Sobre os estipêndios oferecidos pelos fiéis por ocasião da celebração da Santa Missa
1. A oferta, pelos fiéis, feita ao sacerdote que celebra a Eucaristia por uma intenção concreta por eles indicada, é uma longa tradição da Igreja, confirmada pelo Direito Canónico (cf. C. 945§1, do CDC), que prevê que se fixe na lei a quantia, ou estipêndio, a que o sacerdote tem direito (cf. C. 950). Entre nós compete às Províncias Eclesiásticas determinar essa quantia. Em princípio cada uma das Províncias Eclesiásticas poderá determinar um estipêndio diferente. Mas já há vários anos que os três Arcebispos, de Braga, Lisboa e Évora acordaram em fixar a mesma quantia para todo o País.
Escrevemo-vos esta carta, no momento em que a pedido das outras Províncias Eclesiásticas fomos instados a fixar um novo valor dessa quantia máxima a que o sacerdote tem direito, uma vez por dia, mesmo que celebre mais do que uma Missa (cf. C. 954). Não queremos quebrar o acordo atrás referido, mas fazemo-lo com preocupação pastoral motivada pela situação social que o País atravessa, com a maior parte das famílias a sentirem dificuldades económicas.
2. Nesta perspectiva, lembramos o sentido desta oferta e dos valores pastorais que devem orientar as nossas atitudes, quer do clero, quer dos fiéis:
2.1. Em primeiro lugar, a gratuidade dos sacramentos. “Recebestes de graça, dai de graça” (Mt. 10,8). Os sacramentos não se vendem, nem têm preço material. O Código de Direito Canónico é claro a este respeito: “evite-se até a mais pequena aparência de negócio ou comércio” (C. 947). Todos os fiéis, mesmo os que experimentam maiores dificuldades económicas, têm direito a que o sacerdote celebre pelas suas intenções, ainda que não possam oferecer o estipêndio (cf. C. 945§2).
Mas o espírito de gratuidade aplica-se também aos fiéis. O momento em que recebem um dom de Deus é, para eles, ocasião de contribuírem livremente para as despesas da Igreja, entre as quais se conta a sustentação do clero (cf. C. 946). O dar dinheiro é, na nossa civilização, a maneira mais fácil de partilhar com generosidade.
2.2. Esta gratuidade dos sacramentos exige dos sacerdotes o desprendimento e a ausência de qualquer espírito de avidez e de negócio. O que levou a Igreja, no passado, a fixar na lei a quantia máxima que o sacerdote pode exigir como estipêndio para a celebração da Missa, foi exactamente a luta contra a ganância e os abusos de alguns. A quantia assim fixada indica o máximo que se pode exigir e o ideal é que nunca fosse exigida. Ela é tornada pública como indicação para os fiéis. Esta atitude é expressão do espírito de pobreza que todos os sacerdotes são convidados a viver. Não esqueçam que o apego às coisas materiais prejudica gravemente a fecundidade da acção pastoral.
3. O sentido do estipêndio. Trata-se de uma oferta ao sacerdote celebrante, e nunca pode ser incluído nos bens do Fundo Paroquial. Nas Dioceses da nossa Província Eclesiástica, os sacerdotes recebem todos uma remuneração fixa mensal, em cujo cálculo não deve entrar o que, porventura, recebam pela celebração da Eucaristia. Foi por isso que nas negociações com o Estado para aplicação da nova Concordata, o estipêndio não é colectável com qualquer taxa fiscal. É dinheiro que permite ao sacerdote praticar pessoalmente a caridade e investir na sua própria formação cultural.
4. As Missas plurintencionais. Recentemente instaurou-se o hábito de, na mesma celebração, o sacerdote aceitar oferecer a Missa por várias intenções dos fiéis. Não há obstáculos teológicos a esta prática, dado o valor universal e infinito da Eucaristia como sacramento da morte e ressurreição de Cristo. Pode mesmo contribuir para o aprofundar da comunhão, valor fundamental de uma comunidade.
Mas a quantia do estipêndio, fixada por lei, não se pode aplicar a estes casos, mas só à celebração da Missa aplicada por uma única intenção. A prática da celebração da Eucaristia por várias intenções não deve anular o direito que os fiéis têm de pedir a Missa por uma só intenção. É por isso que nas normas, quer da Santa Sé quer da Conferência Episcopal Portuguesa, se restringe o número das celebrações plurintencionais.
No que à oferta dos fiéis diz respeito, nada se lhes pode exigir, dando cada um segundo as suas posses e generosidade. Nem sequer é legítimo indicar o estipêndio fixado para as intenções individuais como ponto de referência do que são convidados a dar.
Do dinheiro recolhido nessa circunstância, o sacerdote pode retirar o correspondente ao estipêndio fixado. O remanescente não pertence ao Fundo Paroquial. Este dinheiro constitui um fundo autónomo posto à disposição do Bispo Diocesano, que o deve utilizar para o bem da Igreja, para ajudar outras Dioceses mais necessitadas, para mandar celebrar Missas pelas intenções de quem ofereceu e para incentivar a acção pastoral.
Todos sabemos que, neste capítulo, há alguns pontos a corrigir. Façamo-lo todos generosamente, na certeza de que o nosso desprendimento merecerá de Deus a força da Sua graça para fazer crescer a Igreja. Uma Igreja que pratica o desprendimento, será enriquecida pela generosidade de quem partilha e será sinal da gratuidade dos dons de Deus. O Ano Paulino aconselha-nos a encontrar em Paulo, também neste aspecto, um modelo inspirador.
Lisboa, 13 de Outubro de 2008
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
Metropolita
† MANUEL, Bispo de Santarém
† GILBERTO, Bispo de Setúbal
† JANUÁRIO, Bispo das Forças Armadas e de Segurança
† ANTÓNIO, Bispo de Angra
† ANTÓNIO, Bispo do Funchal
† ANTÓNIO, Bispo de Leiria-Fátima
† ANTONINO, Bispo de Portalegre-Castelo Branco
† MANUEL, Bispo da Guarda