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Congresso Internacional «O órgão e a liturgia, hoje»

Agência Ecclesia
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«Será que continua a ser função das igrejas, mesmo das maiores, manter viva a antiga música de órgão?»

RAÍZES PRIMEIRAS DE UM CONGRESSO Desejo apresentar as boas-vindas do Santuário de Fátima a todos os profissionais e amantes do órgão, que aceitaram o convite para se reunirem à volta deste admirável instrumento, na festa da querida padroeira S. Cecília, e quando se celebram os cem anos do primeiro grande documento da Autoridade suprema da Igreja acerca da música sacra. Desejo agradecer de todo o coração à Comissão Científica e a todos os que com ela colaboraram para que fosse possível este evento, tão próprio de um santuário que nasceu de manifestações sobrenaturais a três crianças pobres, mas todas elas tão dotadas de fino temperamento musical. Que a sua bênção acompanhe a nossa magna reunião. Razões muito altas nos congregam, reconheço-o com júbilo, mas que tiveram por base humildes realidades que peço o favor de recordar publicamente, em homenagem à verdade, que sempre nos liberta. Este congresso sobre o Órgão e a Liturgia nasceu da confluência de duas interrogações práticas, que traziam à mistura uma preocupação económica, certamente legítima em quem tem que administrar bens que derivam de votos sagrados. Os especialistas perdoar-me-ão a impropriedade do vocabulário e de conceitos, ao exprimir as interrogações que conduziram a este congresso. Estando o órgão da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, construído logo a seguir à segunda Guerra Mundial, muito deteriorado, sobretudo no sistema eléctrico-pneumático que ameaçava torná-lo obsoleto, sujeito a falhas muito frequentes, e quase impossíveis de localizar, valeria – valerá - a pena empreender uma reparação de fundo, que permitisse o aproveitamento da sua fachada monumental, e sobretudo da canaria, a cujos piedosos timbres imensas multidões de peregrinos se foram deixando afeiçoar? A segunda pergunta dizia – diz - respeito ao órgão para a futura igreja da Santíssima Trindade. Com uma capacidade para 9000 pessoas sentadas, em anfiteatro de 125 metros de diâmetro, nenhum órgão poderá chegar suficientemente a toda a assembleia, e por isso será forçoso recorrer a ampliação electro-acústica, pelo menos para a área mais distante do edifício. Neste caso, que tipo de órgão adquirir, tendo em conta a qualidade e o custo. Órgão de tubos, que terão se de ser electricamente ampliados,deformados, ou órgão electrónico? Sabemos e compreendemos que o termo «electrónico» provoca alergias sérias em muitos organistas e amadores do órgão clássico. Mas sendo as coisas o que são, e não tendo ainda hoje a grande maioria das igrejas, mesmo no espaço do rito latino, possibilidades financeiras para adquirirem órgãos de tubos, além de organistas preparados, e não parecendo que o órgão da futura igreja possa vir a ser adoptado para concertos, não será avisado colocar esta questão? Aliás as referidas realidades não deverão conduzir-nos a uma abertura maior relativamente às possibilidades da técnica, em solidariedade para com as igrejas mais pobres? Em qualquer dos casos, e fosse qual fosse a solução para estes casos concretos, dois outros problemas bem mais básicos nos pareciam dignos de ser estudados. O primeiro diz respeito à missão do órgão na Igreja, depois do Vaticano II. Dado o facto de as grandes peças de órgão terem sido produzidas em séculos passados, quando a sociedade civil estava ainda quase totalmente dependente da Igreja em arte musical, será errado supor que os órgãos que então se construíam seriam concebidos mais para o concerto do que propriamente para a Liturgia? Mas hoje a participação do povo tem a primazia, que não exclusividade, sobre as expressões artísticas mais eruditas, grupais ou singulares. Privilegiando a função concertos, não estaríamos a condescender com formas eruditas dos séculos passados, que terão dado azo a um certo desprezo da assembleia sagrada como tal, tanto das elites, como sobretudo do povo? Eis então a pergunta crucial: será que continua a ser função das igrejas, mesmo das maiores, manter viva a antiga música de órgão, que só tem lugar em concerto, agora que o concerto não pode ter lugar durante a liturgia ou em que a liturgia não pode ser convertida em concerto, e quando a sociedade civil está a dotar-se de salas de música, também aptas para a música de órgão? A outra pergunta diz respeito às características do órgão litúrgico. No caso de este órgão dever separar-se da antiga função, profana ou semi-profana, e reivindicar a sua diferença específica, que significado isso poderia ter, em quantidade e qualidade, material e sonora? Será que, por exemplo, os timbres do órgão litúrgico, cuja função é ajudar a oração, serão os mesmos do órgão de concerto? E mais: será que o timbre poderá ser o mesmo em igrejas e povos diferentes, como por exemplo, os do Extremo Oriente e os Europeus ou, na Europa, os latinos, os anglo-saxónicos e os eslavos? Acho muito normal que, uma vez passadas ao crivo dos eruditos, estas questões devessem receber formulações e contextos diferentes. Mas já que me foi concedida uma palavra de introdução, e agora que reitero a gratidão do Santuário de Fátima pela muita generosidade que merece ser agradecida, não se me levará a mal que persista na esperança de ajuda para estas questões, que foram capazes de originar um congresso internacional. Pe. Luciano Guerra, Reitor do Santuário de Fátima


Música Sacra