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Dia da Região Autónoma da Madeira

Manuel Costa
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Homilia de D. Teodoro de Faria

D. Teodoro de Faria no dia da Região No dia da Região Autónoma da Madeira, celebrado a 1 de Julho, na celebração da Eucaristia e Te Deum de Acção de Graças na Sé do Funchal, D. Teodoro de Faria dirigiu uma mensagem a todos os madeirenses residentes nas ilhas e nos países de acolhimento. Eis na íntegra a homilia do Bispo do Funchal Fundada sobre a Rocha 1 - É costume salutar, no Dia da Região Autónoma da Madeira, reconhecer as nossas raízes ancestrais, sem esquecer a herança espiritual e religiosa que faz parte integrante da alma do nosso povo. A celebração da Eucaristia na Sé, com a presença das autoridades, é um reconhecimento da memória do nosso passado, e ao mesmo tempo, sinal e continuação dessa vivência no presente que desejamos projectar no futuro. A leitura do Evangelho de S. Mateus, sobre a edificação da casa sobre a rocha para ter estabilidade e segurança, e não ser desmoronada pela chuva e vendaval, é um texto que nos aponta para o empenhamento na vida cristã e social e, ao mesmo tempo, um aviso contra o relaxamento e o quietismo que se insinua na vida dos crentes e da sociedade. Na cidade concreta dos homens, o cristão apoia-se sobre um sólido fundamento que recebeu do seu Fundador e não teme ser destruído com as primeiras adversidades ou provas. A sociedade onde o crente está inserido, não é perfeita, - porque não há sociedades perfeitas, - ao lado dos construtores sábios aparecem outros desprovidos de bom senso, onde o naufrágio é fatal. Levanta a casa sobre um fundamento sólido, o que coloca na base, Deus, os valores humanos, sociais e espirituais, esse homem é sábio; o que a constrói sobre uma base inconsistente, é um estulto que prepara a sua própria ruína e a alheia. O empenhamento do cristão na política 2 - Desde os primeiros séculos, os cristãos, empenharam-se nos diversos campos da cidade dos homens. Um desses empenhamentos foi a acção política no sentido nobre e verdadeiro da palavra. Um grande escritor, cujo nome desconhecemos, numa célebre carta a Diogneto, afirmava nos primeiros séculos: "os cristãos participam na vida política como cidadãos". Este critério continua a ser válido para uma solução correcta entre a Igreja e o Estado civil. Quando uma parte ou outra o esquece, nascem grandes dificuldades para os dois que podem originar conflitos, por vezes graves, como o demonstra a história bimilenar da Igreja. Vários santos são venerados pelos fiéis pelo seu empenhamento generoso nas actividades políticas, como S. Tomás Moro, padroeiro dos Governantes e dos políticos, que derramou o seu sangue para testemunhar "a dignidade inalienável da sua consciência", afirmando com a sua vida e a sua morte que "o homem não se pode separar de Deus, nem a política da moral". Este tema do empenhamento dos católicos na vida política, levou a Congregação para a Doutrina da Fé a publicar a 21 de Novembro de 2002 uma "Nota Doutrinal", que foi aprovada pelo Papa na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo. As sociedades democráticas actuais exigem "novas e mais amplas formas de participação na vida pública da parte dos cidadãos, cristãos e não cristãos". Não é só através do voto que se realiza esta participação, mas também na formação das orientações políticas e das opções legislativas, que favorecem o bem comum. Num sistema político democrático, necessita-se de um envolvimento activo, responsável e generoso de todos, "embora em diversidade e complementaridade de formas, meios, funções e responsabilidades", como afirma o Concílio Vaticano II, na Gaudium et Spes (nº 75). A consequência deste ensinamento é que "os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar na participação da política, ou seja, da múltipla e variada acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum" (Christifideles laici n.º 42). Laicidade cristã 3 - O fim verdadeiro e único de toda a política é o bem comum de todos e, por isso, todos têm o direito e o dever de participar, de modos diferentes na construção da sociedade ou da cidadania. Os cristãos, porque cidadãos, podem e devem empenhar-se na política, não a procurar o bem da Igreja, mas o bem de todos. A promoção do bem comum nada tem a ver com o confessionalismo ou a intolerância religiosa. Para a doutrina moral católica, a laicidade é vista como autonomia das esferas civil e religiosa, mas não autonomia da esfera moral. Posto este princípio, o cristão que se empenha na política não é para codificar valores estritamente religiosos, mas para os que dizem respeito à vida social de todos, crentes ou descrentes. Mas há critérios que são essenciais e indispensáveis para uma acção concreta dos cristãos na política. Em primeiro lugar deve distinguir entre pluralismo e relativismo moral. É legítimo o pluralismo, visto como liberdade de escolha entre as diversas opiniões políticas, quando é compatível com a lei moral natural, para a realização do bem comum. O relativismo ou pluralismo ético, que afirma como válido qualquer tipo de escolha ou concepção da vida ou sua manipulação, como fidelidade ou infidelidade conjugal, solidariedade ou opressão, paz ou guerra, é inaceitável, não por razões religiosas, mas simplesmente humanas. Daqui se segue que não é suficiente que uma lei nestas matérias seja aprovada pela maioria, como é habitual em democracia, para ser justa. Nem tudo o que é legal, ou presumido como tal, é por isso mesmo moral. Já na antiguidade clássica grega, o grande escritor Esquilo, admoestava os tiranos com a frase de Antígona: "existem leis não escritas que precedem e superam aquelas escritas". Os valores, que a Nota da Congregação para a Doutrina da Fé apresentou como não negociáveis, podem resumir-se no respeito da pessoa humana que comporta a intangibilidade da sua vida física desde a concepção até à conclusão natural, a tutela e a promoção da família fundada sobre o matrimónio entre pessoas de sexo diferente, a garantia da liberdade de educação dos pais, o direito à liberdade religiosa e a uma economia ao serviço do bem comum, activando a solidariedade e a subsidiariedade, enfim a promoção da paz como fruto da justiça e da caridade, que exige a recusa da violência e do terrorismo de qualquer género. Contributo na construção da sociedade 4 - O cristão que se pronuncia e empenha seriamente neste campo para que a vida social do seu país ou Região seja inspirada, mesmo no plano legislativo, nestes valores, não está a ingerir-se indevidamente num campo que não lhe compete, mas procura simplesmente como cidadão dar o seu contributo à construção de uma sociedade que respeita verdadeiramente a todos. Este empenhamento não é secundário na vida dos que têm fé em Deus e rege-se pela fidelidade absoluta à sua consciência "que é única e unitária, pelo que não pode haver duas vidas paralelas". É verdade que na intrincada realidade da vida política, não é fácil para os políticos cristãos cumprir os seus deveres principalmente no campo legislativo, em perfeita coerência com a sua consciência. O Papa João Paulo II no "Evangelho da Vida", reconhece a liceidade de uma intervenção favorável a limitar os danos de uma lei inaceitável, quando não é possível fazer mais, sabendo que as leis humanas são imperfeitas por sua própria natureza. A comunidade cristã deve, por seu lado, ajudar, orar e votar nos seus leigos empenhados, para que eles não recusem intervir corajosamente na dura luta política, quando estão em causa os valores irrenunciáveis do bem comum. Jesus, no Sermão programático do Reino de Deus, chama a esta atitude sábia e corajosa, construir a sociedade sobre a rocha firme e não sobre a areia. Desde há mais de quinhentos anos que a comunidade humana que se estabeleceu nesta Diocese conheceu esta página do Evangelho e, de muitas e diversas formas a aplicou à sua vida; quando a esqueceu surgiu o sofrimento humano, a opressão física e moral das consciências. Pedimos à Senhora do Monte, nossa Padroeira, e S. Tiago, que do alto da montanha vela sobre nós, que nos proteja e livre das tempestades físicas e morais, como a do aluvião que nos atingiu há 200 anos e que no próximo mês de Outubro, nos dias 8 e 9, vamos recordar o sofrimento humano e o patrocínio de Deus. Com a Autonomia, começou a levantar-se de novo um arco-íris de esperança, liberdade e paz que, hoje, nesta Catedral agradecemos a Deus, pedindo-lhe que a casa dos madeirenses construída sobre a rocha, cresça, aumente e se torne fonte inspiradora de palavras e acções para o bem comum da nossa sociedade. Funchal, 01 de Julho de 2003 Dia da Região e das Comunidades Madeirenses +Teodoro, Bispo do Funchal


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