Homilia do Arcebispo de Braga na Peregrinação ao Sameiro
A nossa peregrinação Arquidiocesana está marcada, este ano, pelo encerramento do ciclo pastoral que dedicamos à família durante um período de três anos. É natural que muitos se interroguem: E agora? A resposta é imediata. Com Maria compreendemos que o projecto de Famílias caracterizadas pelo modelo evangélico continua a ser tarefa e encargo. Descobrimos algumas coordenadas. Importa concretizar e, com Maria a Mãe da Família de Nazaré, encontraremos o caminho adequado e a força para ultrapassar as possíveis dificuldades.
Ao aceitar a família como um projecto já estamos a sublinhar a necessidade de lhe dedicar tempo. Ninguém ignora que ela não está na soma dum conjunto de pessoas. Isto é uma parcela que necessita de dedicação e tempo que as preocupações laborais nem sempre permitem. Daí que, junto de Maria, queira recordar a necessidade dum descanso dominical para permitir este encontro de todos. Sabemos que a interrupção do trabalho não deve ser uma simples pausa semanal mas que deveria significar um espaço de fruição conjunta e disponibilidade de todos para usufruir de momentos comuns de lazer e permitir a participação em actividades culturais, desportivas e religiosas. Particular importância pode merecer a dedicação e entrega a causas sociais que permitem que o amor familiar se intensifique e fortifique na atenção aos mais necessitados.
Sabemos que reservar este espaço para a família esta a ser ameaçado pelas chamadas “culturas do consumo”, exigindo trabalhar ao domingo como fenómeno crescente e em contra-corrente com o que acontece nos restantes países da União Europeia. Alguns trabalhos são necessários; outros seriam absolutamente dispensáveis e, sem eles, a qualidade de vida das pessoas e das famílias seria totalmente diferente.
Reservar tempo para edificar a família pode soar a utópico mas é condição indispensável para a estabilidade e felicidade familiar.
A família necessita de tempo para si, de modo que o encontro seja realidade, o afecto encontre espaço, o diálogo cresça como caminho para ultrapassar as hipotéticas crises, o perdão coroe um relacionamento humano que necessariamente conta com as imperfeições e limitações. O ritmo frenético da vida hodierna parece tornar impossível esta exigência. Só que urge interrogar-se e perguntar, à semelhança da primeira leitura, o que verdadeiramente se pretende: se é maldição ou a benção, ou seja, a tristeza ou a alegria de viver.
Recentralizando o verdadeiro objectivo da vida humana consegue-se renunciar a produtos e experiências supérfluas onde a felicidade fácil é prometida a pouco custo e imediatamente. Só que com a ânsia do ter e a neurose de vida igual aos outros tudo se vaporiza e deixa o amargo da frustração. Importa, por isso, dedicar tempo a construir a felicidade através dum amor com expressões atentas e inovadoras, duma ousadia de estar juntos sem muitas palavras, num diálogo amoroso com Deus, encontrado no silêncio da oração pessoal ou familiar, dum alegre sentir-se comunidade dando-lhe o dom da presença e participação responsável na vida.
Tempo para construir a família é sinónimo de querer construir sobre a rocha para ter capacidade de ultrapassar as intempéries, o que acontece no reservar momentos para conhecer a Palavra e discernir caminhos de a colocar em prática. Com a Palavra está conexa uma necessidade interior duma formação permanente e abrangente. Permanente porque ocupa toda a vida; abrangente porque nada lhe é estranho desde a sexualidade a viver e a ensinar, à economia familiar a estruturar, à doutrina eclesial duma riqueza impressionante quando se deseja penetrar nos seus conteúdos.
A ignorância da doutrina, adquirida com estudo e reflexão, é causa de muito fracasso na vida matrimonial.
A família necessita de tempo para se edificar através dum trabalho solidário de atenção aos problemas sociais e de acção comprometida no encontrar soluções adequadas para a felicidade de todos. O amor aos outros e particularmente àqueles pobres que não conseguem retribuir, alimenta e dá consistência ao amor entre os esposos e deste com os filhos. A insensibilidade e indiferença perante escândalos gritantes duma sociedade dita evoluída transparece para o âmbito familiar e torna-o amorfo e sem vitalidade afectiva. Cresce-se no amor quando se dá amor.
A família necessita de tempo para participar, individualmente ou em grupos, na responsabilidade de construir uma Igreja renovada e uma sociedade mais humana. Impressiona a diminuta participação nas causas do bem comum e na edificação dum país como contributo de todos e nunca lamentação vaga daquilo que uns poucos decidem desde que tenham a maioria. Para construir uma sociedade mais justa não basta participar nas eleições. Urge uma atenção permanente e vontade de manifestar que futuro queremos para o país.
Neste campo da família a legislação acontece, com intuitos claros nos legisladores e seguindo – quase sempre – imposições de grupos minoritários, como uma voragem que parece colher as pessoas distraídas e incapazes de expressar a suas convicções. Para muitos basta referir que não podemos ser retrógrados e que o mundo moderno mudou e impôs a secularização como nova aurora da felicidade. Tudo se aceita passivamente e não conseguimos reflectir com serenidade e afirmar os valores em que acreditamos.
Que família queremos? Em que modelo acreditamos? Não nos apercebemos do rumo que os acontecimentos estão a tomar? A família necessita de tempo para pensar e não se deixar levar. O futuro pertence a todos e só uma maior participação impedirá sempre no respeito por quem pensa diferente, uma imposição de valores e critérios que nunca deveríamos aceitar.
Continuando a minha reflexão quero olhar para a paróquia para afirmar que ela necessita de dedicar tempo e energias à família. Vivemos num tempo de mudança épocal. Pode parecer que a família perdeu a capacidade de incidir nos seus membros. Penso, porém, que urge dar centralidade à família para a partir dela encarar toda a pastoral. Se outrora era possível separar as dimensões e diversificar os destinatários, ou seja, as crianças na catequese, as pessoas isoladas na vida de oração e sacramentos, casos concretos de pobreza ou de carências. Hoje a família é destinatário fundamental. Daqui nasce a catequese, a liturgia, a acção social e a vida comunitária.
Trata-se dum fazer pastoral diferente a exigir capacidade de inovação e vontade de investir as energias neste alvo preferencial. Daí a necessidade da paróquia dedicar tempo à família e, para isso, necessitamos de revigorar os movimentos familiares, os existentes e outros que poderão existir num funcionamento de grupos de casais que se encontram para partilhar, escutar a Palavra e discernir caminhos de compromissos evangélicos.
Esta referência é, só e apenas, um alertar para uma mudança. Teremos de regressar aqui e trabalhar esta ideia, acreditando que o futuro da Igreja pode passar por aqui.
Só famílias evangélicas permitirão comunidades verdadeiramente cristãs.
Concluindo o ciclo pastoral sobre a família para continuar a edificar a mesma família segundo o modelo de Nazaré e na escola de Maria, gostaria de terminar com uma pequena oração:
Maria, Mãe da Família de Nazaré, caminha connosco no trabalho de construir famílias Novas. Concede-nos o dom de encontrar tempo para estar com Deus, com os membros da família e com a nossa comunidade. Dá-nos um alento missionário que se manifeste em opções coerentes com a fé capazes de levar o modelo cristão de família a todos os lares. Ajuda-nos a ter coragem para intervir, com ousadia e serenidade, perante a onda que pretende fragilizar a estabilidade familiar e a unidade indissolúvel do amor.
Permite-nos a alegria de encontrar casais apóstolos da pastoral familiar nas equipas paroquiais, arciprestais e diocesanas. Que os movimentos de casais cresçam em número e qualidade e se integrem, sempre mais, numa pastoral diocesana. Maria que a unidade, dentro das famílias e entre as famílias, seja o testemunho que prometemos dar ao mundo moderno.
Mãe, faz com que as famílias se apaixonem por Deus e se encontrem com Cristo. Com esta certeza sabemos que continuaremos a caminhada rumo a uma felicidade estável e duradoura.
† D. Jorge Ortiga, A.P.