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Homilia do bispo da Guarda no 5.º domingo da Quaresma

D. Manuel da Rocha Felício
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Celebramos o IV Domingo da Quaresma, também  chamado o  I Domingo da Paixão. A Quaresma entra, assim, na sua etapa final, apelando a uma  preparação mais próxima e intensa para a celebração mistério Pascal.

O Evangelho de hoje relata-nos o episódio da ressurreição de Lázaro e remete-nos para a Pessoa de Jesus, que é Palavra viva e fonte de vida. Desejamos, de facto, também nós  aproveitar estas duas semanas de Quaresma que nos separam da Páscoa para aprofundar a nossa relação com Cristo, que, pela Sua Morte e Ressurreição, confirmou a importância da vida de cada um de nós e lhe abriu novos horizontes de esperança, com o anúncio da Vida Eterna.

O quadro da ressurreição de Lázaro apresenta-se-nos carregado de grandes e profundos   sentimentos humanos que também eram partilhados pela pessoa de Jesus. Jesus também cultivava relações de amizade e tinha naquela  família de Betânia uma referência  importante para a Sua vida e o Seu Ministério. Por isso, as irmãs de Lázaro sentiram-se na obrigação de comunicar a Jesus a doença do irmão. Jesus  dirige-se para casa deste Seu amigo, com consciência de que Ele já tinha morrido e no primeiro encontro com as irmãs comoveu-se e chorou, disse o autor do Evangelho. No diálogo que, entretanto, estabelece  com elas parte da fé na ressurreição final que elas também partilhavam e anuncia-lhes que o estado final de vida ressuscitada já se antecipa na Sua Pessoa, ao dizer – “Eu sou a ressurreição e a vida, quem acredita em mim não morrerá”. O milagre da Ressurreição de Lázaro, que Jesus  realiza na comunhão com o Pai, credencia a missão de Jesus e, ao mesmo tempo, diz do seu apreço pela vida, neste caso pela vida do Seu amigo Lázaro e pela relação de amizade que lhe dá  consistência.

Jesus é, de facto, a Palavra eterna de Deus Pai que, pela Sua encarnação, entrou no jogo das relações e da condição humana. Ele é Palavra viva e fonte de Vida para quantos se decidem pela relação com Ele, na Fé. Mas é também para todos , através da Mensagem evangélica que dirige a toda a humanidade, um indicador do respeito e do cuidado que merece todo o ser humano, pela vida que  lhe foi dada para ele viver na alegria e na esperança  e indicador igualmente  das condições sociais indispensáveis para que a vida de cada   ser humano se possa realizar em todas as suas potencialidades. O evangelho é, de facto, a grande lei da dignidade e da defesa da vida humana enquanto tal.

Ao falarmos  de vida humana, queremos referir-nos à vida de  cada pessoa vivida com dignidade em todas as suas dimensões. Cada cidadão,  para exercer o seu direito a viver com dignidade precisa  de condições materiais e, por isso é seu dever procurá-las e ser ajudado pelos  outros a encontrá-las. Mas as condições materiais não chegam. As boas relações interpessoais e sociais são ainda mais importantes; o mesmo se diga da cultura que  permita  à pessoa compreender a sua realidade e a do mundo para, em consequência,  tomar as decisões mais  corretas. Mas a vida humana autêntica inclui também  a abertura necessária aos valores espirituais, que fazem parte da condição humana como tal e ainda à relação com Deus, que chamamos dimensão religiosa da Pessoa humana. Se eliminamos ou esquecemos qualquer destas dimensões da pessoa humana, ficamos com a vida atrofiada e, portanto, sem horizontes, com risco de perder o seu sentido, pois, no fundo, cada ser humano leva em sim mesmo a vocação de exercer a sua responsabilidade  na construção  da história, mas com horizonte de eternidade. Sendo assim uma cultura transformada em modelo de educação que insiste  exclusivamente no individualismo  e na satisfação de gostos e necessidades materiais, silenciando, propositadamente ou não, as dimensões humanas mais importantes, como são a gratuidade das relações, as dimensões moral e espiritual da vida ou a sua relação com Deus são uma cultura e um modelo de educação que não servem.

 

Por sua vez a vida humana, para se cumprir na sua verdade total, precisa de um quadro de vida social que lhe  ofereça as necessárias condições para o Seu desenvolvimento. E é esse quadro de vida social que temos de repensar, pois aquele que temos  provou que não serve. E não serve não apenas porque não  está  a conseguir realizar  a sustentabilidade económica e financeira do  sistema.

Não  serve porque umas vezes silencia e mesmo desvaloriza as dimensões mais importantes da vida humana, como são as dimensões moral, espiritual e sobrenatural; outras vezes, porque nas suas disposições legais agride diretamente  a vida das pessoas, como são os casos da lei do aborto que temos ou mesmo de leis que afetam negativamente muitos aspetos da instituição familiar. Não se compreende, por exemplo, que uma família com filhos seja prejudicada pelas leis fiscais em relação   outras situações que não são família e onde não  há filhos. 

Também o sistema educativo que temos em Portugal, um sistema de facto teleguiado  de cima para baixo e sem capacidade  para comprometer as famílias como primeiras instâncias da responsabilidade de definir o modelo de educação para os seus filhos, não serve. E os resultados negativos estão à vista. Só não os vê  quem é cego.

Estamos à espera  dos primeiros resultados dos censos, mas desde já é muito recomendável que a sociedade portuguesa, na hora de se reorganizar, venha a fazer  uma reflexão séria sobre o que eles nos vão dizer sobre a baixa natalidade que está a pôr em causa  a própria  sustentabilidade  do sistema  em que vivemos; e também quanto ao que nos vão dizer sobre a distribuição da população portuguesa por todo o território nacional. A sua desigual distribuição,  com o abandono de certas  zonas do país, já coloca sérios  problemas ao todo nacional, mas ainda vai agravá-los.  Isto porque é  sabido que as grandes concentrações  de pessoas em espaços mais reduzidos, sendo embora uma lei geral do movimento das populações, não criam só condições favoráveis à vida humana de qualidade. E como prova disso, vê-se o êxodo que se verifica  para fora dos grandes centros quando as circunstâncias de calendário e de tempo o permitem. Isto significa que a autêntica qualidade de vida de todas as pessoas, incluindo aquelas que se concentram nas áreas urbanas, beneficiaria com a redistribuição das populações. Esperamos que apareçam políticos corajosos – o que até agora não tem acontecido – com medidas capazes de inverter este movimento de sentido único para as grandes centros, que continua a esvaziar as  periferias.  E esta é a hora de, como sociedade que está  a repensar os seus modelos de organização, colocarmos este problema nos termos em que ele deve ser colocado, porque essa é a forma de podermos vir a conseguir as necessárias condições para a autêntica qualidade de vida, mesmo dos que se sentem beneficiados pelas ofertas que lhes são feitas nos grandes centros.

 

Temos de ter a coragem de sair dos nossos túmulos, como diz a leitura de Ezequiel e acordarmos  para dimensões da vida que têm andado esquecidas.  Deixemo-nos conduzir pelo Espírito e assim encontraremos as condições também sociais que são necessárias para que os cidadãos todos possam viver a vida, com verdadeira qualidade. Para isso temos que fazer, também a nível da organização da sociedade, uma escolha de fundo: decidir e programar em função dos interesses imediatos (e ficamos sob o domínio da carne, como diz S. Paulo)  ou decidir e programar com largueza de horizontes, o que inclui todas as dimensões da vida dos cidadãos, incluindo das gerações futuras (este é o domínio do espírito).

Que a celebração da Páscoa para a qual nos preparamos nos ajude a  optar pela largueza de horizontes a partir  da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Juncais, Fornos de Algodres, 10/04/2011

D. Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda

 



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