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Homilia de D. Jorge Ortiga no encontro da festa de Cristo Rei

D. Jorge Ortiga
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«O mundo é o Reino de Cristo»

Ao celebrar, na conclusão do Ano Litúrgico, a realeza de Cristo não podemos supor que tudo acontece no âmbito da interioridade. O Reino de Deus integra a dimensão terrena como compromisso efectivo para um mundo de fraternidade universal. A actual situação mundial, que Portugal também experimenta, pode significar um deficit de atenção ao espiritual e, simultaneamente, uma ausência dos cristãos nesta corresponsabilidade de transformar as realidades terrestres. O cristão encontrando-se com Cristo, deve assumir o Seu projecto libertador e fazer com que ele permeie as realidades humanas. Se hoje procuramos tomar consciência, como comunidade arquidiocesana, da importância do agir laical, duma maneira associada, devemos “romper†com o tradicional compromisso a nível interno das comunidades, para situar-nos a sua acção e vocação no mundo do humano como espaço onde os leigos vivem, dum modo preferencial. O Compêndio da Doutrina Social da Igreja é elucidativo quando afirma: “ A Doutrina Social da Igreja apoia e ilumina o papel das associações, de movimentos e dos grupos laicais empenhados em vivificar, de modo cristão, os vários sectores da ordem temporal.†“A comunhão eclesial, já presente e operante na acção do indivíduo, encontra uma expressão específica no operar associado dos fiéis leigos, isto é, na acção solidária que eles desenvolvem ao participar responsavelmente na vida e na missão da Igreja†(C.D.S.I. 549, C.L.29). Compete, por isso, ao agir associado, vivificar os diversos ambientes com o contributo imprescindível da mensagem cristã. Como nunca a Igreja necessitou de leigos empenhados e responsáveis pelas diversas dimensões do seu serviço pastoral. Só que não nos podemos refugiar nestes âmbitos e esquecer que existimos para ser fermento e sal duma sociedade que queremos nova. Daí que nada do que é humano nos é estranho e somos enviados a todos os ambientes como Cristo que escandalizou muita gente quando se encontrava com pessoas de ambientes não sagrados e aproveitava tudo para as interpelar e questionar. Hoje, ultrapassado que foi o período de cristandade onde o espírito cristão impregnava tudo, não só não podemos ter medo do encontro com as realidades terrestres mas teremos de assumir que elas necessitam do essencial evangélico. Os cristãos, individualmente ou em grupo e como cidadãos guiados pela consciência cristã, devem, por isso, trabalhar para melhorar os contextos sociais, fazendo-o através da “oração, da reflexão e do diálogo†(C.D.S.I. 550). Neste processo há uma mentalidade nova que se cria e não aceitamos o absentismo reinante de deixar correr como os outros pretendem. A mensagem que nos orienta é diferente e incómoda, mas não nos dispensa, por inércia ou medo, de intervir. Vivificar a ordem temporal passa por um esforço em conhecer os seus meandros e para uma intervenção corajosa e devidamente orientada. Existem realidades que não podemos ignorar para disfarçar. Daí que entrar nos caminhos da sociedade hodierna se torne imperioso para a Igreja, através dos leigos que vivem uma responsabilidade própria. O conhecer nunca deve ser mera curiosidade. Urge partir para a denúncia quando oportuna e devidamente pensada e para o empenho na solução dos variadíssimos problemas que estão a deturpar a vida humana. Se muitas vezes nos alheamos, não querendo conhecer e vivendo distraídos, muitas outras nos resignamos a que os outros resolvam por nós. O Evangelho não permite deleguismos e ignorâncias culpáveis. Não podemos celebrar a Festa de Cristo-Rei sem uma referência a S. Paulo. Também ele se sentiu enviado para fora do âmbito dum judaísmo formal. Como apóstolo dos gentios está a dar o exemplo para avançar para outros campos de iniciativa e partir, com ousadia, para caminhos novos a que não estamos habituados. Deste modo a celebração da Festa de Cristo-Rei reveste-se duma novidade nunca experimentada, mas que é chegada a hora de a concretizar. 23-11-08 † D. Jorge Ortiga, A.P.


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