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D. Jacinto Botelho evoca João Paulo II

D. Jacinto Tomás Botelho
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A morte do Santo Padre que mergulhou a Igreja no mais respeitoso recolhimento, congrega-nos neste momento e faz que também nós, aqui e agora, “sejamos um só coração e uma só alma”, nos sentimentos que nos irmanam e mutuamente nos solidarizam. De todos os quadrantes da vida religiosa e da vida sócio-política chegam impressões diversíssimas, mas todas a testemunhar a profunda admiração que este Homem de Deus, vindo de muito longe, como ele próprio se apresentou, deixou bem marcada em toda a humanidade. *** Se a hora é de pesar, é igualmente uma hora de muita confiança e grande serenidade. A Igreja tem promessas de vida eterna. Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela ressurreição de Seu divino Filho de entre os mortos, fez-nos renascer para uma esperança viva, para uma herança que não se corrompe, nem se mancha, nem desaparece, como nos disse o primeiro Papa, S. Pedro, na carta há pouco proclamada e sempre o afirmou o último que agora nos deixou desde o princípio do seu Pontificado: Não tenhais medo. Poderemos dizer que no século passado, o século XX, a Igreja foi servida por grandes Pontífices, cada um deles o providencial para a hora que se vivia, a comprovar a promessa do Senhor e a presença do Espírito Santo que a acompanha até ao fim dos tempos. Mas o Pontificado de João Paulo II, dos mais longos de toda a história da Igreja, é verdadeiramente a coroa esplendorosa desta série notável de Bispos de Roma. Temos ouvido a várias pessoas que o futuro o cognominará de Magno, à imitação do que aconteceu com outros Sumos Pontífices. Independentemente do que venha a acontecer, ele é efectivamente o gigante que aos ombros conduziu a Igreja para o novo milénio, como profeticamente o vaticinara o seu conterrâneo, o Cardeal Wisinsky, sempre fiel ao Senhor que o encarregou da missão, numa doação plena até ao limite das forças, próximo de todos na preocupação pela justiça, pela paz, pela vida e pela felicidade dos homens de qualquer parte do mundo. *** Providencialmente Sua Santidade passou deste mundo para o Pai, ao cair da noite do primeiro sábado do mês, dia eminentemente mariano. Foi como uma carícia da Mãe do Céu, a quem totalmente se consagrou – Totus tuus. Mas igualmente, compareceu diante do Pai, quando a Igreja na sua liturgia entrava já no segundo Domingo de Páscoa que João Paulo II dedicou à celebração da misericórdia divina. Esta devoção foi difundida arreigadamente por João Paulo II, ao longo do seu pontificado, inspirado numa religiosa polaca, cuja causa de beatificação tinha introduzido como Bispo de Cracóvia, e que ele levou aos altares. Deixemos que seja João Paulo II a falar-nos. “A Liturgia de hoje convida-nos a encontrar na misericórdia divina a fonte da paz autêntica, que Cristo ressuscitado nos oferece. As chagas do Senhor ressuscitado e glorioso constituem o sinal permanente do amor misericordioso de Deus pela humanidade. Delas sai uma luz espiritual que ilumina as consciências e infunde conforto e esperança nos corações. Jesus, confio em Ti! Repitamo-lo, conscientes de que temos necessidade desta Misericórdia divina. Quando as provações e as dificuldades são mais ásperas, torne-se mais insistente a invocação do Senhor Ressuscitado, mais premente a imploração do dom do Seu Espírito Santo, manancial de amor e de paz". *** O texto proclamado de S. Pedro recorda, a par da alegria que enche os nossos corações, as diversas provações a que é submetida a nossa fé, e por que tem de passar o discípulo do Senhor. Também neste ponto João Paulo II é modelar. O rosto de dor e de aflição, impossibilitado de articular qualquer palavra, na manhã do passado dia de Páscoa, quando teimava em saudar na sua própria língua as pessoas de todo o mundo, que as câmaras da Televisão registaram, foi a mais eloquente prova do afecto por quem quer que fosse, com especial predilecção pelos pobres, pelos abandonados, pelos doentes, pelas vítimas das atrocidades, das injustiças e das guerras, por quantos a sociedade marginaliza. Aquele gesto sofredor foi o seu abraço mais cordial e como que a sua despedida, mas também um apelo impressionantíssimo, sem palavras, à fidelidade da nossa vida. Amigos motociclistas, já tive oportunidade de manifestar-vos a admiração que me deixais pelo risco em que permanentemente vos encontrais, particularmente pela acrobacia e velocidade da vossa condução. Que a vossa perícia e destreza no modo de conduzir, habituados como estais a superar os obstáculos, sejam para nós uma lição neste dia de Páscoa e de luto, e nos sacudam de todas as indolências, de todas as atitudes de preguiça, de desinteresse e indiferença, “para que a prova a que é submetida a nossa fé – muito mais preciosa do que o ouro perecível, que se prova pelo fogo – seja digna de louvor, glória e honra quando Cristo se manifestar”. Que a Bênção sobre vós e sobre as vossas Motos vós acompanhe pelas estradas da vida, como anunciadores da Paz. Regressai às vossas terras e às vossas famílias, sob a protecção da Mãe, Senhora dos Remédios. E que S. Rafael, vosso padroeiro, que para aqui trouxestes em procissão antes da Missa, mantenha no vosso coração a alegria saudável que partilhastes nesta peregrinação. Que João Paulo II interceda junto de Deus por todos nós e nos obtenha a graça da comunhão com aquele Senhor Jesus que se não cansou de anunciar a todos, e em todas as latitudes. Como sentinela da Igreja, pela qual consumou a sua vida, providencie para que muito em breve tenhamos o Papa que nos oriente na peregrinação até ao Pai.


João Paulo II