“Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” – escreveu São Paulo na Carta aos Gálatas (2, 20), como síntese máxima da sua vida e testemunho da sua identificação com Cristo. É com estas palavras, de significado tão rico e tão profundo, proclamadas hoje e aqui, na Catedral do Funchal, que damos início à celebração do Ano Jubilar comemorativo dos dois mil anos do nascimento de São Paulo, colocado pelos historiadores entre os anos 7 e 10 depois de Cristo.
O Ano Jubilar Paulino, proposto à Igreja Universal pelo Papa Bento XVI e assumido pela Conferência Episcopal Portuguesa, decorrerá de hoje até ao dia 29 de Junho do próximo ano de 2009. Como poderia a nossa Igreja do Funchal ficar insensível aos apelos do Papa e às propostas da Conferência Episcopal?
Fazendo-me eco de todas essas interpelações e da auscultação realizada em diversas instâncias eclesiais, também eu dirigi à Diocese a Mensagem Pastoral “Ai de mim, se não evangelizar” (1Cor 9,16), com indicações muito concretas para um programa diocesano do Ano Jubilar, para as quais peço, de novo, a atenção de todos os sacerdotes, membros dos Institutos de Vida Consagrada e Leigos, pessoalmente e nas instituições em que se integram.
Durante um ano caminharemos com São Paulo, para que Cristo viva também em nós, para que possamos construir com Cristo e em Cristo a nossa vida e os nossos projectos. São Paulo ajudar-nos-á a ter um encontro vivo e apaixonante com Cristo. Poderá guiar-nos na obra da evangelização, como primeiro anúncio de Jesus Cristo; no aprofundamento da fé, em processo catequético; na vivência das celebrações; na fidelidade a Deus e no fortalecimento da esperança que não engana.
O Ano Jubilar Paulino será um ano de reflexão e de descoberta da vida e da mensagem do grande Apóstolo da Palavra, como caminho para, em Igreja, conhecermos e vivermos uma experiência de fé e relação com Cristo, que ilumine e encha de sentido a vida. Diz-nos o Papa Bento XVI: “Só Cristo pode preencher as aspirações mais íntimas do coração do homem; só Ele é capaz de humanizar a humanidade e de a conduzir à «divinização», isto é, à vivência plena da sua beleza”.
Um caminho de conversão pessoal
São Paulo pode ajudar-nos a fazer caminho de variadas formas. Ele é para nós, antes de mais, um modelo de conversão. Tal como ele, também nós precisamos de um encontro com Cristo-Luz que ilumine as nossas vidas, para que as nossas palavras e gestos sejam, cada vez mais, palavras e gestos de Cristo em nós.
Como judeu zeloso, da escola de Gamaliel, Paulo considerava a mensagem dos discípulos de Cristo inaceitável e, por isso, sentiu a obrigação de os perseguir. No caminho para Damasco ele foi alcançado por Cristo: o perseguidor tornou-se o perseguido e foi encontrado! A partir daquele encontro tudo seria diferente, o que antes constituía para ele um valor tornou-se perda e lixo. A partir daquele momento todas as suas forças foram colocadas ao serviço de Cristo e do Evangelho da Esperança. Agora a sua vida será a de um apóstolo desejoso de se fazer tudo para todos, para salvar alguns a todo o custo (cf.1Cor 9,22).
São também para nós estas palavras de São Paulo aos Romanos: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para saberdes discernir, segundo a vontade de Deus, o que é bom, o que Lhe é agradável, o que é perfeito” (Rom 12,2).
Celebrar São Paulo é, pois, aceitar o desafio de mudar a própria forma de pensar e viver. Esta nova vida, o culto cristão, engloba todos os aspectos da existência, transfigurando-a: “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1Cor 10,31). É que o cristão é chamado a expressar a fé em cada acto da sua vida.
Descobrir e comprometer-se com a Igreja
Caminhando com São Paulo descobriremos a Igreja da qual fazemos parte e renovaremos o nosso entusiasmo missionário. Descobrir a Igreja será comprometer-se com ela e com Cristo, com um renovado ardor e sem medos. Será descobrir em nós talentos e carismas a partilhar e colocar em acção para o bem de todos. Será fazer a experiência de Cristo ressuscitado na celebração comunitária da fé, no anúncio e no serviço.
Para São Paulo foi decisivo conhecer a comunidade daqueles que se diziam discípulos de Jesus, através dos quais tinha tomado conhecimento de uma nova fé e de um novo caminho. Depois de ser baptizado por Ananias, Paulo passa a conceber a sua missão como um edificar contínuo da Igreja-Comunidade, que Jesus Cristo deseja e ama. Nas suas viagens vai sempre acompanhado. A Igreja não é apenas uma pessoa: ela identifica-se com Cristo, é o próprio Corpo de Cristo (cf. Rom 12,15). Jamais São Paulo poderá esquecer as palavras de Cristo ao identificar-Se com a Igreja: “Eu Sou Jesus a Quem Tu persegues” (Act 26,15). Perseguir os cristãos é perseguir o próprio Cristo.
Com São Paulo descobriremos a Igreja que nós somos e formamos. Na caminhada da vida cristã ninguém vai só, mas cada um terá de descobrir-se integrado e membro activo da comunidade que é a Igreja viva. Abrem-se, assim, caminhos de corresponsabilidade na missão da Igreja, em que todos temos de participar, segundo a graça e o ministério que nos é dado. É urgente ousar cada um comprometer-se com Cristo ao serviço do mundo, na comunhão da Igreja!
“Ai de mim, se não evangelizar!” (1Cor 9,16)
Caros irmãos e irmãs, como nas origens, também hoje Cristo precisa de apóstolos disponíveis e prontos a sacrificar-se a si mesmos, a dar a vida pela causa do Evangelho. Precisa de testemunhas e de mártires como São Paulo: ele é modelo de evangelizador, viveu e trabalhou por Cristo, por Ele sofreu e morreu. Como é actual, hoje, o seu exemplo!
Celebrar São Paulo é celebrar a missão e partir com um renovado alento e uma grande confiança n’Aquele que nos chama e nos envia. É descobrir caminhos novos para levar o Evangelho da Esperança e novo ânimo aos homens e mulheres do nosso tempo. Não podemos limitar o anúncio de Jesus Cristo àqueles que já são Igreja, mas temos de ousar ir mais longe nas propostas que fazemos, sabendo ler nos corações a necessidade e o desejo da salvação.
Uma Igreja que não der Cristo dá muito pouco, porque a sua missão fundamental é dar Cristo ao mundo! Só Cristo é a felicidade que buscamos. Só Ele nos espera quando nada do que encontramos nos satisfaz. Só Ele é a beleza que nos atrai. Só Ele lê no coração a verdade das nossas decisões. Só Ele suscita o desejo de fazer da nossa vida algo de grande, de belo e de bom. Cristo ama-nos e entregou-se por nós, derrama o Seu Amor em nossos corações.
“Eu sei em quem pus a minha confiança” (2Tim 1,12)
Mas qual é a origem deste zelo, deste ardor, desta força missionária? – Pelas suas Cartas, sabemos que Paulo não era um orador hábil; parece, aliás, partilhar com Moisés e com Jeremias a falta de talento oratório. "A sua presença corporal é débil e a linguagem desprezível" (2Cor 10,10), comentavam sobre ele os seus adversários. Por conseguinte, os extraordinários resultados apostólicos que conseguiu não podem ser atribuídos a uma brilhante retórica ou a simples estratégia apologética e missionária.
O sucesso do seu apostolado depende sobretudo de um envolvimento pessoal no anúncio do Evangelho, com total dedicação e confiança em Cristo que o chamou; dedicação e entrega que não temia riscos, dificuldades e perseguições: "Nem a morte, nem a vida – escrevia São Paulo aos Romanos – nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Rom 8,38-39).
“Eu sei em Quem pus a minha confiança” (2Tim 1,12). Ele sabe em quem pôs a sua confiança. Ele sabe que o Senhor esteve ao seu lado e deu-lhe força, para que, por seu intermédio, a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada (segunda leitura).
Pela experiência e testemunho de São Paulo, podemos concluir que a acção da Igreja só é crível e eficaz, na medida em que os que dela fazem parte estiverem dispostos a viver pessoalmente a sua fidelidade a Cristo, em todas as situações. Só na disponibilidade e na entrega confiante ao Senhor e à Sua Palavra poderemos construir e avançar, porque sem Cristo nada podemos (cf.2Cor 11, 30). Só n’Ele teremos a força e a motivação suficientes para lutarmos até ao fim contra o pecado e todas as manifestações do mal (cf.Heb 12,4).
“Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?” (Rom 8,35)
Também nós somos chamados, nesta caminhada com São Paulo, a descobrir donde brota todo o ardor e a força do seu compromisso: o poder do amor, que é dom de Deus em Cristo. Esta força do amor e a confiança n’Aquele em quem acreditou é que levam São Paulo a suportar trabalhos, fadigas, sofrimentos, privações, perigos e a própria morte, a ponto de ele se interrogar: “Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?” (Rom 8,35). Nada nos poderá separar do amor de Cristo. Nada, mesmo nada! Nem a tribulação, nem a angústia, nem a perseguição, nem a fome, nem a nudez, nem o perigo, nem a espada. “Porque se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rom 8,31).
Foi a descoberta deste amor que deu novo rumo à vida de São Paulo e o sustentou em todos os momentos da vida. É a experiência da gratuidade do amor de Deus que nos fará testemunhas credíveis do Evangelho de Cristo.
Igreja do Funchal, povo cristão da Madeira e do Porto Santo, aceitemos os desafios deste Ano Jubilar Paulino e lancemo-nos, sem medo, na ousadia de uma nova evangelização, com iniciativas diversas de catequese e formação pessoal, com um esforço grande de aprofundamento do sentido de fé das nossas tradições religiosas, com projectos e programas pastorais de resposta às necessidades concretas da nossa gente, iluminados pelo Evangelho e pelas suas aplicações na Doutrina Social da Igreja.
Prece final
Maria, Senhora do Monte, nossa Padroeira, a Rainha dos Apóstolos, que invocamos com confiança, obtenha para os cristãos o dom da plena unidade e de renovado ardor na missão. Com a sua ajuda e seguindo as pegadas de São Pedro e de São Paulo, cuja solenidade litúrgica celebramos, possa a Igreja oferecer ao mundo de hoje o testemunho da unidade, da dedicação corajosa ao Evangelho de Cristo e do compromisso do amor fraterno, na atenção e ajuda aos que mais precisam de apoio e sentido para a vida!
Iluminados pela palavra de São Paulo, imploremos a sua intercessão para o Ano Jubilar que hoje começa, confiando-lhe toda a nossa Diocese e dizendo: São Paulo, rogai por nós!
Sé do Funchal, 28 de Junho de 2008
† António Carrilho, Bispo do Funchal