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CNJP continua reflexão por uma sociedade livre de armas

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«A proliferação de armas ligeiras, a marginalidade social e os desafios da inclusão social»

A terceira sessão da Audição Pública tem lugar já hoje, 7 de Fevereiro, às 15 horas, promovida pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) sob o título genérico “Por uma sociedade segura e livre de armas”. Esta sessão contará com a intervenção de Isabel Guerra (socióloga e perita em questões de pobreza, coesão e inserção social), os comentários de Joaquim Azevedo (especialista em Ciências da Educação), e do padre Valentim Gonçalves (pároco do Prior Velho com vasta experiência em questões de educação, integração, promoção cultural e diálogo inter-religioso), no debate sob o tema “A proliferação de armas ligeiras, a marginalidade social e os desafios da inclusão social”, que será moderado pela magistrada Maria José Morgado. Numa altura em que uma nova lei foi aprovada, num momento caracterizado por uma maior insegurança em Portugal, com um aumento muito significativo nos últimos 12 meses dos crimes violentos, em particular os cometidos por bandos organizados de origem nacional ou provenientes do exterior, a CNJP e o seu Observatório sobre a Proliferação de Armas Ligeiras promovem a Audição Pública “Por uma sociedade segura e livre de armas”. Desde Novembro de 2005 e até Maio de 2006, as sessões têm o objectivo de informar e mobilizar a opinião pública, a sociedade civil e os responsáveis políticos a participarem no esforço colectivo para pôr termo à crescente disseminação desregulada de armamento, com consequências graves para o desenvolvimento e para a paz. Balanço do percurso percorrido I - A reflexão da Comissão Nacional Justiça e Paz A Comissão Nacional Justiça e Paz tem vindo a tomar consciência da perigosa e excessiva proliferação de armas ligeiras em Portugal, através de sinais frequentemente veiculados pela comunicação social ou por relatos recolhidos pelos seus membros. Esta proliferação acompanha um adensar do clima de violência em Portugal – que sucessivos Relatórios Anuais sobre a Segurança Interna, de algum modo, têm quantificado, ainda que dando, apenas, uma imagem parcial da realidade. Não será estranho a tal clima a emergência, generalizada e omnipresente, de uma cultura de violência prosseguida na relação entre estados como na relação entre pessoas, a que podem estar associadas outras causas, mais ou menos longínquas. As situações mais agudas de violência são as que, a qualquer nível de relacionamento, pretendem resolver os conflitos através do uso das armas. A relativa abundância destas e a facilidade no seu acesso têm permitido que tais situações ocorram com cada vez maior frequência e gravidade. Não combatendo com energia esta tendência preocupante dificulta-se e encarece-se a sua solução por se permitir a instalação de formas de violência de mais difícil controlo. O facto de Portugal se manter, mesmo assim, aquém da média europeia em termos de criminalidade, não reduz a extrema preocupação com que se deve encarar a situação que se atravessa. Significa que uma situação potencialmente explosiva pode, se atempadamente encarada, ser debelada com maior eficácia e com custos mais limitados. Perante uma situação interna dificilmente quantificável e a ausência de informações quanto à forma como o problema da proliferação das armas ligeiras em Portugal estava a ser encarado, a CNJP decidiu organizar uma Audição pública para lhe permitir, como entidade destacada da sociedade civil, traçar adequadas metodologias de actuação. A Audição pública “ Por uma sociedade segura e livre de armas” será efectuada ao longo de cinco Sessões, das quais, as duas primeiras, foram realizadas a 8 de Novembro e a 13 de Dezembro de 2005, e a terceira terá lugar no próximo dia 7 de Fevereiro de 2006. II – A 1ª Sessão da Audição pública A 1ª Sessão permitiu ter uma ideia sobre a geopolítica contemporânea e sobre a relevância da produção e comércio das armas a nível mundial para a definição das suas principais características. Confirmou a noção de que vivemos tempos de crescente insegurança. Hoje a segurança é vista em termos diferentes dos tempos da guerra-fria. O mundo é mais imprevisível e cheio de novos tipos de ameaça. Esta reveste múltiplas formas de contornos mal definidos e não tem rosto. Não provém só dos Estados, passa-lhes por cima, como o terrorismo internacional ou a grande criminalidade organizada, ou surge do seu interior, como as guerras civis, os conflitos étnicos e sociais ou a criminalidade violenta. Para fazer face à nova insegurança, os Estados democráticos devem contar, cada vez mais, com a ordem jurídica interna e a acção preventiva e repressiva das suas forças de segurança. Neste contexto, o papel da sociedade civil sai reforçado pois ela deve estar informada, a cada momento, da situação concreta em que vive. Cabe-lhe, também, assumir um papel crítico e de apoio às diligências que o Estado deve prosseguir na ordem internacional para eliminar factores importantes de insegurança, como a proliferação das armas ligeiras e o seu comércio ilícito. Em todo o mundo, haverá uns 639 milhões de armas ligeiras que provocam, por ano, meio milhão de mortos, três quintos no âmbito de conflitos e o restante pela prática de crimes. Esta quantidade alucinante de armas em circulação resulta, em parte, da herança da guerra-fria. Também as antigas políticas de distribuição de armas pelos aliados dos grandes blocos em confronto na guerra-fria têm vindo a ser substituídas pela sua venda, desregulada, em termos puros de mercado: quem paga é quem tem acesso às armas excedentárias que as empresas produtoras procuram colocar ao melhor preço. É contra esta nova ordem que a comunidade internacional tem vindo a trabalhar nas Nações Unidas e na União Europeia. A sociedade civil dos diversos países deverá pressionar os respectivos governos a concretizar ambiciosos Tratados Internacionais sobre a produção e o comércio das armas ligeiras, evitando o abastecimento de mercados ilícitos de armas, com relevo para os associados à grande criminalidade. A marcação e o registo das armas desde a fase de fabrico permitindo o acompanhamento de todas as transacções em que se vejam envolvidas será um meio poderoso neste combate e é forçoso que os países produtores aceitem cooperar neste instrumento de controlo. III – A 2ª Sessão da Audição pública Ganhou-se, com esta Sessão, uma descrição muito completa do enquadramento jurídico do fenómeno da proliferação de armas ligeiras na sociedade portuguesa. Em termos de princípio, a Lei Portuguesa, tanto a Civil, como a Penal, configura um “Contrato Social” pelo qual os cidadãos renunciam ao uso da força e é o Estado que a usa, através das forças de Segurança, para assegurar a ordem e tranquilidade públicas. É o Estado que exerce este poder político através do Ministério Público, e é o Estado que, através dos Serviços de Informações, da Investigação Criminal e pela Repressão Penal, cria condições para dar segurança aos cidadãos sem armas. Neste “Contrato” existem excepções como o Direito de Resistência, a Legítima Defesa, e o Direito de Necessidade, que permitem aos cidadãos, em situações extremas, o uso da força. Este princípio não é seguido noutros países, embora com resultados diferentes. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, a 2ª Emenda à Constituição confere aos cidadãos o direito do uso de armas de modo a permitir a constituição de milícias bem ordenadas para proteger um “estado livre” não só das incursões de poderes estrangeiros mas de um governo central excessivamente poderoso e não dialogante. Como resultado, existe uma proliferação elevadíssima de armas ligeiras acompanhada por um grande número de crimes violentos. Na Suiça onde, em contrapartida, os cidadãos, em permanência, formam a base das forças armadas e detêm em casa as armas que lhe estão distribuidas, é muito baixa a taxa de criminalidade violenta. Na generalidade dos países da Europa há uma tradição do controle das armas na posse da população e Portugal insere-se nessa tendência, agora recuperada e actualizada, pela aprovação da nova Lei do uso das armas e suas munições. Esta nova Lei, aprovada pela Assembleia da República em Dezembro de 2005, além de reforçar a criminalização da posse e uso ilegais de armas, contempla, como ilícito, o tráfico de armas, punindo-o severamente. Por outro lado, deixa de associar a possibilidade do porte de arma apenas à obtenção de um título- a licença. A partir de agora, é todo um comportamento que deverá ser observado através de um processo contínuo que envolve formação prévia, exames médicos e provas práticas antes de emitida a licença e a sua renovação periódica. Serão observadas normas estritas de guarda de armas e munições nas casas dos particulares, foram revistos os calibres e dimensões das armas autorizadas e foi criado todo um condicionalismo de utilização tendente a evitar o emprego irreflectido das armas legais, a reduzir a sua acessibilidade por terceiros, e a controlar a utilização das munições. Passa também a ser mais severo o acompanhamento da actividade dos armeiros que são considerados como interlocutores privilegiados entre o Estado e o cidadão, e elementos importantes no controlo da legalidade e, por tal, deverão assumir obrigações próprias e formação adequada. Por último saliente-se a criação de um quadro legal que permite, através de uma actuação preventiva, neutralizar possíveis ameaças, permitindo a aplicação em larga escala de medidas cautelares e de polícia. Esta nova legislação é introduzida num momento caracterizado por uma maior insegurança em Portugal, com um aumento muito significativo nos últimos 12 meses dos crimes violentos, em particular os cometidos por bandos organizados de origem nacional ou provenientes do exterior. Este clima tem levado muita gente a procurar um sentimento de segurança através da posse de armas ligeiras mesmo que provenientes dos mercados paralelos, que proliferam, revelando um apagamento do papel do Estado como garante da ordem e tranquilidade públicas. Por outro lado, regista-se um maior número de actos de violência armada contra agentes da autoridade uniformizados. Quem recorre às armas ilegais agrava o clima de insegurança pois nada garante que as saiba manusear, as guarde cabalmente, e não as utilize para “resolver” situações menores de litígio corrente como as altercações, domésticas ou de trânsito automóvel. Não existem estatísticas fiáveis quanto às armas ilegais em Portugal. (Numa intervenção recente na Assembleia da República um deputado estimava o seu número em cerca de 770.000, igual ao das detidas legalmente). Há, no entanto, a percepção de que o aumento da criminalidade está associado à proliferação das armas ligeiras, reflectindo o aumento do mercado de armas ilícitas. Este é alimentado por fontes internas – adaptação de armas v.g. caçadeiras de canos serrados ou pistolas de alarme transformadas, que constituem 60 a 80 por cento do seu número -, ou por fontes externas. Está a registar-se uma tendência para o aparecimento de armas de maior calibre chegando, mesmo, ao calibre das armas de guerra, e de armas automáticas. Esta tendência liga-se ao aumento de violência armada sobre os agentes da autoridade. A nova legislação, por ser mais severa do que a anterior, irá criar maior pressão sobre o mercado de armas ilegais se não melhorar a percepção sobre a insegurança por parte da generalidade da população. Cabe aqui um papel muito relevante ás forças de segurança sobre as quais recai a maior parte da responsabilidade da aplicação da lei nas suas diversas componentes, com destaque para o acompanhamento dos comportamentos dos detentores de licença de uso e porte de armas. Também sobre elas pesa a delicada tarefa do combate às manifestações de violência. Da eficiência alcançada nesse combate depende o reforço da percepção de uma maior segurança e do retorno ao pleno exercício do papel do Estado na garantia da ordem e da tranquilidade públicas. IV – O que se espera da 3ª Sessão da Audição Pública No próximo dia 7 de Janeiro a 3ª Sessão da Audição pública organizada pela C.N.J.P. será dedicada à proliferação de armas em Portugal, à marginalidade social e aos desafios da inclusão social. A Profª Doutora Isabel Guerra, socióloga e especialista em questões de pobreza, coesão e inserção social, o Prof. Doutor Joaquim Azevedo, especialista em ciências da educação e de temas relacionados com os ensinos básico, secundário e profissional e o Padre Valentim Gonçalves, da Congregação dos Missionários do Verbo Divino, Pároco do Prior Velho, com vasta expriência em questões de educação, integração, promoção cultural e diálogo inter-religioso, moderados pela magistrada Maria José Morgado, irão aprofundar a análise da realidade portuguesa nesta matéria. Espera-se uma análise aprofundada do relacionamento entre a grande criminalidade e a violência a ela associada que é proporcionada pela proliferação de armas ligeiras. Serão abordadas ocorrências destes dois fenómenos em segmentos da população vivendo em condições pouco dignas, em certas áreas geográficas que, na maior parte dos casos, com eles têm de conviver, proporcionando-lhes, sob coacção, um espaço de manobra e de refúgio. As características destes segmentos da população serão identificadas e analisadas e serão dadas pistas no contexto de um esforço de inclusão social, conferindo aos seus actores condições mínimas para uma vida digna, limitando fortemente o campo de refúgio da grande criminalidade e da violência. Na definição destas acções de inclusão social a desenvolver, assumirá, por certo, papel relevante, a intervenção no domínio da educação e da assistência, e a experiência dos intervenientes irá proporcionar exemplos claros das características das situações vividas. A Audição pública prosseguirá em 2006 com mais duas Sessões programadas para Abril e Maio. Comissão Nacional Justiça e Paz


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