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Entre o «já» e o «ainda não»

D. António de Sousa Braga
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Mensagem de Natal 2005 do Bispo de Angra

Aí está o Natal, com a força da tradição. Vem como que «embrulhado» com as luzes e as cores do comércio. Mas não deixa de marcar as nossas vidas. «Porque a graça de Deus, fonte de salvação, manifestou-se a todos os homens» (Tito 2, 11). Glória a Deus e paz na terra! 1. O Natal não é simplesmente celebração do aniversário natalício de Jesus. É «comemoração» e, portanto, «memória» da presença misteriosa de Deus, no «hoje» da nossa vida. O Mistério da Encarnação de Deus, que celebramos no Natal, mais do que simples e rápida «visita», é entrada definitiva e permanente do Filho de Deus feito Homem, na realidade da vida humana, na minha vida, tal como ela é, também na sua fragilidade. «E o Verbo fez-Se homem e veio habitar connosco» (Jo 1, 14), assumindo completamente a condição humana: em tudo igual a nós, excepto no pecado. É esta a Boa Notícia, que nos traz o Natal de Jesus. Nascendo na nossa carne, Ele acompanha-nos na luta da vida, com as suas luzes e sombras, sucessos e fracassos, alegrias e tribulações. São também para nós, hoje, as palavras de S. Pedro: o Senhor não tardará em cumprir a Sua Promessa, de acordo com a qual «esperamos novos céus e uma nova terra, onde habita a justiça» (2 Ped 3, 13). 2. Celebrar o Natal é, pois, dar corpo a esta esperança do «já» e «ainda não» do Reino de Deus, inaugurado com o Natal de Jesus. A demora do «ainda não» da Promessa não pode ofuscar a certeza do «já» do Reino em marcha no mundo, apesar de todas as contradições e contrariedades da história. Por isso, fazemos festa nesta época natalícia. E ainda bem que podemos fazer festa. O que importa é dar sentido e medida à festa, fazer chegar a festa a todos, levar o espírito da festa para a vida. Não se pode construir o Reino de Deus, fugindo do mundo, mas inserindo-se nas lutas da vida em sociedade, como fermento que leveda a massa. 3. É o que se espera dos cristãos, nesta situação difícil, que atravessa o País. Os Bispos portugueses fazem um forte apelo a todos os católicos, para que sejam parte activa na solução da «crise». Passa por aqui uma «cidadania mais esclarecida, criteriosa, responsável, solidária… «Estamos num momento, em que é preciso realçar as exigências do bem comum, isto é, a prevalência do bem de toda a colectividade sobre interesses pessoais e corporativos… O contributo de todos para o desenvolvimento colectivo, faz de cada cidadão protagonista das soluções, quer pagando os impostos justamente distribuídos, quer empenhando-se criativa e solidariamente no implementar de soluções». Os próximos tempos desafiam-nos «a uma profunda mudança de mentalidades, a exigir estímulo a quem cria oportunidades, a requerer invenção de pronta solidariedade e a conduzir a uma opção pessoal pela sobriedade, terreno realista, contrário a promessas impossíveis». 4. Apesar das dificuldades conhecidas e previstas, os nossos Bispos deixam-nos uma palavra de confiança. «Análises catastróficas sobre o País e sobre a União Europeia em nada ajudam a serenidade e a generosidade, essenciais para construir o futuro. Não tenhamos medo dos momentos difíceis, pois eles constituem, tantas vezes, alicerce de um futuro melhor» (CEP, Nota Pastoral, 2005/3). Mas não basta vencer o medo. É preciso ter a coragem da esperança, que nos compromete num caminho de exigência e de austeridade. Bem na linha da história nova e diferente, que nasce em Belém. Essa história ainda se está a fazer. Como que vivemos as dores de um parto, que anuncia o nascimento de uma nova humanidade. 5. Entre o «já» e o «ainda não» da sua plena realização, os cristãos teimam em esperar, sentindo a obrigação de apressar os «novos céus» e a «nova terra», colaborando activamente para construir uma sociedade conforme o desígnio de Deus e à medida do homem. Com o profeta, atrevo-me a dizer aos corações atribulados: «Tende coragem. Não temais. Aí está o vosso Deus…, vem em pessoa salvar-nos» (Is 35, 4). Razão mais do que suficiente, para desejar a todos Boas Festas de Natal, com a certeza do «hoje» da salvação de Deus, na história conturbada do nosso tempo. + António, Bispo de Angra


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