Comissão Justiça e Paz da Diocese de Portalegre - Castelo Branco
No fundo da consciência o homem descobre a existência de uma lei, que ele não impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer, e cuja voz, convidando-o a amar e a fazer o bem e a evitar o mal, no momento oportuno ressoa aos ouvidos do coração: faz isto, evita aquilo. (Gaudium et Spes, 16)
Fala-se muito de que nós, portugueses, temos a tendência para a desobediência, para o não cumprimento das normas. De tal modo isto é uma realidade que até o próprio Presidente da República, criticando esta nossa maneira de actuar, afirmou que no nosso País, as leis mais parecem ser meras sugestões, que poderão ser ou não cumpridas.
A frequência desses comportamentos desrespeitosos da lei e das normas é tal que já poucos ousam questioná-los, parecendo mesmo que eles fazem parte da nossa idiossincrasia. No entanto, esse desrespeito, multiplicado pelos muitos que nós somos, quotidianamente, talvez seja o responsável por estarmos, ainda, muito aquém das metas de desenvolvimento social e económico que desejaríamos alcançar. E não se pense que esses comportamentos de fuga às normas e leis passam apenas pelo não pagamento de impostos, pela grande corrupção ou tráfico de influências ou pelos casos de pedofilia.
Basta sairmos de casa e logo observamos que
- se continua, com a mais despudorada desfaçatez e impunidade, a ignorarem-se as regras mais elementares da segurança rodoviária;
- chegar atrasado, ao emprego, às aulas, a uma reunião ou encontro, a uma cerimónia ou espectáculo, já não constitui falta que poderia exigir justificação. Trata-se, simplesmente, de uma norma que o hábito institucionalizou e generalizou.
Ora, estes dois tipos de desvio às regras, meramente exemplificativos, são responsáveis por muitas vidas ceifadas, muitas perdas em dinheiro, muitos negócios por concluir.
A nossa cultura é a de “mais ou menos”. Ao aluno, quando se lhe pergunta sobre dado assunto responde que sabe “mais ou menos”. Ao professor, quando é interrogado sobre o aproveitamento, comportamento e desenvolvimento dos seus alunos, a sua resposta anda pelo “mais ou menos”. A economia vai “mais ou menos” (“já esteve pior, mas agora, embora não se veja, já está a melhorar”), assim como os nossos costumes (somos pessoas de brandos costumes, continuando, no entanto, a cometer crimes), tal como vão “mais ou menos” os sectores da justiça e da saúde.
Na sociedade portuguesa não se determinam objectivos específicos (ou determinam-se mal), nem se avalia a sua concretização, ao nível das diversas estruturas da administração do Estado ou da empresa – ficamo-nos pelas grandes generalidades, pelas intenções. As honrosas excepções confirmam a regra. Igualmente nos ficamos, ainda, pela maledicência, pela intriga e pelo desfazer daquilo que os outros já tinham feito bem. Não há mobilização das pessoas, sejam elas de natureza individual ou colectiva, para as metas bem determinadas, com prazos a cumprir. Somos muito exigentes para com os outros mas pouco exigentes para connosco próprios. Um líder deverá ser alguém que consegue influenciar. Mas que espécie de influência exercerá esse líder se ele não cumpre aquilo que vai exigir aos outros?
Ora, na base deste incomensurável não cumprimento das pequenas e grandes regras que nos regem, do fechar de olhos àquilo que me aborrece ou que me dá trabalho, do exigir aos outros aquilo que eu não cumpro e, às vezes, até, aquilo que eu próprio legislo, está uma questão de incoerência.
A coerência tem a ver com o que se pensa, com que se diz e com o que se faz. Todo o cidadão que diz professar determinados valores de justiça, de paz e de solidariedade, terá, pois, que se interrogar se, mesmo nos mais simples actos do seu quotidiano, tais como fazer uma ultrapassagem na estrada ou dar uma dada resposta a um seu colega, superior hierárquico ou subordinado, está a ser coerente com esses valores que diz professar ou praticar. O mesmo tipo de interrogações se devem colocar para as organizações, seja elas empresariais, culturais, desportivas, estatais ou ao próprio Governo: em que medida este ou aquele acto que vai ser levado à prática tem coerência com os princípios que diz defenderem-se?
A coerência gera a responsabilidade. A responsabilidade gera o desenvolvimento.