No séc. III a. C. os celtas ou gálatas, vindos da Gália, actual França, estabeleceram pequenos grupos autónomos no centro da Anatólia que o rei Deiotaro no séc. I a. C. reuniu sob o seu domínio, constituindo a Galácia política. Estes são os autênticos gálatas das cidades de Pessinunte e Ancira, embora posteriormente as regiões do sul, a Frígia a Licaónia e a Pisídia, fossem também chamadas Galácia, tendo o imperador romano Augusto integrado as duas partes na província romana, no ano 25 a. C.
Paulo acompanhado por Silvano e Timóteo, ao entrar na Galácia do Norte foi atingido por uma grave doença e obrigado a permanecer nesta província. O apóstolo foi acolhido com grande afecto pela população. Tendo melhorado, durante a convalescença evangelizou este povo, talvez continuando a pregação de Silvano e Timóteo. A Palavra de Deus foi recebida com grande ardor pelos Gálatas. Paulo foi tratado como “um anjo de Deus” e até como o próprio Jesus Cristo.
2- Quando o apóstolo deixou a Galácia do Norte, onde conseguira tantas conversões e amigos, temia pelo futuro do Evangelho, pois estes camponeses rústicos, habituados aos rigores das montanhas e duro trabalho, tinham fama de serem volúveis e pouco fiéis aos compromissos, defeito que herdaram dos seus antepassados na Gália, como já referira Júlio César na “Guerra gálica”.
Os temores de Paulo tinham fundamento. Quando chegaram de Jerusalém e de Antioquia da Síria cristãos judaizantes, que pregavam a necessidade da circuncisão e observância da Lei de Moisés, mesmo após o baptismo, afirmaram que Paulo não era verdadeiro apóstolo, não fora escolhido por Jesus Cristo e perseguira os cristãos. Os Gálatas, devido à sua volubilidade, aceitaram as acusações sem grande dificuldade.
Quando Paulo, na terceira viagem passou apressado pela Galácia ficou preocupado, mas depois em Éfeso as notícias que lhe chegaram magoaram-no profundamente, temendo que os gálatas se tornassem uma seita judaica com umas pinceladas de cristianismo. Paulo não pôde voltar à Galácia para pôr ordem na confusão geral e escreveu então uma carta, que é um grito de dor e amizade por aquela gente que tanto o apreciara e o tinha ajudado na sua doença, de tal maneira que escreveu: “Posso testemunhar de vós que, se fosse possível teríeis arrancado os olhos para mos dar” (Gal. 4, 15).
3 – Paulo reuniu os seus colaboradores, Timóteo, Tito e outros e, de um jacto, como uma torrente que brota impetuosa da rocha, escreveu a carta. Não se contém nas palavras, está comovido e revoltado, ferido e apaixonado, as frases saem em tumulto, num grego arrebatado com frases truncadas, interiormente excitado.
Desenvolve dois grandes temas: é apóstolo legítimo escolhido por Jesus; os cristãos são justificados pela fé em Jesus Cristo e não pela Lei de Moisés. Reconhece que tem os mesmos direitos dos outros apóstolos, como Pedro, Tiago e João. Ao defender a sua pessoa e missão narra a sua vida, descrevendo o que sofreu e realizou por Jesus Cristo: “Longe de mim, exclama, gloriar-me senão na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Gal. 6, 14).
A carta começa por marcar a sua posição: “Paulo, apóstolo, não da parte dos homens, nem por sua própria iniciativa, mas unicamente por mandato de Jesus Cristo ressuscitado e por Deus Pai que O ressuscitou dos mortos” (Gal. 1, 1). Não podia ser mais claro. Os Gálatas, tão frágeis na doutrina, deixaram-se enganar.
O apóstolo continua: “Admiro-me de que assim tão depressa, passeis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho. Mas não há outro… Ainda que nós mesmos ou um anjo do Céu vos anuncie um evangelho diferente daquele que vos temos anunciado, seja anátema. Ora eu declaro-vos, irmãos, que o Evangelho que tem sido pregado por mim, não é segundo os homens, porque não o recebi nem aprendi de homem algum, mas por revelação de Jesus Cristo” (Gal. 1, 8-11).
Paulo descreve depois, num estilo directo e vivo os acontecimentos da sua vida: a visão de Cristo às portas de Damasco, a solidão no deserto da Arábia, os debates na Assembleia de Jerusalém, o reconhecimento da sua pregação pelos apóstolos na cidade santa, o conflito com Pedro em Antioquia.
Na segunda parte da carta desenvolve o tema central, a justificação pela fé, a redenção de Cristo em cada alma, a passagem do pecado à graça. Tudo isto é obra de Deus devido à morte de Cristo. Paulo alude ao crente Abraão a quem Deus prometeu dar a bênção que é salvação e vida para a sua descendência. O apóstolo apresenta o estatuto dos cristãos: “Todos os que fostes baptizados em Cristo, revestiste-vos de Cristo. Já não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não há homem nem mulher; todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gal. 3, 27).
Depois de uma argumentação dura contra os ataques dos judaizantes, Paulo volta às exortações morais, torna-se terno, humano, compassivo: “Filhinhos meus, por quem eu sinto de novo as dores do parto, até que Cristo se forme em vós, bem quisera eu estar agora convosco para mudar o tom de voz, porque estou perplexo a vosso respeito” (Gal. 4, 19).
O que conta é a vida nova em Cristo e entoa um louvor à cruz: “Estou pregado com Cristo na cruz; vivo, mas já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gal. 2, 20). Os Gálatas foram chamados à liberdade e “toda a lei se encerra num só preceito: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gal. 5, 14).
A carta de Paulo é de um altíssimo valor doutrinal e histórico pelas notícias autobiográficas. Ao terminar a carta, Paulo tira o escrito das mãos do secretário e, para afirmar a sua autoridade, acrescenta: “Vede com que grandes letras escrevo por meu próprio punho” (Gal. 6, 11).
†Teodoro, Bispo Emérito do Funchal