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Bispo do Funchal lembra necessidade do diálogo com as religiões não cristãs

D. Teodoro de Faria
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O Concílio recomenda que se promova um diálogo fraterno, estudos bíblicos e teológicos para melhores conhecimentos e repudia dois pontos, que, no passado foram raiz de perseguição aos judeus: a acusação de responsabilidade colectiva na morte de Jesus Cristo e o anti-semitismo. O Documento termina invocando o amor fraterno entre todos os homens, afastando qualquer discriminação ou perseguição por motivo de raça, cor, condição social ou religião. 1. A 15 de Julho do ano passado recebi em audiência o embaixador de Israel, Dr. Aarnon Raon. Foi um encontro admirável de tal forma que o diplomata escreveu em inglês e hebraico no Livro de Honra «foi uma muito frutuosa e agradável visita». Durante a conversa o diplomata abordou os 40 anos da Declaração «Nostra aetate» a celebrar em Outubro com estudos e encontros de responsáveis judeus e da Igreja Católica. A 28 de Outubro de 1965 era aprovado na aula do Sínodo do Concílio um pequeno documento que tinha o peso de vinte séculos. Era a Declaração dobre as Religiões não cristãs e a religião judia que se revelou de importância histórica excepcional para a história da Igreja e o diálogo com o mundo contemporâneo. Ao terminar o Concílio foi enorme a comoção e a alegria porque após 2.000 anos a Igreja afrontou com serenidade e lucidez a questão das relações religiosas com os fiéis de diversos credos e principalmente com o hebraismo. 2 - «Em nossa época (Nostra aetate…), em que o género humano se une dia a dia mais estreitamente… a Igreja examina com maior atenção a natureza das suas relações para com as religiões não cristãs» (NA nº 1). O número quatro do Documento, o mais esperado e frutuoso, foi dedicado à Religião Judia. O Concílio recorda os «vínculos pelos quais o povo do Novo Testamento está unido espiritualmente à raça de Abraão» (N.A. nº 4), pois esta Antiga Aliança «se alimenta da raiz da boa oliveira, na qual foram enxertados os ramos da oliveira silvestre que são os pagãos (cf. Rom. 11,17). O Concílio recomenda que se promova um diálogo fraterno, estudos bíblicos e teológicos para melhores conhecimentos e repudia dois pontos, que, no passado foram raiz de perseguição aos judeus: a acusação de responsabilidade colectiva na morte de Jesus Cristo e o anti-semitismo. O Documento termina invocando o amor fraterno entre todos os homens, afastando qualquer discriminação ou perseguição por motivo de raça, cor, condição social ou religião. A Declaração recebeu imensos louvores, foi «pedra miliar» lançada na história das relações entre a Igreja e o povo Judeu. O documento foi aprovado por 221 votos a favor e 88 contrários. Fora da Aula Conciliar surgiram acesas polémicas que tinham levado em 1962 à exclusão do documento. O bondoso Papa João XXIII num encontro com o sábio judeu Jules Isaac, ficou impressionado com os seus argumentos e escreveu ao Cardeal Bea, meu ilustre professor no Instituto Bíblico, para perseverar no estudo do texto, até que se chegou à elaboração do documento actual. 3 – As relações entre cristãos e judeus envolviam polémicas, incompreensões, perseguições. Desde os primeiros anos do cristianismo, os judeus eram vistos como rejeitados definitivamente por Deus e o seu lugar ocupado pela Igreja. As legislações canónicas antigas e até as dos Sínodos empunham limitações ao povo hebreu, tais como: proibição de aceder a cargos políticos, de exercer o comércio, de possuir livros próprios como o Talmud, de escolher residência, obrigados a viver em guetos. Sob o aspecto histórico a Declaração Nostra aetate representa de facto uma novidade, um «marco miliário». Contudo havia antecedentes na história da Igreja que preanunciavam uma mudança de atitude. O Concílio Vaticano I tinha formulado um projecto de declaração para expor a missão de Israel na história da salvação, mas que não teve feliz êxito; o Santo Ofício condenou o anti-semitismo na Europa em 1927; Pio XI tinha um projecto de encíclica contra o anti-semitismo que a morte não o deixou realizar. Depois dos campos de concentração, com o extermínio dos judeus, o terrível Shoah (holocausto), as Igrejas tomaram consciência que deviam encontrar um caminho de purificação. O filósofo católico Jacques Maritain e o professor Judeu Jules Isaac influenciaram a mudança das consciências. Após a Declaração de 1965 seguiram-se as históricas visitas de João Paulo II à sinagoga de Roma e abraço do Papa ao rabino Elio Toaff (1986), de Bento XVI à sinagoga de Colónia (2005) onde definiu os campos de concentração como «a última expressão de uma louca ideologia neo-pagã», e defendeu a importância da «memória» para que tais horrores não aconteçam. Na própria Alemanha elevaram-se vozes contra a barbárie do Shoah, como a do pastor luterano D. Bonhoeffer, os católicos da «Rosa Branca» entre os quais emerge o cardeal beatificado a 9 de Outubro, A. von Gallen, bispo de Münster. Se Portugal expulsou os judeus do Reino, empobrecendo o país no comércio e na cultura, o cônsul Aristides de Sousa em Bordéus, salvando milhares de fugitivos judeus, reparou em parte a intolerância, a violência e a perseguição que o povo judeu sofreu no nosso país. Os judeus, como todos os povos amam a liberdade, são solidários dentro dos seus grupos e tiveram de usar o seu orgulho de raça para defender-se da opressão, porque em tantas estradas da Europa viu correr o sangue dos seus filhos e durante 2000 anos foi perseguido e enclausurado em guetos. «As esperanças messiânicas dos hebreus não são irrelevantes, escreveu o então Cardeal Ratzinger, porque a sua esperança messiânica alcança de algum modo a salvação». «Quanto à eleição, escreveu São Paulo, são amados por causa dos Patriarcas, porque os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis» (Rom. 11, 28-29). Funchal, 29 de Janeiro de 200 † Teodoro de Faria, Bispo do Funchal


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