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Homilia de D. Manuel Clemente na Missa de encerramento do Congresso Nacional da ACEGE

D. Manuel Clemente
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Encerra-se o 4º Congresso Nacional da Associação Cristã de Empresários e Gestores com a Santa Missa do 2º Domingo da Páscoa. Quer isto dizer que não se “encerraâ€, antes se prolonga, pois assim é toda a Missa, que nos envia a testemunhar a vida ressuscitada que nos oferece. O Congresso teve precisamente como tema “Empresários e Gestores: Missão e Valores perante os desafios de hojeâ€. É de “missão†que se trata, outro modo de dizer envio. Daqui partireis decerto mais convictos de que no mundo da empresa e da gestão se abre um campo vasto, complexo e inadiável de missão, em tempos difíceis mas por isso mesmo à altura da vossa criatividade e coragem. Como cristãos sabeis muito bem que essa é exactamente a fronteira aberta dos discípulos do Ressuscitado, que persistem e recriam, em constante Páscoa. Lembrava-nos o Evangelho que na tarde daquele dia – o dia da Páscoa que eles ainda não sabiam – os discípulos continuavam fechados em casa e com medo que lhes acontecesse porventura o mesmo que a Jesus, condenado e morto. Mas eis que Jesus “se apresenta†no meio deles e lhes dá a paz e o Espírito, para prosseguiram a sua obra de reconciliação, isto é, de recomeço geral das vidas e de todas as coisas. Caríssimos irmãos, é esta a experiência fundamental que fazemos em Igreja, em cada celebração eucarística, como estamos aqui e agora. Não há “portas fechadas†que impeçam Cristo de continuar connosco, para nos pacificar o coração e nos dar força bastante para a missão que temos. Força que é a do seu próprio Espírito, que recebe do Pai e partilha connosco. Espírito que criou o mundo e agora o ressuscita e recria em Cristo e nos que são de Cristo, para a felicidade de todos. É esta a missão. E, falando também de valores, o que mais “valeâ€, no sentido de poder e conseguir, é o Espírito de Cristo em vós, que vos dá coragem e lucidez para estardes activamente na primeira linha da reconstrução social, que tem na empresa e na gestão, como na economia em geral, um factor determinante. Mas o Evangelho ouvido adianta ainda outro importantíssimo ponto. Dizia que Tomé, um dos discípulos, não estava com eles naquela altura, não acreditando depois no que lhe contaram. Oito dias depois – ou seja neste 2º Domingo da Páscoa – “estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com elesâ€. Viu então Jesus e acreditou. Significa este trecho que a nossa reunião em nome de Cristo e dos valores evangélicos é condição indispensável, para “vermos†Cristo e a vida a partir de Cristo. É este o significado da Igreja como comunidade cristã onde ouvimos a Palavra de Cristo, experimentamos a sua presença e comungamos da sua vida e missão. É por isso que sois “Associação Cristãâ€, para que, na partilha mútua, ganheis o Espírito de Cristo, que vos inspirará na empresa e na gestão, como nos vários aspectos da vida, da família à sociedade e à cultura. Diria assim: tão simples como isto, tão imprescindível sobretudo. A sociedade portuguesa, atingida pela presente crise sócio-laboral, com reflexos tão preocupantes na vida das famílias e no futuro dos jovens e dos desempregados em geral, olha também para a Igreja, à espera de sinais concretos de proximidade e ajuda. Pessoalmente falando e estando ao serviço duma diocese muito atingida por falências e desempregos, tenho verificado a disponibilidade de muitas pessoas e instituições da Igreja nesse sentido: paróquias, institutos religiosos, associações, irmandades e grupos informais vão somando apoios às pessoas necessitadas, o mesmo se dizendo da Cáritas, da Obra Diocesana de Promoção Social ou das Conferências Vicentinas. Creio, no entanto, que associações como a vossa, caríssimos empresários e gestores, têm aqui um lugar fundamental e insubstituível, dada a especificidade dos problemas que enfrentamos no país, como além dele. Esta é uma ocasião irrecusável para a ACEGE, em termos de intervenção na sociedade portuguesa, como presença cristã, competente e generosa. E como competência “cristã†propriamente dita, com os valores que a inspiram, ou seja, o pensamento social cristão ou Doutrina Social da Igreja. A reflexão somada neste campo, sobretudo desde que a revolução industrial se expandiu, a par da organização política contemporânea e até à presente globalização, é efectivamente muita e diversificada. Mas o Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI), indispensável vade mecum para todo o empresário e gestor cristão, proporciona-nos um quadro geral de ideias e métodos para a missão que nos compete. Permiti-me que vos deixe uma brevíssima resenha dos pontos essenciais a ter em conta, porque também aqui se aplica a sentença de que “não há nada mais prático do que ter ideias clarasâ€. Especialmente na actual conjuntura, que, sendo de crise, deverá ser oportunidade para nos refazermos doutro modo, na sociedade, na economia e na mentalidade. A Doutrina Social da Igreja assenta em quatro “princípios permanentesâ€, que devem sustentar tudo quanto se pense e faça neste campo. São eles: a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade (cf. CDSI, nº 160). Não podendo referir agora tudo quanto inclui cada um destes princípios e valores básicos, que todo o empresário e gestor cristão há-de ter em conta nas suas iniciativas e decisões concretas, adiantarei apenas o seguinte: O respeito pela dignidade da pessoa humana concretiza-se, além do mais, em “considerar ‘o próximo', sem excepção como ‘outro eu’, tendo em conta, antes de mais, a sua vida e os meios necessários para a viver dignamenteâ€. Por isso, “é necessário que todos os programas sociais, científicos e culturais sejam orientados pela consciência do primado de cada ser humano†(cf. CDSI, nº 132). O bem comum entende-se como “o conjunto das condições da vida social que permitem, tantos aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição†(cf. CDSI, nº 164); daqui derivando, objectivamente, tanto a responsabilidade de todos – dos Estados aos cidadãos em geral - pelo seu alargamento quantitativo e qualitativo, como o destino universal dos bens, que a propriedade privada não deve contrariar antes valorizar, dado “o dever dos proprietários de não manterem ociosos os bens possuídos e de os destinar à actividade produtiva, também confiando-os a quem tem desejo e capacidade de os levar a produzir†(cf. CDSI, nº 178). Por seu lado, a subsidiariedade determina que “todas as sociedades de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda (subsidium) – e portanto de apoio, promoção e incremento em relação às menores†(cf. CDSI, nº 186). Nas actuais circunstâncias significará que o papel do Estado, gerindo as contribuições de todos, com especial atenção aos mais pobres ou empobrecidos, deve sobretudo estimular e apoiar tudo quanto a vitalidade social manifestar. Finalmente, a solidariedade, sendo um princípio social, “é também uma verdadeira e própria virtude moralâ€, qual “determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todosâ€, segundo uma incisiva afirmação de João Paulo II recolhida no Compêndio (cf. CDSI, nº 193). Caríssimos sócios da ACEGE, com estes princípios e valores partireis em missão. Retomareis o quadro ideal e tantas vezes procurado que São Lucas desenhou nos Actos dos Apóstolos, como ouvimos na 1ª Leitura, unindo os crentes na partilha dos bens: “A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma; ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum. […] Distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidadeâ€. Sabemos que este trecho bíblico foi glosado por vários movimentos sociais, nem sempre com a devida compreensão dele. Na verdade, não se tratava de imposição mas de conversão, unindo os “corações†e levando à partilha. Os aludidos princípios da Doutrina Social da Igreja, atendendo a cada um deles e conjugando-os entre si e na prática, levar-nos-ão aonde precisamos de nos reencontrar como sociedade portuguesa. Melhor e mais além. Para tal temos felizmente a altíssima figura de Nun’Ãlvares, o Santo Condestável agora canonizado. No tempo que vivemos, é muito estimulante aquela figura juvenil e determinada que verdadeiramente defendeu e refundou o país, como terra da nossa criação comum. Assim a tomava ele, ultrapassando antigos vínculos, menos “nacionais†e fundando em tempos de gravíssima crise uma “nova idade†em que Portugal deu ao mundo o melhor e mais surpreendente de si próprio. Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 18 de Abril de 2009 + Manuel Clemente, Bispo do Porto


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