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Homilia de D. José Policarpo na beatificação da Madre Maria Clara do Menino Jesus

D. José Policarpo
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«A Santidade é a identidade do cristão»

1. Reunimo-nos hoje, aqui, para celebrarmos a proclamação da santidade de uma cristã, nascida e baptizada na nossa cidade de Lisboa, a Madre Maria Clara do Menino Jesus. Esta proclamação, feita com a autoridade apostólica de Sua Santidade Bento XVI, aqui representado por Sua Eminência o Cardeal Angelo Amato, Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, lembra a todos os cristãos da Igreja de Lisboa, de modo particular às Irmãs da Congregação que fundou, que a santidade é a meta da vocação cristã; ela exprime a identidade profunda do cristão.

Esta proclamação garante-nos, com a autoridade apostólica da Igreja, que Madre Maria Clara, no termo da sua peregrinação terrena, ouviu de Cristo, a porta de todo o caminho de santidade, aquele convite que o próprio Jesus anunciou: “Vinde, benditos de meu Pai; recebei como herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo” (Mt. 25,34).

2. A santidade é uma experiência humana que só Deus conhece. Na oração eucarística, a Igreja repete continuamente: “Vós, Senhor, sois verdadeiramente Santo, sois a fonte de toda a santidade”. Ser Santo é viver a vida numa progressiva identificação com Cristo que nos introduz no mistério do amor trinitário. Só mergulhando nesse mistério insondável do amor divino, se pode viver santamente a vida. Esse mergulhar no mistério de Deus, transforma toda a nossa vida. É por isso que Deus Pai, depois de nos unirmos ao seu Filho Jesus Cristo, no baptismo, nos comunica o dom do Espírito Santo. Receber o Espírito Santo é aceitar e desejar que a voragem do amor divino transforme toda a nossa vida. Se Cristo é a porta da santidade, o Espírito Santo é a força que a realiza. Ser Santo é deixar que toda a nossa vida seja obra do Espírito Santo.

A santidade de um cristão é uma realidade tão densa como o mistério de Deus. Só Deus conhece como ela se exprimiu em cada um. O que foi a vida de santidade desta cristã, só Deus o conhece. Como o amor de Deus a envolveu e se transformou em força para amar. Os momentos mais fortes viveu-os, certamente, no silêncio da sua adoração e é, também, no silêncio adorante, que acolhemos o dom desta vida santa, fecunda para toda a Igreja, porque no amor de um santo exprime-se a fecundidade de amor com que Deus continua a amar o mundo, no seu Filho Jesus Cristo.

3. Mas se a santidade de um cristão é um segredo que só Deus conhece, ela é sempre, na Igreja, um sinal do Reino de Deus, do Povo do Senhor, que Ele santifica com o seu amor. A santidade de cada cristão edifica a Igreja, contribui para que ela seja a “Santa Igreja de Deus”. A maneira como um santo vive é sempre uma interpelação à fidelidade e à santidade. Como Jesus disse aos discípulos, “pelos frutos se conhece a árvore”. Um Santo é, pela sua vida, um testemunho de que o Reino de Deus é possível. A santidade de um cristão chega até nós através do seu testemunho de vida, que nos abre para o mistério da santidade vivida no silêncio de Deus.

Não há dois santos iguais. Sendo uma resposta pessoal a um apelo contínuo do amor, envolve a história pessoal de cada um, os dons pessoais com que foi criado, a sua resposta aos apelos concretos das circunstâncias, do tempo e da história. Um Santo exprime sempre a actualidade do amor de Deus na história dos homens e nas circunstâncias concretas de cada tempo. Como diz São Paulo, são muitos e variados os dons, um só é o Espírito que os unifica a todos na construção do Reino de Deus.

Nesta variedade da santidade pessoal há coordenadas comuns que levam todos os caminhos humanos de fidelidade a cruzarem-se em Cristo, o primeiro Homem a viver plenamente a santidade de Deus. Todos os caminhos de santidade supõem sempre um seguimento de Cristo, a identificação com Ele, a imitação de Cristo. “Tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus” (Fil. 2,5), foi o desafio de Paulo aos Filipenses. E só na intimidade com Ele, que nos oferece em cada Eucaristia, podemos penetrar no insondável desses sentimentos. Ele que, sendo Deus, se humilhou à condição de servo, para fazer dos escravos, filhos.

A verdade da sua relação filial com o Pai inspira todos os seus sentimentos durante a sua missão humana. A sua fidelidade à missão exige que a sua vontade humana se conforme sempre à vontade do Pai; sem deixarem de ser duas vontades, exprimem-se como se fosse uma só. E essa vontade tem um objectivo, o de que todos os homens se salvem. A vida torna-se, inevitavelmente, um dom pelos outros.

Um outro sentimento de Jesus é a sua predilecção pelos pobres e aflitos, com os quais se identifica. O Santo é chamado a amar os pobres e aflitos como se fossem o próprio Cristo. Essa atitude, vitória sobre todos os egoísmos, triunfo da gratuidade do amor, guardada no silêncio de Deus, tornar-se-á explícita no juízo final: “Em verdade vos digo, o que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes” (Mt. 25, 45). O Santo torna-se, assim, no concreto da vida das pessoas, “o rosto da ternura e da misericórdia de Deus”.

4. Acabo de usar a expressão com que a actual Superiora Geral das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras, definiu Madre Clara: ela fez sentir a ternura de Deus. Libânia do Carmo, que tomou em religião o nome de Clara do Menino Jesus, nasceu num tempo singular e sentiu os desafios de ser cristã e de ser Igreja, numa sociedade cultural e politicamente a afastar-se do ideal cristão. As crises sociais e as epidemias da peste indicaram-lhe os pobres como destinatários do seu amor. Mas não esqueçamos a sua ousadia missionária e a sua firmeza, mostrada perante todas as dificuldades com que se foi deparando. E as que encontrou no seio da sua própria família religiosa não foram, certamente, as mais fáceis. Mas não desistir é apanágio dos santos.

Fundou uma Congregação Religiosa. Na segunda metade do séc. XIX, em Portugal, foi ousadia notável. Não copiou nenhuma já existente, pois queria responder ao momento que então se vivia. Percebeu que a mulher que quer ser santa é chamada a ser uma explosão do amor de Deus, aquele amor que transforma o mundo.

Às Irmãs da Congregação que fundou, ela lança um desafio: sejam hoje o que a circunstância concreta do sofrimento humano exige de vós. E a todas as nossas jovens, que pertenceis à mesma Igreja de Madre Clara, ela lança um desafio: se quereis ser santas, deixai que a vossa vida seja uma explosão do amor de Deus. Respondei aos desafios do momento presente; transformai as formas antigas, inventai formas novas, se for preciso. Escutai a voz do amor, o que o mesmo é dizer, escutai Jesus Cristo, deixai-vos transformar pelo Espírito Santo e digamos com esperança: bem-aventurada Madre Clara, intercedei por nós.

D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa
Estádio do Restelo, 21 de Maio de 2011

 



Irmã Maria Clara do Menino Jesus (1843-1899)