cura e a equipa de médicos da Congregação para a Causa dos Santos, corroborou em 2004 «a cura inexplicável». No mesmo ano João Paulo II confirmou o milagre. O beato Clemente von Galen foi um campeão contra a ideologia da raça pura, da eutanásia, da expurgação dos judeus, embora evitando provocar as iras de Hitler contra o povo hebreu. Preparou os seus diocesanos e cristãos da Alemanha para não se deixarem influenciar pelo Nacional Socialismo. Ele foi uma coluna indestrutível para os cristãos e não cristãos contra o espírito nazista, a ditadura, a negação da dignidade humana. Deus defendeu-o das garras do espírito do mal, fortaleceu a sua coragem e premiou o seu combate. Funchal, 9 de Outubro de 2005 † Teodoro de Faria, Bispo do Funchal


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