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Discurso de Abertura da 180.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa

D. José Policarpo
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Senhor Núncio Apostólico

Senhores Arcebispos e Bispos

Senhora Presidente e Senhor Vice-Presidente da CIRP

Senhora Presidente da CNISP

Senhores Agentes da Comunicação Social

 

1. Iniciamos os trabalhos da 180.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa. Em ambiente de fraternidade colegial, saúdo o Senhor D. António Moiteiro Ramos, Bispo Auxiliar de Braga, a participar, pela primeira vez, nesta Assembleia. Peço-vos também para recordarmos com saudade aqueles que o Senhor recentemente chamou a ultrapassar a fronteira da morte: D. Albino Mamede Cleto e D. Aurélio Granada Escudeiro. A Eucaristia será o momento de dar a essa saudade a densidade da caridade.

 

2. Há 50 anos teve início o Concílio Ecuménico Vaticano II que, como acontecimento e pelo Magistério que proferiu, revalorizou e recentrou nas fontes da Tradição o nosso ministério apostólico de Pastores. O Concílio, experiência extraordinária do ministério dos Bispos, sucessores dos Apóstolos, exprimiu-se como órgão supremo de Magistério na defesa e promoção das verdades da fé, desde que em comunhão com o Sucessor de Pedro, mas criou um dinamismo de trabalho em comunhão dos Bispos das diversas regiões do mundo, congregando-se em assembleias e projetos dinâmicos que, embora não sendo expressões completas do Magistério Colegial, são convidados a exercer o seu ministério de pastores com afeto colegial, sempre em comunhão com o Sucessor de Pedro, expressão viva da Igreja-comunhão. O próprio Papa no exercício do seu ministério petrino recorre a este dinamismo colegial. É o caso do Sínodo dos Bispos que recentemente terminou mais uma reunião, indicando ao Santo Padre o que a Igreja sente e deseja como caminhos novos da sua missão evangelizadora. Inspirar-me-ei na Mensagem final deste Sínodo para fazer algumas considerações sobre as exigências presentes do nosso ministério de Pastores.

 

3. O Sínodo assumiu de novo a afirmação de Paulo VI na “Evangelii Nuntiandi”: a Igreja para ser evangelizadora tem de ser continuamente evangelizada. As nossas Igrejas precisam de reavivar e aprofundar a fé que corre o risco de se eclipsar no atual quadro cultural das nossas sociedades, definhando mesmo em muitos batizados. Aí está um desafio ao nosso projeto de repensar a pastoral em ordem a um dinamismo unificador.

Não esqueçamos que a principal expressão da fé é a caridade que nos há de levar a edificar uma Igreja acolhedora e verdadeira experiência de comunhão fraterna.

Estamos reunidos num momento particularmente exigente e difícil para muitos dos nossos diocesanos, de um modo especial para as famílias onde o desemprego e a austeridade exigida, trouxeram sofrimento e, por vezes, fizeram perder a esperança. A Mensagem dos Padres Sinodais é mobilizadora: “Conscientes de que o Senhor é o guia da História e que o mal não terá a última palavra, os Bispos reunidos em Sínodo convidam os cristãos a vencer, pela fé, o medo e a olhar o mundo com coragem e serenidade”.

Este é também o nosso apelo, coragem e serenidade. É uma palavra escudada numa forte experiência de solidariedade e partilha fraterna. Essa é a nossa principal resposta à crise que estamos a viver. Nessa partilha a Igreja manifesta-se como casa acolhedora, que ao partilhar o que tem semeia a esperança e fortifica a coragem. Alarguemos a partilha, que cada cristão esteja atento ao seu vizinho, que é o seu próximo, aceitemos a colaboração com outras iniciativas de solidariedade. Não é uma comunidade nacional dividida, mas solidária, que poderá enfrentar estes tempos difíceis. Na linha da Mensagem dos Padres Sinodais devemos acreditar que as dificuldades e os sofrimentos que acarretam podem representar oportunidades de evangelização.

 

4. A Mensagem faz uma referência especial às famílias como lugar natural da evangelização e convida a Igreja, os políticos e toda a sociedade a socorrer e fortalecer as famílias. Algumas análises do momento presente consideram que é sobretudo a família que é mais atingida pelas exigências da austeridade. Não temos possibilidade, nem é nossa missão, encontrar soluções alternativas; mas é nossa missão estar com as famílias para que as dificuldades materiais não as anulem como lugar de amor, de convivência, de discernimento e de coragem para lutar. Que as famílias que podem sejam solidárias com as famílias que precisam; que as que lutam com coragem sejam fermento da esperança.

 

5. Os Padres Sinodais sublinham a importância de a Igreja estar em diálogo com diversos setores da sociedade: a cultura, a ciência, a política. A esta pede-se, em todas as suas expressões e organizações “um compromisso desinteressado e transparente em favor do bem-comum”. A consciência do bem-comum supõe a experiência da dimensão comunitária da sociedade e dessa consciência a Igreja tem obrigação de ser fermento. Estará a nossa população, nas diversas manifestações do seu descontentamento, consciente de que o bem-comum da nossa sociedade pode estar ameaçado e que, se isso acontecer, serão os mais pobres e desfavorecidos que mais sofrerão? Não seria necessária mais informação, objetiva e verdadeira sobre os problemas reais e as soluções possíveis?

Só haverá preocupação com o bem-comum de toda a sociedade se houver, ao nível cultural e ético, respeito e cultivo da dignidade da pessoa humana, que se exprime na solidariedade e no empenho comunitário. Os egoísmos e individualismos não levam à solução dos problemas, nem das pessoas, nem da sociedade.

A principal expressão da dignidade da pessoa humana é a liberdade. Esta só pode ser condicionada pela própria liberdade. Ser livre significa que cada pessoa, perante as dificuldades e os riscos, decide da atitude a tomar e é a generosidade da liberdade que afirma a sua dignidade. Para este exercício nobre da liberdade supõe-se informação, acesso à verdade das situações, porque a liberdade exige discernimento. É missão da Igreja, no seu diálogo pastoral com as pessoas, ajudar neste discernimento.

Há liberdades constitucionais e jurídicas que a Igreja respeita, tais como o direito a manifestar-se, a fazer greve, etc., desde que seja nos parâmetros da Lei e da ordem democrática estabelecida. Mas o exercício dessas liberdades pode ser motivado pela preocupação do bem-comum. O exercício generoso da liberdade é a mais nobre manifestação da própria liberdade.

 

6. Ao referirem-se às Igrejas da Europa, os Padres Sinodais na sua Mensagem, dirigem-nos palavras de esperança. “A Europa, embora marcada por uma secularização, por vezes agressiva e ferida pelos regimes passados, criou uma cultura humanista capaz de dar rosto à dignidade humana da pessoa e à edificação do bem-comum. Os cristãos europeus não devem deixar-se abater pelas dificuldades do presente, mas aceitá-las como um desafio”.

Aceitemos esse desafio nos nossos trabalhos que hoje iniciamos. Que tudo o que dissermos e fizermos seja expressão do nosso amor de Pastores e que a nossa solicitude seja inspiradora de coragem para quem aceitar escutar-nos. Que Nossa Senhora de Fátima, em cujo Santuário estamos reunidos, nos inspire e nos proteja.

Fátima, 12 de novembro de 2012

D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa



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