Homilia do arcebispo de Braga na solenidade do Pentecostes
O Espírito renova
O autor do livro dos atos dos Apóstolos descreve-nos a vinda do Espírito Santo, o Pentecostes, mediante uma narrativa simbolicamente fulgurante. No caminho da Palavra que queremos viver em tudo na nossa vida, recordo alguns pormenores.
Em Jerusalém estavam os judeus de diversas procedências. Pode ser que sejam peregrinos em visita ao Templo. Dizem os exegetas que, provavelmente, eram judeus da diáspora, ou seja, que tinham nascido fora e que agora tinham fixado residência em Jerusalém. Tal é a intenção do autor era sublinhar a universalidade da salvação que todos ouviram “proclamar as maravilhas de Deus”, na sua própria língua.
A festa do Pentecostes deve suscitar na Igreja Arquidiocesana a convicção que o acontecimento da Palavra de Deus não se restringe apenas aos crentes e aos batizados. Deus continua a falar para toda a humanidade, “judeu ou grego, homens livres e cidadãos do mundo” (S. Paulo). O Espírito liberta a humanidade das forças que a escravizam e a tornam prisioneira do egoísmo e da soberba na luta pelo poder e o domínio dos povos.
Conscientes de estarmos num mundo diversificado, os cristãos devem sair para a rua e suscitar encontros e experiências concretas com o Ressuscitado. Escutar o mundo e dialogar com as diversas linguagens e culturas está a exigir da Igreja uma grande capacidade de abertura e de confiança na Palavra revelada. Já não é possível testemunhar a beleza de Deus somente através de fórmulas doutrinárias; é necessário perceber os sinais dos tempos e não ter medo de acolher a diferença e a pluralidade como fenómenos que ajudam o crente a fortalecer os seus laços de amizade com Deus e com a história de hoje. O homem moderno fala das suas exigências ou reclamações, quem sabe até mesmo protestos, e aí está um apelo ao intercâmbio e esforço por falar a linguagem que tantas vezes é diferente da nossa.
Como Sacramento de Cristo, cheia do Espírito Santo, a Igreja hoje, nas pegadas do mesmo Cristo, sente necessidade de estabelecer relação com cada homem e com toda a humanidade. A Igreja não pode negar-se ao diálogo com as diversas sensibilidades da sociedade mas sim testemunhar a sua capacidade de acolhimento e de reconciliação num mundo que necessita urgentemente de uma paz interior e serena que ajude as vislumbrar um novo amanhã. A mensagem cristã manifesta a universalidade do amor de Deus e funda no seu seio o lugar de encontro entre crente e gentios, homens e mulheres, sem discriminação e sem indiferença, diante da beleza de Deus que suscita transformação e laços de verdadeira amizade.
Neste pressuposto, a fidelidade ao Espírito Santo faz com que a pastoral da Igreja se renove profundamente sem estagnar em modelos tradicionais. Se aceitamos que a salvação de Cristo é para todos os homens, de todos os tempos e espaços, não podemos fugir à beleza da comunicação das verdades da fé no diálogo com o mundo de hoje. Uma relação tão nova e sempre tão antiga, alicerçada na simpatia e nunca na desconfiança, para juntos procurarmos a verdade e o sentido da vida que nos une. A salvação de Cristo, segundo a lógica da incarnação, só pode ser construída “dentro, das realidades terrestres, novas e que marcam a história de hoje.”
Não ter medo do mundo pode significar acolher as sementes de Verdade que o Espírito coloca no coração da cultura moderna. O Espírito Santo torna-nos otimistas em relação ao mundo mas não aceita ingenuidades. Esta é uma confusão perniciosa para a Igreja e que exige muita coragem. Não desconfiar ou não aceitar uma posição ofensiva/defensiva estimula, aqui e agora, uma nova militância que tem desaparecido ou atenuado na consciência missionária da Igreja. Não podemos olhar só para o passado e caminhar numa atitude pastoral de gerir o existente. Caminhamos para o futuro com muito de inédito ou de problemático. Mas caminhamos com os dons e carismas que o Espírito nos concede para bem de toda a comunidade crente e humana.
A pastoral renovada deve fazer resplandecer a Palavra de Deus no mundo. Só os critérios evangélicos podem ser a nossa opção. Tudo deve estar ligado à Palavra e tornar-se memória evangélica. Este acolhimento da Palavra, onde o Espírito fala à sua Igreja, tem de gerar uma espiritualidade cheia de vida abundante em Cristo.
Na linha duma espiritualidade incarnada no mundo e tornada testemunho, a comunidade cristã terá de se afirmar como experiência de autoedificação em espírito de permanente conversão. A partir da Palavra e perante a Palavra a comunidade percorre um caminho que sublinha a prioridade de Deus no acolhimento do Espírito.
Confiante no caminho novo a percorrer pelas ruas do mundo, invoco a vinda do Espírito, o mesmo que anunciou a Maria o advento de um tempo cheio de esperança: “vem, réstea de sol / esclarece os desvairos da noite / e o fogo que corre sem freio // vem, defensor do pobre / vem, sinal rumoroso da voz / que move o mundo // vem, memória de água / barqueiro do nosso olhar / entre a luz e o seu véu // vem, testemunha da dor e da angústia sem nome / vem, força da vida // vem, clamor da noite cega / luz cinzenta que borda o mar / vem, jardim dos olhos” (J. A. Mourão).
Braga, 12 de junho de 2011
D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga, arcebispo primaz
Diocese de Braga