Homilia de D. Carlos Azevedo na entrega das «Velas da Paz», em Fátima
Jesus é luz para educar o nosso olhar e fazer-nos profetas da esperança.
É impressionante a resposta de Jesus aos enviados de João Baptista. Jesus não responde quem é, porque é sempre mais forte algo que se descobre por si. Jesus pede que abram os olhos para repararem no que está a acontecer.
Os sinais dos tempos novos são: a possibilidade de ver, de ver saídas, de descobrir por onde anda Deus; a possibilidade de caminhar, de dar passos urgentes; a possibilidade de ouvir, de escutar e dialogar. São os sinais de que está presente o Reino de Deus, isto é os valores perenes em execução quotidiana.
Tantas vezes, como na actual situação, não se vê logo, as coisas não andam, a vida não corre, ninguém se ouve de modo a guardar no coração. Como ser aqui profeta da esperança? Nesta hora europeia, onde se dá o ultimo suspiro de um mundo velho, próximo de desaparecer!
A esperança não se fundamenta na abundância de bens. O que endireitará o caminho do futuro será o afastamento firme de mentiras tortuosas da contabilidade, de contracurvas financeiras, de paraísos que são inferno para a economia real, de descrédito da poupança, da perda dramática da confiança, de atentados à criação. O que nos permitirá não ser cana agitada por qualquer vento de crise será uma educação consistente, uma justiça eficaz e pronta, uma ética rigorosa no controle do Estado. A situação precária haveremos de mudá-la em estável. Deus, por Jesus, acompanha-nos nas lutas e no empenhamento de libertação até ao último dia.
A esperança que nos ilumina jorra de um Deus libertador da escravidão dos poderosos, esquecidos de que serão eles as vítimas da pobreza em que nos deixam. É muito curta a visão dos que se julgam acima dos desempregados porque terão de trabalhar para os sustentar. Caem na própria rede os que não esclarecem a sua posição sobre a salvaguarda do ambiente e da criação. Há-de vir um momento e não tardará, em que, como nos tempos antigos, se saldem todas as dívidas e se recomece de novo, como em ano jubilar.
Para já, a esperança empenha a nossa vontade em libertar de perigos a estrada futura, em exigir uma política que não profane a dignidade de nenhum cidadão, que não crie desolação em quem constrói, na proximidade dos pobres, vias de promoção humana: no ensino, na saúde, no apoio às crianças e aos mais idosos.
Repartir o trabalho, regressar à agricultura, optar pela austeridade, no estilo de vida, serão hoje sinais claros da liberdade.
S. Tiago exorta-nos à esperança paciente do agricultor. Este tem a sabedoria de saber esperar, vigiando. Planta e não vai logo colher. Espera e cuida. Toma medidas adaptadas e por isso aguarda a boa colheita.
A esperança cristã é como a dos profetas, está munida da paciência da distância, que vê ao longe, sem miopia. O nosso olhar sobre os outros e sobre a nossa vida, sobre o futuro da humanidade, é tantas vezes curto e por isso agigantámos, damos muita importância a coisitas pequenas e não reparamos na grandeza dos pequenos gestos, dos pequenos passos, do poder da escuta disponível dos outros.
Jesus educa-nos o olhar para não nos queixarmos dos outros, mas para vermos as próprias responsabilidades. Educa-nos para não classificarmos logo os outros, sem reparar no bem que operam. Educa-nos para não desanimarmos à primeira dificuldade e resistirmos porque vemos mais adiante. Deus infunde coragem, liberta a mente de perspectivas erradas, sara a origem das decisões, retira o medo.
Jesus Cristo é luz a suscitar em nós, seus seguidores, capacidade de sofrer, de passarmos por sacrifícios em nome de um futuro melhor. Jesus é também caminho, rasga caminho com a sua luz. É com alegria que percorremos este caminho novo, aberto por Jesus graças ao seu dom, ao seu amor até ao fim. Gente atada, sem pés para ir ao encontro de situações difíceis e sem liberdade para descobrir caminhos, não é acolhedora plena de Jesus.
Se para alguns de nós Cristo já é luz, reparemos que é também caminho e lancemo-nos nas tarefas urgentes de renovar todas as coisas. O Messias, esperado e já presente, depois de nos conceder o dom da cura da falta de visão, desata os nossos pés e faz-nos ouvir a Palavra reconfortante, para não perdermos a luz e a energia do caminho. Este reconforto escuta-se, seja na Palavra de Deus, seja na voz do irmão que encoraja ou na voz do irmão que pede auxílio. São os dons da vinda salvadora de Jesus.
Quem dera possamos responder a quem hoje nos pergunta quem é Jesus, com a mesma clareza de Cristo. E temos também, na Igreja e fora da Igreja, muitos sinais para atestar que a Palavra se continua a fazer carne em tantos que entregam a vida pelos irmãos, na força inspiradora do Espírito Santo.
Acolhamos o apelo da Cáritas Portuguesa e acendamos na nossa janela uma vela, na noite de Natal. Digamos uns aos outros, por esse gesto simbólico o nosso compromisso em pôr toda a criatividade e energia no atenuar o flagelo do desemprego, que mutila a qualidade humana de tantas pessoas.
A salvação anunciada passa pelos sentidos que habilitam para a vida social: capacidade de ver, ouvir, caminhar. Celebremos com alegria a presença misteriosa, mas real, da salvação. O Natal aproxima-se, o Senhor há-de vir para que a visão seja luz, os passos sejam canto novo e a audição seja eternidade de louvor.
Alegremo-nos porque a salvação de Deus está a chegar. Agradeçamos o que já, por graça e dom, vemos, ouvimos e percorremos. Esperemos com determinação construtiva e caridade paciente o que nos falta. Vem, Senhor Jesus.
+ Carlos A. Moreira Azevedo,
Presidente da Comissão Episcopal de Pastoral Social
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