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Diferença e igualdade nas IPSS

D. Jorge Ortiga
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Discurso do presidente da CEP na abertura da XXIV Semana da Pastoral Social

A XXIV Semana da Pastoral Social tem uma temática muito sugestiva e actual: “Identidade Cristã das Instituições de Acção Social da Igreja”. Referir “Identidade” é, à partida, sintomático. Reconhece-se algo de peculiar que pode distinguir de Instituições idênticas não como confronto mas complementariedade imprescindível. Não se trata de contentar-se com os parâmetros comuns mas aceita-se, dum modo natural, uma diferença que o adjectivo “cristã” sugere. Num mundo dominado pelo pluralismo, este adjectivo pode parecer mais uma perspectiva que apenas distingue como quem usa um rótulo ou um hábito. Só que o problema é de raízes mais profundas. Com efeito, a diferença cristã ultrapassa o mundo dos “proprietários” e interpela para que no seu ser e agir expressem e testemunhem uma originalidade nascida duma “Boa Nova” que continua a imprimir um projecto claramente de índole cristológica, antropológica e eclesiológica. Como enquadramento cristológico aponta-se para algo que não necessita de estar nos cartões de apresentação mas que deve transparecer dum modo inequívoco nos serviços prestados. Será descontextualizado supor e esperar que os agentes operem em nome de Cristo e em favor da pessoa de Cristo? O silêncio do testemunho e a força do amor são mais eloquentes do que muitos slogans ou declarações de princípios. Como espaços duma antropologia específica, o humanismo deve perpassar as atitudes quotidianas de quem sabe que só um humanismo integral, que harmoniza o material e o espiritual, consegue proporcionar condições de felicidade autêntica. Reduzir a um destes aspectos pode tornar deficiente toda a acção. A eclesialidade também nunca pode ser colocada entre parêntesis como algo de que nos envergonhamos. As instituições identificam-se por este cunho que não pode ser meramente estatístico permitindo que o silêncio desvirtue o seu verdadeiro carácter. A identidade cristã, estando nos princípios dum consciente cristianismo, dum sadio humanismo e duma eclesilogia responsável, deve envolver o conhecimento dos utentes que sabem – e talvez esperem – que quem os está a servir ou a dirigir a instituição nunca pode disfarçar ou desconsiderar um estilo característico. Bastará um profissionalismo competente numa qualidade fria dos serviços prestados? Será ultrapassado ou desenquadrado da realidade social esperar das nossas Instituições esta identidade que diferencia? Poderemos contentar-nos com as exigências das Entidades governamentais? Nunca nos será permitido pautar o nível das exigências pelo mínimo ou encontrar artimanhas para esconder incompetências ou fugas às determinações oficiais. Acontece, porém, que há um fio de ouro que atravessa o quotidiano e que marca indelevelmente o ADN das nossas Instituições. O Santo Padre é verdadeiramente elucidativo sobre o perfil específico da autenticidade caritativa da Igreja, na Encíclica “Deus é Amor”. Espero que estes dias acolham este documento como uma referência imprescindível. Aí refere a importância do compromisso da Igreja em manter “todo o esplendor desta acção social, não a dissolvendo na organização assistencial comum, tornando-se uma simples variante da mesma” (D.C.E. 31). Parece-me particularmente responsabilizante quando se dirige àqueles “que trabalham nas instituições caritativas da Igreja” que, entre outras coisas, devem distinguir-se pela “formação do coração”, ou seja, “é preciso levá-los àquele encontro com Deus em Cristo que suscite neles o amor e abra o seu íntimo ao outro de tal modo que, para eles, o amor do próximo já não seja um mandamento, por assim dizer, imposto de fora, mas uma consequência resultante da sua fé, que se torna operativa pelo amor (cf. Gl. 5, 6)”. “É dever das organizações caritativas da Igreja reforçar de tal modo esta consciência nos seus membros, que estes, através do seu agir – como também do seu falar, do seu silêncio, do seu exemplo -, se tornem testemunhas credíveis de Cristo” (D.C.E. 31). Como interpelação e esquecendo muitos outros aspectos, direi que tudo deve ter uma origem: o amor como obra da fé. A fé motiva e impulsiona; olhando para Cristo que amou em primeiro lugar, testemunharemos um amor que nunca pode ser mera filantropia, nem simples ética fraterna ou mera concretização de programas estatais. Trata-se duma obra da fé (opus fidei), uma acção nascida da adesão a Cristo que se torna inspiração e força tornando-o possível e autêntico. A história da humanidade mostra que não se trata duma utopia. Como manifestação da fé, atrevo-me a referir que esta “acontece” na Igreja e sei que para agir em favor dos povos pode parecer não ser necessário fazer referência à Igreja. Penso, porém, que é chegada a hora de perder a vergonha, presente na cultura dominante, de nos assumirmos como Igreja. Parece impor-se uma certa alergia a esta dimensão. Sem complexos devemos mostrar esta marca que é a razão da existência das instituições cristãs. Nesta dimensão, valem se agem como Igreja e para ser “sinal” da comunhão trinitária que a mesma Igreja deve ter diante de si. Sendo Igreja, devem tornar-se “Sacramento”, ou seja, um meio que nunca se arvora em fim, o que afasta qualquer ideia de superioridade ou autoridade. São como tantas outras mas com uma matriz que as diferencia. Gostaria de rezar para que estas Jornadas se tornem um ponto de partida, na reflexão e na acção, para integrar as I.P.S.S. da Igreja no seu verdadeiro lugar e com uma identidade muito própria. Para exigir um reconhecimento legal na linha de poder usufruir de contributos iguais, nunca deveremos renunciar ao que nos deveria distinguir. Saibamos ouvir a voz do Espírito e abracemos a coragem de caminhar pelos Seus itinerários. O mundo saberá agradecer-nos com o reconhecimento e Deus recompensará pela fidelidade, situada nas condições históricas onde a competência e profissionalismo provocam uma excelência poderá exigir algo que mais ninguém tem capacidade de oferecer. Bons trabalhos e melhores resultados para bem das nossas comunidades. + Jorge Ortiga, Presidente da C.E.P. e A. Primaz


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