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Fechar escolas conduz à desertificação dos centros mais pequenos

D. Manuel da Rocha Felício
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Catequese Quaresmal de D. Manuel Felício

Entramos hoje no coração da Quaresma. Nestes três domingos centrais somos convidados a contemplar o mistério da cruz de Cristo e, a partir dele, fazer a revisão da nossa identidade de cristãos baptizados. A Palavra de Deus hoje proclamada conduz-nos à contemplação do Mistério de Cristo, que, no Evangelho de S. João, se apresenta como sendo o novo, o verdadeiro Templo de Deus no meio do mundo. A revelação desta grande novidade foi preparada com o gesto profético da purificação do Templo. De facto, o que surpreendeu os judeus não foi que alguém exigisse autenticidade no serviço cultual do templo de Jerusalém. Surpreendeu-os, isso sim, que este gesto profético viesse de alguém sem credenciais para o fazer. Porém Jesus não só estava autorizado para realizar este gesto profético, porque recebeu mandato de Deus, mas principalmente, porque Ele era o novo Templo de Deus, no meio do mundo. Nós queremos, pela Fé e com a ajuda da Graça divina, redescobrir e aprofundar, nesta Quaresma, a identidade de Jesus, Filho Único de Deus e por Ele enviado para salvar o mundo, que O não reconheceu e, por isso, O rejeitou, daí resultando o drama da paixão e morte na Cruz. De facto, a sabedoria humana por mais aperfeiçoada que seja, terá sempre muita dificuldade em reconhecer a pessoa de Jesus e a sua obra de salvação. E S. Paulo diz porquê, na sua I Carta aos Coríntios: Cristo crucificado, que pregamos, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios. Para nós, porém, é poder e sabedoria. Tal como não entende a pessoa de Jesus Cristo e os seus comportamentos desconcertantes, a sabedoria humana também não entende a identidade do cristão no meio do mundo. Enquanto prolongamento de Cristo, na história, os cristãos serão sempre, em alguma medida, sinal de contradição. Viver o Evangelho e a nossa identidade cristã até às últimas consequências tem de suscitar alguma surpresa e até oposição. A pauta aferidora da nossa identidade são os mandamentos lembrados hoje, no Livro do Êxodo. Mas mais do que eles, é a pessoa de Jesus Cristo, ao qual, por imperativo da nossa vocação, queremos seguir de perto. Ele é a Lei, a nova Lei, como também o Legislador, o novo Moisés. E a Lei que Jesus é resume-se no mandamento do amor, porque Deus é amor. Para nós amar a Deus e em Deus amar o próximo é a única regra a que estamos obrigados. E uma regra que nada nem ninguém nos impõe de fora, como qualquer colete de forças ou ordem arbitrária; mas uma regra imposta pela nossa identidade de pessoas a viver em comunidade. Celebrámos o dia nacional da Caritas, uma instituição da Igreja a lembrar-nos o essencial da nossa vida cristã, a saber, Deus é amor, e o programa da nossa vida pessoal e comunitária é interpretar o amor de Deus. Esta é também a mensagem da carta encíclica do Papa Bento XVI “Deus caritas est”. De facto, o ponto de partida do amor entendido como lei fundamental do relacionamento entre os seres humanos é o mistério de Deus, que, em Si mesmo, é pura relação de amor. Porque somos criados à sua imagem e semelhança, só a prática do amor nos pode deixar realizados. E, por sua vez, a vocação da própria Igreja considerada como prolongamento de Cristo e sacramento de Deus na história, é viver a lei fundamental do amor. A prática do amor não pode nem deve substituir os deveres de justiça que os cidadãos, enquanto tais, têm uns para com os outros e a sociedade tem para com eles ou eles para com a sociedade. A caridade nunca pode substituir a justiça, que, enquanto tal, consiste no conjunto de direitos e deveres que regulam a relação dos indivíduos entre si e a sociedade. Assim, é de justiça que cada um dos cidadãos tenha parte no conjunto dos bens materiais que foram criados para todos. Por sua vez, a caridade, longe de pretender apenas resolver situações pontuais de necessidades, deseja promover cada pessoa, o mais possível, tornando-a capaz de assumir as suas responsabilidades individuais e sociais. Viver a caridade nas nossas comunidades cristãs e humanas é descobrir, com todos, os caminhos que nos podem dar futuro enquanto comunidades humanas marcadas por características muito diferentes de outras comunidades que vivem noutros ambientes. Damos um exemplo concreto. O caminho mais curto e a solução mais fácil para resolver o problema da falta de alunos nas nossas escolas primárias, agora chamadas do primeiro ciclo, é fechar escolas e concentrar os alunos nos grandes centros. A consequência imediata é o acentuar da desertificação nos centros mais pequenos. Mas há outros caminhos mais de acordo com o bem comum nacional. Esses caminhos são resistir à tentação de fechar escolas e criar medidas que incentivem a fixação de famílias também nos centros considerados menos desenvolvidos. O que se diz das escolas diz-se também do fecho das maternidades ou mesmo dos Centros de Saúde que atendem as pessoas das zonas menos povoadas. Nós ainda esperamos que os responsáveis pelas grandes opções a fazer, no nosso país, sobre estas e outras matérias, saibam olhar ao largo e não cedam à tentação de quem tem vistas curtas.


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