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Braga em dinâmica vocacional

D. Jorge Ortiga
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Abertura do Ano Vocacional

Sem nos deixarmos invadir por um pessimismo desmotivador, queremos, como Igreja Diocesana, permitir que um Ano Vocacional comprometa todas as comunidades – paroquiais, religiosas, de movimentos - numa vivência geradora de vocações de especial consagração. Uma Diocese que não preste atenção a todas as vocações – sacerdotais, religiosas, diáconos, Institutos Seculares - está a negar o seu dinamismo e a impedir a Acção do Espírito. Interessa, como objectivo fundamental, a consciencialização da vocação universal à santidade e, sobre este terreno, lançar a inquietação serena da descoberta dum caminho pessoal de entrega incondicional ao Reino de Deus no mundo. Não caio na tentação – nem gostaria que ninguém caísse – de sublinhar um reducionismo vocacional, no sentido de olhar exclusivamente para os sacerdotes diocesanos. Penso, porém, que todos compreenderão que me confronte com a “demografia presbiteral” da Arquidiocese. Somos os que somos mas corremos para uma redução significativa e para um envelhecimento progressivo. Trata-se dum exemplo que poderíamos aplicar a todas as Congregações e Institutos, masculinos e femininos. Olhando para as revelações estatísticas é de prever que, retirando diversos sacerdotes do serviço directo às comunidades e faltando a substituição de continuadores, um número significativo de paróquias ficará sem pároco no sentido tradicional da palavra. Hoje muitos sacerdotes acumulam o governo de variadas comunidades e o fenómeno vai crescer, aumentando, consequentemente, o seu já pesado, encargo pastoral. Pareceu-me oportuno sintetizar o empenho diocesano – confiado a todas as comunidades e movimentos – na maravilhosa expressão de Cristo proferida num momento difícil que prenunciava, em conceitos e lógica humana, o fim trazido pela morte do Mestre, o terminar duma aventura de encontro feliz que os Apóstolos viveram: “Levantai-vos. Vamos”. Convido-vos a meditar o conteúdo destas palavras, colocando-as no seu contexto. “Levantai-vos”. A sonolência, característica duma resignação passiva, não a poderemos admitir. Muitas vezes me encontro a meditar nos cristãos tranquilos e instalados. Para eles está tudo bem e o mal está sempre nos outros. Basta conservar e continuar vivendo ao mesmo ritmo e com a apatia habitual. Gosto, por outro lado, de me sentir interpelado a partir e ir para o mundo novo que me espera não contando com os privilégios ou ambientes favoráveis. Basta-me o estatuto de saber que sou e seremos diferentes, numa anormalidade que só a alegria de ser fiel às exigências evangélicas consola e dá tranquilidade. Não é o mundo que me julga. Fixo-me nos critérios evangélicos e estes asseguram a verdadeira identidade. Daí que “levantar” significa entrar no entusiasmo cristão como alguém que encontrou Aquele que venceu o mundo (cf. Jo 13, 33) e, por isso, transmite a plenitude da alegria (cf. Jo. 15, 11). Não cruzamos os braços mas deixamo-nos possuir por um perseverante e sereno entusiasmo no sentido etimológico da palavra (“en-theos”, ou seja, cheio de Deus) de tal maneira que possamos dizer “tudo posso naquele que me dá a força” (cf. Fil. 4.13). O “levantar-se”, a nível pessoal de fé ou comunitário de acção, é para partir. “Vamos”. Partir de Cristo mas partir. As actividades não podem ter outra fonte ou raiz. Mas tem de se multiplicar. Reconhecendo a originalidade e o específico de cada movimento ou congregação religiosa, não gostaria de ouvir outras mensagens ou de presenciar outras iniciativas. Tudo parte ou se orienta para este chamamento coral que envolve a todos. O mal da Igreja continua a ser o aventureirismo e o desacreditar da força que só a comunhão encerra. O “vamos” tem de ter muita força e não desanimemos se disserem que estamos a ser repetitivos. As melodias quando encerram qualidade não cansam e interpretadas por pessoas diferentes encantam ainda mais. Há retiros, semanas, festas religiosas, procissões, encontros, caminhadas… tudo são notas desta melodia que cantamos num “vamos” de mãos dadas. Espero esta colaboração concorde. Este “vamos” sugere-me algumas pistas como referências de variadíssimas iniciativas: 1. Exercício e testemunho duma fraternidade humana-espiritual e pastoral – entre todos os consagrados. Quando a fraternidade se vivência dum modo sereno e capaz de não só ultrapassar discórdias mas numa atitude positiva de verdadeira entre-ajuda, a alegria resplandece e com ela o apelo para seguir. Por outro lado, e urge convencer-se desta realidade, o mundo moderno só se deixa arrastar por este sinal. Não é por acaso que o Santo Padre aponta, como caminho obrigatório, a espiritualidade de comunhão de maneira que a Igreja se apresente como “casa” e “escola” da mesma comunhão. 2. Realização duma séria e capilar animação vocacional a perpassar todas as iniciativas e numa articulação convicta com a pastoral juvenil e familiar. O Departamento para a Pastoral Vocacional será, só e apenas, um instrumento catalizador e galvanizador propondo iniciativas conjuntas e dando subsídios para alguns momentos. A circularidade de ideias e sugestões será um meio de enriquecimento mútuo que poderá facilitar os trabalhos pastorais de todos. Dispendem-se muitas energias que, partilhando os esforços, se multiplicariam em sinergias novas. 3. Com este apelo quereria assumir um compromisso de reforçar, a nível diocesano, uma “boa centralidade” que ninguém pode confundir com centralismo. Este convida à preguiça e espera pelos trabalhos, que outros preparam e concretizam; aquela dá vida a uma coordenação de actividades, permuta de energias e forças apostólicas, disponibilidade de agentes, integração efectiva de todas as estruturas diocesanas. Vivemos num terreno comum que se torna parcela do Reino onde a conjugação de esforços permite chegar a todos os ambientes e meios. Corre-se o risco de “girar” a volta das mesmas pessoas perdendo a universalidade dos espeços e das pessoas que os preenchem. Em terrenos que parecem infecundos resplandecem ou podem resplandecer as flores mais maravilhosas. 4. Aterrando no concreto teremos de reconhecer que se impõem duas maneiras de acção pastoral como sinal inequívoco de chamamento. 4.1. Sem uma cooperação pastoral – a nível inter-paroquial, zonal ou arciprestal – perdemos a incidência e conhecimento da realidade. Nem sempre é fácil chegar a um acordo e um assumir as mesmas prioridades. No agir, como no pensar, é fundamental saber perder diante duma vontade colegial ou duma necessidade reconhecida pelo maior número. A unidade vai de encontro à mobilidade hodierna e irá permear as conversas dos nossos cristãos que oriundos de comunidades diferentes trabalham e encontram-se nos mesmos ambientes. Ninguém nega a força da unidade. Só que, muitas vezes, optamos pela fragilidade que o individualismo manifesta. 4.2. O crescimento da corresponsabilidade laical na vida e missão da Igreja testemunha a acção do Espírito a fazer entender um novo Pentecostes no inicio do terceiro milénio, qual concretização e resultado do Concilio Vaticano II. Se os Movimentos proliferam e encontram vocações é necessário que deles apareçam vocações para a Igreja local nas variadas formas de consagração. O movimento, por isso, não pode olhar só para si mas, como dom do Espírito, terá de ser dom para a Igreja. Esta consequência acontecerá se a integração se tornar mais efectiva na construção da Igreja – comunhão como verdadeiros protagonistas da nova evangelização. Não é suficiente sublinhar que a hora dos leigos chegou. Terá de tornar-se visível o que, para muitos, exigirá muita conversão. Enquanto continuarmos a pensar em termos do “meu” movimento ou da “minha” paróquia o húmus vocacional não se verificará. Conclusão Nestas pistas – e percorrendo-as – a Igreja Diocesana deve deixar de lamentar-se e viver das denúncias, verdadeiras ou falsas. Todo o positivo que Deus semeou nesta vinha de Braga tem de ser cultivado e colocado a circular. Fazendo-o, multiplica-se e vem promover um clima – em pensamentos e palavras – de gratidão, de consolação, de encorajamento. Há coisas maravilhosas que devem ser colocadas ao serviço de todos (cf. Rom. 14, 17) tornando-se, assim, força para a edificação de todo o corpo na verdadeira caridade (Ef. 4, 16). São muitos os frutos do Espírito (cf. Gal. 5, 22) que ninguém os pode saborear egoisticamente mas permitir que entrem na permuta, tornando-se alimento para o crescimento da comunidade (cf. 1 Cor. 14.12). Se há realidades negativas, começa a visibilizar-se uma nova aurora que teremos de acolher e realçar. Maria, a Senhora do Sameiro, permita que sejamos capazes de vivenciar alegremente os dons de Deus. D. Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz de Braga Igreja do Seminário de Santiago, 07.10.04


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