Homilia na Eucaristia e Te Deum de acção de graças
Tendo sido eleito Papa (Bispo de Roma) em 19 de Abril de 2005, Bento XVI iniciou solenemente o seu Pontificado em 24 de Abril.
É para celebrar em acção de graças o 1º aniversário deste acontecimento que aqui nos reunimos hoje.
Temos ainda viva a memória da vida e dos últimos dias do Papa João Paulo II, e entendemos como uma continuidade a eleição e sucessão de João Paulo II na pessoa do Cardeal Ratzinger – Bento XVI.
Com o seu estilo próprio e sobretudo na sua maneira de viver a relação pessoal com Cristo, Bento XVI reconhece o seu “carisma” de continuidade, até pela circunstância de presidir à XX Jornada Mundial da Juventude, em Colónia, de harmonia com a convocação do seu antecessor e obedecendo à problemática enunciada e proposta por João Paulo II: “Chego a Colónia com uma continuidade mais profunda com o meu grande e amado predecessor João Paulo II, que teve esta intuição, diria esta inspiração, das Jornadas Mundiais da Juventude” (Cerimónia de Boas Vindas, pág 34). E no acolhimento aos jovens, dizia: “Torna-se expontâneo recordar com emoção e reconhecimento o Servo de Deus tão amado por todos nós, João Paulo II, que teve a ideia luminosa de convocar os jovens do mundo inteiro para celebrar juntos Cristo, único Redentor do género humano” (Id.pag. 45).
Pedindo aos jovens que ajudem os homens a descobrir Cristo, o Papa deposita nas mãos deles as razões do próprio apostolado: “Quem faz entrar Cristo na própria vida nada perde, ... absolutamente nada do que torna a vida livre, bela e grande” (Id. Pág. 12).
Como Pedro no seu discurso kerigmático depois do Pentecostes e com o mesmo desassombro, interpelação e convite que caracterizou a Igreja nas origens, também Bento XVI lembra com lucidez no princípio do seu Pontificado: “A maneira de agir de Deus é diferente de como nós a imaginamos e de como gostaríamos de a impor também a Ele. Neste mundo, Deus não entra em concorrência com as formas terrenas do poder... Ele contrapõe ao poder rumoroso e prepotente deste mundo o poder inerme do amor” (Id. Pág. 65). E a Igreja tem de ser expressão, sincera mas determinada e clara, humilde mas consciente e pública, do Deus presente em Jesus Cristo: “É inútil e alienante construirmos para nós um Deus privado e um Jesus privado, que podem ser cómodos mas que, por fim nos deixam sós. Cristo e o Pai são-nos mostrados nas Sagradas Escrituras e revelam-se vivos na grande procissão dos fiéis, chamada Igreja” (Id. Pág. 13).
É por isso que na emblemática Carta Encíclica que assinala o tom do seu Pontificado – “Deus Caritas est” (25 de Dezembro de 2005), o Papa escreve:
a) “a natureza íntima da Igreja exprime-se no tríplice dever: anúncio da Palavra de Deus (Kerygma–martyria), celebração dos Sacramentos (liturgia), serviço da caridade (diakonia). São deveres que se reclamam mutuamente, não podendo um ser separado dos outros...
b) A Igreja é a família de Deus no mundo. Nesta família , não deve haver ninguém que sofra por falta do necessário” (nº 25)
É nesta base que Bento XVI fundamenta a doutrina, a história e a prática da Igreja sobre o Amor – Caridade, explanando os seguintes temas: Justiça e Caridade, a justa ordem da sociedade, a necessidade da caridade mesmo na sociedade mais justa, a missão dos leigos e a organização da caridade da Igreja.
Falando das grandes revoluções que a História regista e a nossa memória recorda, o Papa adverte que só a revolução do amor nos pode salvar, lamentando por isso que em nome de Deus se continue a pregar o ódio e a praticar a violência. Mas nas palavras que dirigiu aos jovens em Colónia, o Papa parte do mistério da Eucaristia que ali se celebra para reafirmar a necessidade da vitória do amor sobre o ódio, a vitória do amor sobre a morte, e conclui: “Só esta íntima explosão do bem que vence o mal pode suscitar depois a corrente de transformações que, pouco a pouco, mudarão o mundo” (Id. Pág. 73). E relacionava a Eucaristia com o Domingo nos seguintes termos: “É belo que hoje, em muitas culturas, o Domingo seja um dia livre, ou juntamente com o Sábado, constitua até o chamado “fim-de-semana” livre. Contudo, este tempo livre permanece vazio se nele não está Deus” (id, pág. 75).
Desde o início e ao longo de um ano de Pontificado, Bento XVI foi como que objecto de curiosidade e motivo para interrogações sobre o que seria o seu estilo, o que seriam as suas prioridades, e até as atitudes de uma coragem que se lhe exigia para responder aos “desafios” da Igreja e da sociedade. (Esta linguagem tornou-se corrente).
Olhando para o mundo e para a História do Cristianismo e da Igreja neste mesmo mundo, pode concluir-se que algumas temáticas foram expressa ou equivalentemente prioritárias: o ecumenismo, o diálogo inter-religioso, a preocupação perante o terrorismo, os problemas concretos sobre a vida humana, desde a concepção até à morte, a dignidade e os direitos humanos, os progressos da Ciência perante a doutrina e a tradição da Igreja, a firmeza doutrinal própria de Pedro (rocha e fundamento) no confronto com as Ciências e a abertura à Ciência e ao diálogo, ecuménico ou inter-religioso, próprio da caridade do Pastor universal. Podemos seguramente falar de uma “abertura universal” numa “identidade católica” com o “testemunho” límpido e integral da verdade de Cristo e a doçura do amor fraterno.
Alguém, que lhe é familiar, escreveu em síntese feliz: “O Senhor deu-nos, na pessoa do novo pontífice, um grande Mestre da fé e, ao mesmo tempo, um Pastor que conhece o caminho para introduzir-nos na intimidade de Deus: um catequeta de profundidade e clareza extraordinárias que, no entanto e ainda antes, é um evangelizador que sabe levar-nos suavemente a prestar atenção a Cristo” (Cardeal Recini, id. Pág. 22). E é por isso que Bento XVI nos fala como falou aos jovens: “Cristo de nada vos priva do que tendes em vós de belo e de grande mas tudo leva à perfeição para glória de Deus, a felicidade dos homens e a salvação do mundo” (Id. Pág. 48).
Que Deus o conserve e lhe dê saúde e muitos anos de vida para tornar possível a vitória do bem sobre o mal, a vitória da vida sobre a morte. Amém.
Catedral do Porto, 30 de Abril de 2006
D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto