“Saí do Pai, agora retorno ao Pai”
Irmãos e Irmãs em Jesus Cristo
1 - Páscoa é a festa fundamental da liturgia e do culto cristão. Todos os domingos e todos os sacramentos tem a sua origem na Páscoa. A pregação apostólica tem o seu núcleo na ressurreição de Jesus.
A bondade infinita de Deus projecta-se em toda a criação, a do mundo e a do homem. A Páscoa é o acto soberano de Deus que vence a morte, a dor e o sofrimento, e mostra-se Senhor da Vida, ressuscitando o Seu Filho Jesus e prometendo a nossa ressurreição.
A Páscoa é a festa das festas, o Dia que o Senhor fez. Celebrar a festa da Páscoa é incorporar-se no gesto soberano de Deus e dar graças, porque a vida é radicalmente boa, o mundo e as coisas que Deus criou são boas.
No domingo cristão celebra-se a Páscoa semanal, reconhecemos que tudo o que Deus fez é bom e daí brota a nossa atitude de louvor e acção de graças. A Páscoa não é apenas acontecimento do passado, ela é sinal e antecipação de um mundo novo, ela regenera a história do homem com a palavra de Jesus e a glória da sua ressurreição. Desta forma o domingo, que celebra a Páscoa, regenera o tempo e a história do homem.
Os três últimos dias da vida de Jesus constituem o centro do mistério pascal, mas de uma forma mais ampla todo o mistério de Cristo desde a encarnação até à morte é mistério pascal. Diz Jesus: «Saí do Pai e vim ao mundo. Agora deixo outra vez o mundo e vou para o Pai». (Jo. 16, 28). Estas palavras exprimem todo o mistério de Jesus Cristo, deixa o Pai e insere-se no mundo, ou seja na história humana, sofrendo a humilhação e a morte, na manhã de Páscoa regressa ao Pai que O glorifica e constitui Senhor.
Para haver festa convoca-se a comunidade, de uma forma jubilosa com um anúncio solene. Para o cristão só a boa nova do Evangelho é alegria universal, porque só a Páscoa de Jesus tem dimensão eterna, universal, cósmica. A festa é um tempo sagrado, traz-nos graça, salvação e torna-nos melhores, exprimimos a alegria de viver, dar, partilhar, comprometer-se com o bem comum.
O coração da fé
2 - Na recitação do Credo nós professamos: Creio em só Senhor Jesus... que por nós foi crucificado, padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras... Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há-de vir.
É esta a festa que hoje celebramos, é o coração da nossa fé. O fundamento é um facto acontecido na história da humanidade, mas as consequências são actuais, fazem parte do nosso presente como do nosso futuro.
Na 1ª leitura São Pedro, fala da Páscoa, como de um facto conhecido pelos habitantes de Jerusalém: «Vós sabeis o que sucedeu em toda a Judeia a começar pela Galileia... E nós somos testemunhas de tudo o que Ele (Jesus) fez. Ele, a quem deram a morte...Deus ressuscitou-O ao terceiro dia... e mandou-nos pregar ao povo... todo o que acredita n'Ele recebe, pelo seu Nome, a remissão dos pecados». (AA 10, 34 e ss).
S. Pedro narra a experiência extraordinária que teve, juntamente com os apóstolos, com um homem que foi flagelado, crucificado, morto e ressuscitou. Esta foi a catequese com a qual preparou um pagão, o centurião romano de Cesareia, para o baptismo. O discurso de São Pedro não é uma simples narração do que aconteceu na vida de Jesus, é também uma profissão de fé, uma proclamação do que a Igreja ensina.
Por causa destes factos, os primeiros cristãos de Jerusalém começaram a reunir-se para celebrarem no domingo uma refeição eucarística, para mostrar a presença de Jesus no meio deles e anunciar a sua participação futura na ressurreição de Jesus. O nosso domingo, que é a Páscoa semanal, é o dia em que nos reunimos como os apóstolos para o banquete do ressuscitado, para participar nos frutos da sua morte e ressurreição.
São Paulo, na Carta aos cristãos da cidade grega de Colossos, mostra as implicações da realidade da ressurreição na vida dos crentes. Pelo baptismo, diz o apóstolo, «Vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus» (Col. 3, 3).
Eis a nova realidade, o cristão pertence já a Cristo ressuscitado. Tendo morrido para o pecado já participa da condição do ressuscitado. Por isso devemos procurar as coisas do alto. Não se trata de fugir ou abandonar o mundo, mas de pensar e agir de uma forma diferente, rejeitando a avareza, o vício, a violência e aderir às novas realidades de pessoas salvas, chamadas à santidade e comunhão com Deus.
Que tinha o túmulo para ver, quando Maria Madalena e as outras duas mulheres, vão de manhã cedo para completar aquele acto de piedade que não foi possível realizar na sexta feira no Calvário? Não havia nada para ver, estava vazio. Mas para um olhar mais atento havia uns sinais reveladores. A pedra tinha sido retirada do sepulcro, a mortalha estava lá dentro, o lençol que embrulhara o corpo do Senhor estava enrolado noutro sítio e portanto exclui-se a hipótese de um roubo como pensava Maria Madalena.
Os dois discípulos, Pedro e João alertados pela Maria Madalena correm ao sepulcro, chegam e não encontram o corpo do Senhor. Pedro não sabe o que pensar, João, o discípulo amado, viu e acreditou na ressurreição. Este ver e crer constitui o centro e o cume do Evangelho da Ressurreição.
O discípulo João, com o seu amor intuitivo, é o primeiro a compreender os sinais da Ressurreição. Pedro que, na manhã de Páscoa já aparece como o Chefe, descobre a verdade mais lentamente, e em contacto com o Jesus das aparições, a sua fé vai tornar-se forte de maneira a entregar toda a sua vida e a sua morte por Jesus.
A fé permite interpretar aquela situação do túmulo vazio e recordar que o Senhor já tinha antes anunciado, que devia ressuscitar dos mortos.
Aquela primeira Páscoa foi a origem de todas as outras Páscoas. «Morrendo destrui a nossa morte e ressuscitando restaurou a vida». A liturgia da Páscoa imprimiu em nossos corações aquilo que já sabemos, a eucaristia é penhor de vida eterna, da nossa ressurreição futura.
O terror à nossa porta
3 - Este ano, a alegria pascal é ensombrada pela violência na Terra Santa, o recrudescer da guerra no Iraque e o medo que atravessa o continente europeu depois dos trágicos acontecimentos do 11 de Março em Madrid. O terrorismo, que parecia estar longe, semeou o pânico em Nova Iorque e agora na vizinha Espanha, mostrou como todos somos vulneráveis e como é preciso unir todas as forças para construir a paz e feliz convivência entre os homens e os povos. As bombas de Madrid escavaram na consciência colectiva um profundo sentido de falta de segurança e de medo. Surgiu então a desconfiança recíproca. Quem sabe se o estrangeiro que vive ou trabalha junto de mim e da minha casa não é um terrorista?
Disse o Papa, após os acontecimentos de Madrid, que «todos os homens devem sentir-se empenhados a trabalhar para a edificação de um mundo mais fraterno e solidário, não obstante a dificuldades e os obstáculos que se possam encontrar».
Para construir a Paz necessitamos de um coração que se abre ao amor, ao perdão e ao respeito dos outros. Os dramas dolorosos que atravessam a história do nosso mundo e, principalmente, os do Médio Oriente, mostram que todos devem rever e melhorar comportamentos e mentalidades, ou seja converter-se, mudar de atitudes.
Os bispos da região da Itália, da Toscana, reflectindo sobre os acontecimentos de Madrid escreveram que: «não se podem recordar os seguros valores e direitos do Ocidente sem verificar ao mesmo tempo as suas culpas históricas, as injustiças feitas ou toleradas, as mentiras ideológicas difundidas no mundo, o egoísmo praticado no plano da sua política e da sua economia interna e internacional, as suas divisões culpáveis». A guerra como afirmou o Papa João Paulo II «não resolve mas complica os problemas».
A onda de terror que se abateu sobre a Espanha, país irmão e nosso vizinho, pode suscitar uma reacção irracional contra o «estrangeiro» que pode chegar à agressividade e à discriminação, principalmente contra a comunidade muçulmana. A indignação popular, legítima perante tantas mortes e lutos, não autoriza uma reacção cega e feroz contra todos os cidadãos inermes e inocentes.
O terrorismo pode colher adeptos em todas as comunidades, mesmo entre os cristãos. Temos de trabalhar por uma convivência serena e pacífica, condenando todos os sentimentos de anti-semitismo, xenofobia e falta de respeito por qualquer tradição ou até sinais de outra cultura religiosa. Os acontecimentos dramáticos dos últimos tempos devem ser lidos à luz da fé e da ressurreição de Jesus Cristo. Só o amor e o perdão vencem sempre.
Cada pessoa tem direito a viver na normalidade. É preciso educar para a paz e instituir políticas de paz. A paz não é um estado natural para o ser humano, mas o resultado de um empenhamento, de uma fadiga, de um sofrimento, ela avança com pequenos passos e conquistas fatigantes. A verdadeira paz é um dom de Deus, é um fruto saboroso da ressurreição de Jesus Cristo.
A toda a comunidade cristã da Diocese do Funchal, tanto a residente na Madeira e Porto Santo como em terras de além mar, aos estrangeiros amigos que vieram na Páscoa respirar o nosso ar e aquecer-se ao nosso sol, a todos os homens e mulheres de Boa Vontade, desejo uma Santa Páscoa e um feliz tempo pascal.
Funchal, 11 de Abril de 2004
Domingo da Ressurreição do Senhor
+Teodoro de Faria, Bispo do Funchal