Homilia de D. Antonino Dias na sua entrada solene na Diocese de Portalegre-Castelo Branco
E venho desta raia minhota para estoutra, mais distinta e distante, que José Régio, à mÃngua de ver o seu querido mar de Vila do Conde, viu este Alentejo “Oceano de ondas de oiro†(13), de “Serras deitadas nas nuvensâ€, de “Campos verdes e amarelos, salpicados de oliveirasâ€, aqui, onde ele tinha na sua casa “tosca e bela†“Uma pequena varanda Diante duma janela. Toda aberta ao sol que abrasa, Ao frio que tolhe, gela E ao vento que anda, desanda, E sarabanda, e ciranda De redor da minha casa,(…)†(14).
Reconheçamos, no entanto, que há entre as duas dioceses do Minho - Braga e Viana do Castelo - e esta de Portalegre-Castelo Branco, pelo menos duas coisa em comum: todas têm os seus encantos e todas têm gente boa, com ideias, projectos e o desejo de superação constante por entre a teimosia de uma vida dura e pouco facilitada. S. Paulo, a que já nos referimos na segunda leitura desta celebração, escreve da cadeia de Éfeso aos Cristãos de Filipos, que aceitaram o convite do Senhor e viviam na dinâmica do Reino. Era uma comunidade generosa, solidária e atenta aos mais necessitados. E também quiseram partilhar os seus bens com S. Paulo que se sente comovido pelo gesto e revela os sentimentos de profunda amizade que o prendem à quela comunidade sem ocultar as contrariedades e privações que teve que suportar para anunciar a Pessoa e a mensagem de Jesus Cristo por toda a parte. E, em jeito de quem agradece, recorda-lhes que sabe viver na pobreza e sabe viver na abundância. Que em todo o tempo e em todas as circunstâncias aprendeu a viver desafogadamente e a padecer necessidade. E concluÃa: “Tudo posso naquele que me confortaâ€. Em Cristo ele encontrava a força e a coragem para tudo superar no meio das adversidades da sua vida apostólica. Neste momento, sem me querer comparar a S. Paulo, apetece-me dizer-vos como ele: também eu aprendi a viver sem exigências. Sempre me fui adaptando à s circunstâncias e à s pessoas que a diversidade das tarefas e das terras me foram impondo. E também sempre senti a gratidão das pessoas com quem trabalhei, que amei e servi. Confiando, sempre senti a lealdade e a amizade das mesmas e sempre partilhei tarefas e responsabilidades, secundarizando a minha acção para fazer valer mais a minha presença amiga e discreta, assumida e persistente, a estimular e valorizar o trabalho de todos quantos colaboravam comigo na diversidade dos serviços que me foram sendo confiados. E sempre entendi - e percebi! - que uma acção pastoral que não nasça da paixão por Cristo e pelo seu Povo, ou se reduz à mera celebração de culto apressado e de relacionamento frio com as pessoas, ou não passa de mera agitação social que cansa e enerva, leva ao funcionalismo que se ocupa, olha e contempla ao grande espelho das iniciativas pontuais, talvez pessoalmente gratificantes para quem as promove, mas pouco ou nada evangelizadoras. Quando assim se actua, talvez se tenha perdido o sentido da missão. E, com certeza, o EspÃrito Santo ou passou para segundo plano ou já foi esquecido e substituÃdo. Dá a impressão que, para dentro das quatro linhas deste grande e importante jogo da vida, Ele não foi convocado. E assim é que não vai nada! Ele é o verdadeiro protagonista da evangelização! Não podemos permitir-nos – a todos nós: Bispos, Padres, Diáconos, Consagrados e Leigos - que a rotina nos assalte e domine, e nos faça esmorecer ou desviar do essencial. Esta possÃvel acomodação, que, aliás, é sempre uma ameaça, pode ter os seus custos: em vez de humildes servidores do Senhor nos irmãos, poder-nos-emos tornar em donos e senhores ensoberbecidos da Sua vinha, escravizando, tolhendo, desprezando, julgando, condenando e seleccionando com os critérios da simpatia e amizade, que nos fazem perder a autoridade e a dimensão profética da missão. Eu sei que é fácil alguém apaixonar-se, até por um projecto ou por uma causa, sobretudo na primavera da vida, idade de todos os sonhos e opções dinamizadoras do presente e do futuro. Sei, porém, que é muito mais difÃcil manter-se apaixonado. Mas esse é o desafio e o segredo do êxito pastoral, e até do êxito pessoal, profissional e familiar. E este desafio tem os seus caminhos de concretização que não deixam morrer o ardor e o entusiasmo da primeira hora. Alguns desses caminhos são comuns a todo e qualquer projecto de vida. No campo pastoral, porém, todos reputamos como importantes: o estudo e a reflexão da Palavra de Deus, a força da oração individual e comunitária, a dinâmica sacramental, a “fantasia da Caridadeâ€, a inserção dialogante e activa na comunidade, a formação permanente e a leitura, à luz da fé, dos acontecimentos que nos chegam, de todos os lados, pelos carreiros e atalhos, pelas diversas estradas e auto-estradas da comunicação social. Enfim, tudo se reduz, no fim de contas, a uma verdadeira e sustentada espiritualidade da comunhão, capaz de gerar seriedade cristã, dinâmica eficaz e compromisso inadiável, para dentro da Igreja e para fora: no mundo da polÃtica, da actividade associativa, da cultura, das artes, da vida social, da famÃlia, da profissão, enfim, de todas as realidades terrenas que devem ser cristificadas pela presença dos cristãos que se prezam de o ser e agem em consequência com as suas convicções cristãs. Sei também que podemos esquecer ou distorcer os caminhos que vão de encontro aos predilectos do Senhor, negando-lhes os direitos humanos mais fundamentais. É fácil sentar o pobre à mesa e dar-lhe o peixe. É bonito. Pode trazer dividendos de vária ordem e até ser conveniente para o espectáculo. Mas também sei que se é fácil sentar o pobre à mesa, é muito mais difÃcil sentar-se à mesa do pobre, sentir e sofrer com ele no silêncio discreto de quem ama e, aÃ, ter tempo para ele, perceber a sua fome e sede de justiça, ouvi-lo até ao fim e, se for o caso, ensiná-lo a pescar e garantir-lhe o direito de o fazer em liberdade, sem medo nem complexos, no respeito pela sua dignidade, com direitos e deveres e com vocação à felicidade. Este serviço implica em quem o faz o despojamento de si próprio, a pobreza interior. E pobres dos pobres se não fossem os pobres. Os ricos, que surgem de todos os quadrantes, sem excepção, incluindo cristãos, prometem e voltam a prometer… Os pobres, esses dão e dão-se sem demora. Este é, com certeza, o maior e principal desafio para uma igreja serva e pobre que sabe que, para ser credÃvel, tem de viver de toalha à cinta, amando e servindo, de forma criativa, concreta e libertadora. O resto é demagogia! É mero entretenimento de novos fariseus para sossegar consciências endurecidas em paz podre e provocar que os pobres continuem ao léu, despidos da sua dignidade e sem força para a reivindicar. Como sacramento de Deus, como Cristologia viva, a opção pelos pobres é o sinal evangelizador mais visÃvel que a Igreja pode exibir. Está no cerne da vida cristã e apresenta-se como sinal inconfundÃvel do seguimento de Jesus Cristo que afirmou: pelo amor “todos conhecerão que sois meus discÃpulos†(15). Se não se considera o serviço da caridade como parte constitutiva da nova evangelização e da pastoral de toda a comunidade, não só falha o serviço, como também falha a evangelização que se converte em palavra vazia; e falha também a liturgia que se converte em “culto ao culto†ou “culto ao rito†como expressão de egoÃsmo pseudo religioso ou meramente estético (16). A Comissão Nacional de Justiça e Paz, bem como as Comissões Diocesanas e outras Entidades eclesiais e civis, não se cansam de nos pôr a pensar, e bem, sobre a questão da pobreza em Portugal. Entre as preocupações dos responsáveis pela Comissão Nacional de Justiça e Paz estão a falta de uma consciência esclarecida acerca das causas geradoras da pobreza e uma motivação colectiva forte para as ultrapassar. Afirmam que é preciso desmontar preconceitos e dar a voz aos pobres e colocar a erradicação da pobreza no centro das polÃticas públicas e ocupar a devida visibilidade e consistência nas propostas dos programas das várias forças polÃticas (17). Não duvido que esta preocupação esteja sobre a mesa da gente de bem que são os nossos governantes e polÃticos. A preocupação já é muito importante, sem dúvida. Mas, muito mais importante, mais útil e mais eficaz que a preocupação é a verdadeira ocupação em resolver as situações de amargura que, no terreno, começam a fazer doer a alma por dentro e por fora. A Igreja, porém, de uma maneira geral e dentro da sua Doutrina Social, embora também possa bater com a mão no peito por não ter sabido fazer mais e melhor, não tem fugido à s suas responsabilidades mesmo que à s vezes perceba o olhar vesgo e demasiadamente intrometido de quem saberá muito, mas não é capaz de fazer mais e melhor. Mas também o que importa não é quem faz mais ou quem faz menos. O que realmente interessa é que os pobres sejam servidos e se sintam amados. Que se ajudem no que eles precisam e se lhes rasguem caminhos ou criem condições para que vivam com dignidade e se lhes dê oportunidade de valorizarem o seu capital humano e de participarem na construção da comunidade. Escolhi para o meu lema episcopal uma frase de S. João Baptista: “importa que Ele cresça…†(18). Sim, é necessário que Ele cresça e eu diminua, dizia S. João referindo-se a Cristo. Sem abdicar do lugar que o exercÃcio do ministério me impõe, esse lema que assumi tenho-o feito valer também no meu relacionamento com todas as pessoas com quem tenho vivido e trabalhado e quero continuar a fazê-lo. Que eu diminua e cada um de vós cresça em Cristo com entusiasmo e alegria para que a nossa Diocese seja uma verdadeira escola e casa da comunhão, toda ela missionária e de rosto materno. Diz a tradição, que Santo António, Padroeiro desta Diocese e em cujo dia litúrgico também eu fui ordenado Sacerdote na Sá Catedral de Braga, se voltou para os peixes quando os humanos recusaram ouvir a Palavra de Deus. Neste Ano Paulino, com a intercessão e o estÃmulo do Padroeiro, em comunhão com o Santo Padre e todo o Colégio Episcopal que neste momento tem os seus delegados a reflectir, em SÃnodo, sobre a Palavra na vida e missão da Igreja, iremos rezar e trabalhar para que toda a Diocese se abra de uma forma muito especial à Palavra de Deus e continue a sua caminhada de fé, com alegria e esperança, em conformidade com a programação já pensada, assumida e em andamento. Que S. Miguel Arcanjo, orago da Sé Concatedral de Castelo Branco, nos ilumine para que a nossa maneira de anunciar e agir seja consequência desta verdade firme em que acreditamos e leve os outros a exclamar: “Quem como Deusâ€? Contemplando Maria, invocada nesta Sé Catedral como Nossa Senhora da Assunção, continuemos a aprender o seu jeito sereno de contemplar em silêncio fecundo e de sermos sacrários de Seu Filho Jesus e de cada pessoa, sobretudo dos mais necessitados que quero eleger como os predilectos do meu ministério pastoral. Que Deus nos ajude e abençoe. Portalegre-Castelo Branco, 12 de Outubro de 2008. Antonino Eugénio Fernandes Dias, Bispo de Portalegre-Castelo Branco NOTAS: 1 - Cf. 21, 23-46 2 -Cf. 21, 28-32 3 - Cf. 21, 23-43 4 - Cf. FelicÃsimo M. DÃez, Crer em Jesus Cristo, viver como cristão – cristologia e seguimento, Ed. Gráfica de Coimbra, págs. 586.. 5 - Cf. Jo 2, 1-12 6 - Cf. Mt 26, 26-29; Mc 14, 22-25; Lc 22, 19-20; Jn 13, 1-30 7 -Mt 9, 12-13 8 -Cf. José Antonio Pagola, Jesus – uma abordagem histórica, Ed. Gráfica de Coimbra, pp.115-152 9 - Cf. Fernando Armellini, o Banquete da Palavra, Ano A, Ed. Paulinas. 109 - Cf. Mt 25 11 - Cf. Gal 6,2 12 - João Paulo II, Carta Apostólica À Entrada do Novo Milénio, 4 13 - José Régio, Fado Alentejano 14 - Cf. José Régio, Toada de Portalegre 15 - Jo 13, 35. Cf. José Dias da Silva, Em nome de Jesus Cristo, Ed. Paulinas, pag. 114 16 - Cf. Pedro Jaramillo Rivas: Caritativa e Social, in Diccionário de Pastoral y Evangelización, Ed. M. Carmelo, 2000, pp. 145-155 17 - Cf. Manuela Silva, Dos gestos solidários à s polÃticas nacionais, in Rev. Fátima Missionária, Outubro de 2008 18 - Jo 3, 28-30
Diocese de Portalegre-Castelo Branco