Homilia da Festa de S. Teotónio, Padroeiro da Diocese de Viseu
Sé, 18 de Fevereiro de 2006
1. Chamados a uma nova evangelização a partir de Cristo e da sua Palavra
Reunidos em família eclesial, fomos convocados para celebrar a solenidade de S.Teotónio como Padroeiro, isto é, pai e protector da nossa Igreja viseense. É pai aquele que é testemunha da origem, apoio no crescimento e orientador em relação ao futuro. Celebrar a sua memória é um convite a fazer uma peregrinação interior às raízes, às fontes da nossa fé, da nossa história como povo de Deus e a discernir o caminho da nossa Igreja rumo ao futuro.
É precisamente este convite que nos faz a Carta aos Hebreus. Para animar os cristãos da diáspora, o autor, no cap. 11, passa em revista toda a História da Salvação, através das principais figuras que foram suas protagonistas. E canta, como numa rapsódia, o testemunho da fé dos pais e das mães na fé, que constituem uma verdadeira “nuvem de testemunhas”. A fé deu aos seus pais a energia espiritual para realizarem grandes coisas e suportarem tribulações em tempos difíceis. A fé deu-lhes a capacidade de ver mais para além do visível (como a Noé), como se vissem o invisível (como a Moisés). Não olharam para trás, mas para a frente. Conseguiram coisas que seriam inexplicáveis e inalcançáveis só pelas suas forças. Por isso, o autor da carta aos Hebreus diz: “foi a fé que fez a glória dos nossos antepassados”.
A liturgia como que nos convida a colocar o nosso Padroeiro, pai na fé, na galeria de todos aqueles homens e mulheres que através da fé, permitiram a Deus revelar-se, tornar-se presente, salvar e levar a história da salvação para a frente.
A esse número de testemunhas do Antigo Testamento acresce o número das do Novo Testamento, da História da Igreja, dos santos de todos os tempos. E nós hoje poderíamos acrescentar: “ chegando ao Século XII, após a reconquista cristã, à fé de S.Teotónio foi confiada uma nova evangelização das terras de Viseu que ele recomeçou a partir de Cristo e da sua Palavra”. Pois, como diz o biógrafo, “sempre na sua boca estava Cristo!” e “muitos acudiam a ouvir da sua boca a Palavra de Deus e respeitavam-no com muito afecto como Pai espiritual e director das suas almas”.
A celebração de hoje é um momento para refontalizar a nossa fé e receber novo impulso e novo ardor para uma nova evangelização das nossas gentes a partir de Cristo e da sua Palavra.
2. Chamados a uma nova cultura vocacional
A todas estas testemunhas que nos precederam foi pedida uma fé para verem a sua vida e a sua missão como parte integrante duma história que vem de longe e leva longe. Foram chamados por Deus para uma missão que transcende o destino e os sonhos individuais. São testemunhas de uma vocação a servir o projecto de Deus em favor da humanidade. Um projecto que apontava já para Cristo “autor e aperfeiçoador da nossa fé”, que hoje se oferece à nossa contemplação no mistério da transfiguração: um mistério da beleza da vida divina que habita a humanidade de Cristo e, através dela, irradia para nós e ilumina a nossa vocação hoje.
Pela luz da transfiguração são alcançados todos os filhos da Igreja, todos igualmente chamados a seguir Cristo, pondo nele o sentido última da sua própria vida.
Uma experiência singular desta luz fazem-na certamente os que são chamados a uma vocação de especial consagração. Sentem uma particular ressonância do êxtase de Pedro: como é belo estar contigo, dedicar-se a Ti, concentrar de modo exclusivo a nossa existência em Ti! Como é belo para nós, Senhor, estar aqui contigo no desejo de encontrar, nesta experiência de graça, a força para viver a nossa vocação cada vez com maior alegria.
Deste amor pela beleza divina brotam as diversas formas de vocação e de ministérios que embelezam a Igreja com a variedade de dons dos seus filhos e a enriquecem com todos os meios para a sua missão.
Também aqui nesta Sé, S. Teotónio se consagrou ao Senhor na ordenação sacerdotal. Celebrar a sua memória de Padroeiro é pois uma ocasião para verificar a actuação da pastoral vocacional na diocese.
O convite de Jesus “vinde e vede”(Jo 1,39) permanece ainda a regra de ouro da pastoral vocacional. Trata-se de apresentar o fascínio da pessoa do Senhor Jesus e a beleza do dom de si à causa do Evangelho. Mas isto não se realiza se cada comunidade cristã não sentir a cultura das vocações como seu problema próprio e se em cada comunidade não houver animadores vocacionais. Neste sentido, queria pedir a todos vós o melhor empenho nesta causa e, concretamente, a reflexão sobre o recente documento “Pastoral vocacional e pedagogia vocacional” nos conselhos pastorais, nos movimentos e nas comunidades religiosas.
3. Chamados a um novo zelo pelo culto e pela cultura
Por fim, a nossa fé, a nossa vocação e missão têm a sua fonte e o seu vértice na liturgia, como fonte de graça, de bênção e de aliança, como nos mostra a primeira leitura do livro do Deuteronómio.
A liturgia é, simultaneamente, culto, cultura e evangelização. A vocação duma liturgia inculturada é introduzir-nos na grandeza e beleza da fé, na acção salvífica de Deus no seu Filho Jesus.
A liturgia é bela porque exprime a beleza da santidade de Deus que se comunica a nós e que, como no Tabor, nos transfigura para depois descer o monte até ao mundo do quotidiano, da cultura que molda a vida dos homens.
Sabemos do zelo de S. Teotónio pelo culto e pela cultura nesta Sé, Igreja Mãe da diocese, donde irradiava para a cidade e arredores. É nesta perspectiva que se insere o serviço a que são chamados os membros da instituição capitular, como já tive ocasião de esclarecer.
Quero agradecer aqui, em nome pessoal e da diocese, toda a dedicação e empenho que devotaram a este serviço em comunhão com o bispo, aos membros do Cabido da Sé que, por limite de idade, pediram a resignação aos cargos e que eu aceitei de acordo com os estatutos. Continuamos, todavia, a contar com a ajuda da sua experiência e do seu sábio conselho.
Saúdo e congratulo, em nome pessoal e de todos os presentes, os novos membros do Cabido que hoje tomam posse e agradeço-lhes a disponibilidade para este novo serviço e encargo. Faço votos do melhor êxito no seu desempenho, de que são penhor as suas qualidades e capacidades.
Senhor, concede-nos a força e a luz para perseverar na fé; guia os nossos passos como outrora acompanhaste – com uma presença invisível mas forte - o caminho dos nossos antigos pais na fé, daqueles que te viram de longe e daqueles que te seguiram de perto: os apóstolos, os mártires, os confessores, entre os quais S. Teotónio.
Faz com que, no meio das crises do mundo e das dificuldades da missão, nunca se apaguem a chama da nossa fé e o entusiasmo da nossa vocação, mas que ardam sempre para nós e iluminem os outros, a fim de que entremos todos no Teu Reino de esplendor eterno. Nós to pedimos por intercessão de S. Teotónio, nosso Padroeiro e Pai na fé. Ámen!
+ António Marto, Bispo de Viseu