Funchal homenageou D. David de Sousa D. Teodoro de Faria 13 de Fevereiro de 2006, às 10:14 ... «Felizes os que habitam na vossa casa Senhor» (Sl. 83) 1. No passado Domingo, 5 de Fevereiro quando realizava uma visita pastoral à Boaventura, uma senhora idosa aproximou-se de mim e disse-me: Morreu o Senhor D. David de Sousa, antigo Bispo do Funchal. Ao Senhor D. David Deus concedeu uma idade patriarcal, morreu com 94 anos, ajudava os estudantes franciscanos no Seminário da Luz a estudar grego e hebraico, lÃnguas que antes leccionara, levava uma vida pacÃfica e feliz, apesar dos contratempos próprios de uma longa idade. Após uma vida dedicada a Deus e aos irmãos, desde a juventude, o Senhor chamou-o a participar da sua felicidade: «Felizes os que habitam na vossa casa, Senhor, eles podem louvar-Vos continuamente». 2 - Nascido a 25 de Outubro de 1911 na Diocese do Porto, desde muito jovem D. David sentiu-se atraÃdo pela espiritualidade de São Francisco, e com 15 anos ingressou em Tui, na Espanha no Colégio Seráfico da ProvÃncia Portuguesa. Aluno inteligente e estudioso foi enviado para Roma a estudar Teologia e Sagrada Escritura e, regressando a Portugal, foi um estimado e conhecido professor destas disciplinas, até que a 25 de Setembro de 1957, o Papa Pio XII o nomeou bispo do Funchal. Foi ordenado Bispo na Catedral de Lisboa pelo Cardeal patriarca D. Manuel Gonçalves Cerejeira a 10 de Novembro de 1957. A entrada na Diocese do Funchal foi dramática, devido ao mar agitado que não permitiu ao navio Angola atracar no porto do Funchal. Tendo esperado um dia no mar, seguiu para o Porto da Cruz, onde desembarcou sendo recebido pelas autoridades e muito povo. Seguiu para a Quinta de São Jorge donde veio tomar posse da diocese a 8 de Dezembro de 1957 na Catedral do Funchal. Recordo-me do primeiro encontro com D. David, quando lhe comuniquei que tinha sido escolhido para estudar Teologia e Sagrada Escritura em Roma. Entusiasmou-me por esse estudo e quando mais tarde lhe pedi para frequentar a Escola BÃblica de Jerusalém, concedeu-me essa licença, graça que sempre recordarei. Durante os oito anos de episcopado na Madeira, devido aos meus estudos em Roma e Jerusalém, só estive na Diocese durante quatro anos. Nomeou-me professor de Sagrada Escritura, lÃnguas orientais e membro da equipa formadora do Seminário, pedindo-me, além disso, para ser Assistente espiritual na Acção Católica e Cursos de Cristandade. D. David, apesar da falta de experiência pastoral numa paróquia, em pouco tempo tomou consciência das maiores urgências da Diocese e encontrou medidas cujos efeitos se projectam no futuro. Sendo necessário separar os cursos de Teologia e escola secundária no Seminário, tomou a iniciativa de comprar o hotel Bela Vista em 1958, sendo obrigado para isso a esvaziar as pequenas economias da Diocese, do Cabido e pedir ajuda à s paróquias que colaboraram durante vários anos. O futuro veio demonstrar como a secularização obrigou a tomar medidas diferentes. Mandou formar diversos sacerdotes em Roma e universidades estatais, e foi com grande tristeza que teve conhecimento de alguns deles terem abandonado o sacerdócio. Procurou ser pai bondoso para com os sacerdotes, mas lamentou ser maltratado e difamado por alguns deles. A história repete-se, desde os tempos de Cristo até hoje. Para a catequese, numa fase ainda pouco evoluÃda, criou o Secretariado Diocesano da Catequese que foi depois aperfeiçoado pelo seu sucessor, até que o Plano Nacional elaborou os novos catecismos, dando uma unidade na evangelização das crianças e adolescentes. Considerando o então confortável número de sacerdotes e a demasiada população de algumas paróquias, empreendeu o seu maior trabalho na diocese, o estudo e divisão das paróquias, criando 50 que foram desmembradas das 52 já existentes. O futuro demonstrou como era necessário a divisão, embora algumas delas com as emigrações internas e externas ficassem demasiado pequenas e fosse necessário uni-las sob a direcção do mesmo pároco. A necessidade criada com a construção das novas Igrejas ainda não terminou, mas teve o condão de dotar a diocese com uma rede de edifÃcios modernos e adaptados à nova pastoral. D. David não teve a felicidade de as visitar mas interrogava-me sobre elas. Dedicou a Igreja do Campanário e colocou 9 primeiras pedras para construções futuras. Os problemas que surgiram com as divisões das paróquias e incompreensões de alguns membros do Clero, foram uma coroa de espinhos que o atormentaram até deixar a diocese. Tendo em conta o serviço caritativo dos vicentinos aplicou à Madeira os projectos de construção de casas para o Património dos Pobres. Um dos graves problemas que muito o afligiram foi encontrar meios económicos para a sustentação do Jornal da Madeira, tendo sido obrigado a vender a quase totalidade do património imóvel da Diocese. D. David participou no maior acontecimento da Igreja no século XX, o ConcÃlio Vaticano II, desde 11 de Outubro de 1962 até ao seu termo. Em 1965, como sucedeu com muitos dos seus antecessores na Diocese, foi transferido para o Continente para a Arquidiocese de Évora, cátedra que ocupou até 1981, data em que a deixou, devido à falta de saúde, principalmente da vista. Deus chamou-o à sua presença a 5 de Fevereiro deste ano. Paz à sua alma. 3 - «Não há maior amor do que dar a vida por aqueles que se ama», esta é a única forma de ser bispo e seguir Jesus Cristo porque «Deus é amor». Com humildade e simplicidade franciscana, D. David viveu os seus últimos anos numa total disponibilidade aos pequenos serviços que transformam a vida em felicidade. Hoje a vida alonga-se de tal forma que se alguém morre por volta dos setenta anos, até se diz que «era jovem»! Podemos dizer o mesmo de D. David, embora ele morresse com uma idade patriarcal. Teve a felicidade de uma velhice abençoada por Deus, com qualidade de vida, não só biológica, mas humana, espiritual, em harmonia com Deus e os homens, esperando a irmã morte. O modelo das bem-aventuranças é um convite à felicidade, que é um paradoxo para alguns, ou seja, o contrário do que se espera num mundo pagão. A felicidade nunca será plena senão no Reino de Deus, nos novos céus, onde o mal e a morte foram vencidos, mas desse Reino já podemos saborear em parte neste mundo, quando não separamos o amor da justiça. Santo Agostinho escreve nas suas Confissões que o homem não desejaria tanto a felicidade se já a não possuÃsse de qualquer forma. Para este santo, a felicidade é a «alegria que vem da verdade», ou seja, o gozo de Deus que é a Verdade. Esta experiência do Eterno só é plena quando ressoar aos nossos ouvidos a música de Deus, naquele Reino onde os eleitos dançam ébrios de alegria, porque, é ainda Agostinho que nos diz: Deus é música, ritmo, harmonia. Os Padres da Igreja diziam, que «Deus criou o homem e o colocou no paraÃso, isto é, em Cristo». O paraÃso é a nossa vocação, é uma oferta de Deus a todos os seus filhos. Pedimos a Deus que faça participante da sua felicidade o nosso saudoso Bispo, que ele seja saciado na Paz de Cristo, com Maria, mãe de Jesus, com S. Francisco e a irmã Santa Clara, com todos os santos do ParaÃso. Com o salmista nós proclamamos também: «Felizes os que habitam na vossa casa Senhor (Sl. 83). Missa Exequial por alma de D. David de Sousa †Teodoro de Faria, Bispo do Funchal Diocese do Funchal Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...