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Homilia de D. Jacinto Botelho, Bispo de Lamego, no Dia Nacional da Caritas

D. Jacinto Tomás Botelho
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A diocese de Lamego tem o privilégio de este ano ter sido escolhida para a realização das comemorações oficiais do Dia Nacional da Caritas. Saúdo cordialmente todos os presentes: a Presidência Nacional na pessoas do seu presidente, Prof. Eugénio da Fonseca, a Delegação da Diocese de Salamanca, e os Delegados Diocesanos do Algarve, de Aveiro, de Braga, da Guarda, de Lisboa, de Santarém, de Setúbal, de Vila real e de Viseu, sem esquecer os da nossa Diocese de Lamego, e demais participantes nesta Eucaristia, bem como os amigos radiouvintes da Rádio Renascença que através da emissão se sentem ligados particularmente a nós. Vivemos hoje o 3º Domingo da Quaresma, tempo favorável para testemunhar com mais diligência a caridade fraterna, como nos adverte o primeiro prefácio desta época litúrgica. A caridade é a expressão essencial da autenticidade da vida da Igreja. Todos saberão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros. Como afirmou João Paulo II, na Exortação Novo Millennio Ineunte, comentando o texto do Juízo universal, centrado no cumprimento das obras de misericórdia, “nesta página do Evangelho (que Sua Santidade apelidou de página de cristologia), não menos do que o faz com a vertente da ortodoxia, a Igreja mede a sua fidelidade de Esposa de Cristoâ€. Quero testemunhar à Caritas Nacional e de cada Diocese o melhor apreço e reconhecimento pelo esforço que vêm desenvolvendo para suscitar comunidades de cristãos com o rosto das primitivas, fundadas pelos apóstolos, caritativas, generosas e solidárias. Necessitamos de sensibilizar-nos para a convicção de que o testemunho cristão ou passa por gestos visíveis de caridade, fundamentados no amor de Deus e dos irmãos, ou não somos nada, na expressão Paulina que serve de lema à celebração que estamos a viver: se não tiver caridade, nada sou. Mas debrucemo-nos sobre a Palavra de Deus que acabamos de ouvir. A primeira leitura é a apresentação do Decálogo, dado por Deus a Moisés. Bento XVI, considerando o contexto em que o Livro do Êxodo a situa, depois da referência à libertação do Povo de Israel, afirma que “o Decálogo deseja ser uma confirmação da liberdade conquistadaâ€, a qual o Senhor quer estabelecer com um pacto de aliança, expressão da Sua bondade misericordiosa. “O decálogo é testemunho dum amor de predilecçãoâ€. Recordamo-nos, do tempo da catequese, da conclusão, que sempre recitávamos com os mandamentos da Lei de Deus: estes dez mandamentos resumem-se em dois que são: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. É a resposta do homem à centralidade amorosa de Deus solenemente aqui afirmada também: Eu sou o Senhor teu Deus, Deus que nos liberta e quer a nossa felicidade. Parafraseando sua Santidade, poderíamos dizer: os «não» dos mandamentos são outros tantos «sim» ao crescimento deste amor. Deus está do nosso lado. E nós? Temos consciência desta benemerência divina? Procuramos o lado de Deus? Não mereceremos a admoestação do Senhor: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim? A referência para o comportamento que nos é pedido é a Paixão e Morte do Senhor. O sacrifício de Jesus no alto do calvário é a expressão máxima do amor de Deus, que, entregando-se por nós, se faz extremamente pobre, extremamente frágil, extremamente servo, dando a vida para salvar a humanidade. Está aqui a eloquência de Deus que confunde e continua a baralhar os sábios deste mundo e a escandalizar os fanáticos da religião. O caminho do cristão, do discípulo de Cristo, não pode ser senão a adesão radical a Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas para aqueles que são chamados, poder e sabedoria de Deus, como nos ensinou S. Paulo com a Palavra que ouvimos e sobretudo com o testemunho da vida que neste seu ano temos particularmente meditado. Passa por aqui a autenticidade da vida cristã que o Senhor quis iluminar na expulsão dos vendilhões do templo. O zelo do Senhor pela Casa do Pai, tão expressivamente relatado no episódio do Evangelho é a condenação clara de todas as atitudes contemporizantes com um cristianismo de ritos somente exteriores, sem exigência, sem conversão. Está em causa a centralidade de Deus e a prioridade do amor, que não é compatível com expressões de arrogância, de prepotência, de ritos porventura solenes e espaventosos, mas vazios e estéreis. Recordo a expressiva reflexão de Bento XVI na sua primeira encíclica Deus É Amor: “Se na minha vida falta totalmente o contacto com Deus, posso ver no outro sempre e apenas o outro e não consigo reconhecer nele a imagem divina. Mas se na minha vida negligencio completamente a atenção ao outro, importando-me apenas com ser «piedoso» e cumprir os meus «deveres religiosos» então definha também a relação com Deus. […] Só a minha disponibilidade para ir ao encontro do próximo e demonstrar-lhe amor é que me torna sensível também diante de Deus. Só o serviço ao próximo é que abre os meus olhos para aquilo que Deus faz por mim e para o modo como Deus me ama.†A expressão de Jesus: pobres sempre os tereis convosco, pode querer significar a obrigação duma atitude permanentemente preocupada com os necessitados, que foram a prioridade das atenções de Jesus e o paradigma da nossa fidelidade de discípulos. O objectivo da celebração deste Dia Nacional da Caritas é chamar a atenção dos cristãos para esta expressão essencial do testemunho cristão. O momento que vivemos comporta circunstâncias peculiares e problemas sociais decorrentes da tão falada crise que tornam porventura ainda mais premente esta vivência. Felizmente muitos se vão apercebendo, também cada vez com mais convicção, de que a crise moral e de valores é mais grave ainda, e é a causa última da crise económico-social que se experimenta. Entremos no mundo que nos rodeia. Alarga-se o círculo dos que não têm um mínimo indispensável para sobreviver. Cresce o número dos desempregados com a redução drástica de postos de trabalho, e com os despedimentos massivos, eventualmente sem motivo justo e por mero oportunismo económico dos empresários, tudo isto, já com frequência, com a consequente realidade do desespero, porta aberta à violência. Poderíamos apresentar outras expressões de pobreza, antigas ou novas, como se exprime João Paulo II, enumerando-as: fome, guerra, analfabetismo, desespero por falta de sentido da vida, tentação da droga, solidão na velhice ou na doença, marginalização e descriminação social. A dimensão do problema atinge tal grau de acuidade que impondo, sem dúvida, uma resposta pessoal generosa, reclama organização para um serviço comunitário ordenado. É Bento XVI que no-lo recorda: “O amor do próximo, radicado no amor de Deus, é um dever, antes de mais para cada um dos fiéis, mas é-o também para a comunidade inteira, e isto a todos os níveis: desde a comunidade local passando pela Igreja particular até à Igreja universal na sua globalidadeâ€. Esta é a missão que a Caritas nacional e diocesana vem desenvolvendo com empenho e persistência. Chamo a atenção para a oportuna mensagem do Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, D. Carlos Azevedo, com as objectivas e muito realistas linhas de acção, valioso recurso de orientação programática que é importante reflectir. Gritou-nos João Paulo II na Exortação que é quase o seu testamento pastoral, Novo Millennio Ineunte: “É hora duma nova «fantasia da caridade», que se manifeste não só nem sobretudo na eficácia dos socorros prestados, mas na capacidade de pensar e ser solidário com quem sofre, de tal modo que o gesto de ajuda seja sentido, não como esmola humilhante, mas como partilha fraterna. Por isso, devemos procurar que os pobres se sintam em cada comunidade cristã, como «em sua casa».†Estimulante desafio para implantar o Fundo Paroquial em que a nossa Caritas Diocesana está particularmente empenhada. Que a Mãe do Céu, Senhora dos Remédios, Mãe da santa Esperança, nos suscite a medicina eficaz que faça das nossas Dioceses e cada uma das suas paróquias a casa e a escola de comunhão.


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