Documentos

Homilia do bispo de Coimbra na celebração das exéquias de D. Albino Mamede Cleto

D. Virgílio do Nascimento Antunes
...

Caríssimos irmãos!

O Senhor Jesus quis chamar os doze apóstolos como seus amigos e imediatos colaboradores, junto ao lago da Galileia. Andaram com Ele, partilharam da sua vida, escutaram da sua boca a palavra da salvação e foram enviados em missão de anúncio do Reino de Deus.

Em Jesus conheceram a força do Deus amor, viram os gestos salvíficos e aprenderam uma revolucionária forma de estar no mundo, centrada na oferta de si mesmo em favor dos irmãos.

Aquela comunhão pessoal, fruto de uma adesão incondicional, ensinou-lhes que, quando se experimenta o amor de Deus, nada há que possa separar dele. E o amor tinha-se-lhes manifestado em Jesus Cristo. Nada os podia afastar d’Ele.

A História da Salvação continua no tempo, e o mesmo Senhor Jesus Cristo, não cessa de vir ao encontro da humanidade com os mesmos intuitos de amor e com as mesmas manifestações salvíficas. Toca a muitas portas, abre os horizontes da confiança e convida a entrar no banquete e na festa. Nesse monte do encontro continua a revelar as Escrituras, faz arder o coração quando reparte o Pão na Ceia, permite saborear desde já a beleza da vida e do amor, leva a experimentar antecipadamente as delícias das realidades definitivas que preparou para nós.

D. Albino Cleto teve a graça de encontrar este Senhor Jesus Cristo na paz da montanha, abriu-Lhe a sua morada, quando Ele bateu à porta, permitiu que Ele entrasse, deteve-se longo tempo na contemplação do seu rosto durante a ceia, quis ser Seu servo e Seu amigo. Conheceu, por isso, a grandeza do Seu amor, deixou-se cativar pelas Suas palavras de vida eterna, entrou no banquete, alegrou-se e exultou porque se sentiu salvo pelo Senhor e desejou ser instrumento da Sua salvação.

A vida cristã, como a vocação sacerdotal são sempre uma consequência deste encontro; o chamamento a fazer parte do grupo dos continuadores da missão dos apóstolos é uma graça que se não merece nem se pode agradecer na totalidade dos anos em que se permanece sobre a terra; terá continuidade no louvor do Céu.

D. Albino fez da totalidade da sua vida sobre a terra uma grande ação de graças por todos os dons que recebeu. Fê-lo com a oferta de si mesmo, no serviço da Igreja e da humanidade, disponível para se gastar até ao fim, na fidelidade à missão recebida. Fê-lo numa proximidade extrema a todo o Povo de Deus, nos variados trabalhos que desenvolveu. Este foi o seu sacrifício perfeito, não constituído por holocaustos nem oblações, mas pela entrega de si mesmo como verdadeira oblação ao Pai, em favor dos irmãos.

 

O texto do Evangelho segundo S. Lucas transporta-nos para essa bela realidade da esperança cristã, que não se funda nos acontecimentos nem nas possibilidades humanas, mas na fé em Jesus Cristo, que caminha continuamente connosco.

Quando tudo parece perdido em virtude das dificuldades, da doença ou da morte, há um Cristo que avança silencioso entre nós, que se manifesta precisamente na desdita da cruz. Olhando à nossa volta, vendo os outros e o mundo, nem sempre O reconhecemos sentado ao nosso lado ou a fazer-nos companhia no caminho.

Às vezes, o coração arde quando Ele fala e nos explica as Escrituras, outras vezes as circunstâncias da vida não permitem reconhecê-l’O. Pedimos a pobreza de coração e a abertura dos olhos da alma, a fim de que o partir do pão seja o sinal para a fé e o lugar do encontro com o Ressuscitado, fonte de toda a esperança.

A nossa passagem por este mundo será uma fonte de bênção se conseguirmos ser com Cristo, esses companheiros que caminham lado a lado com todos; se com Cristo permanecemos firmes junto aos que precisam do sustento de uma esperança viva; se o partir do Pão for um sinal da partilha da vida; se a nossa palavra passageira for um reflexo da Palavra Eterna.

Esta é a missão de todo aquele que foi batizado em Cristo, morto e ressuscitado e é, de um modo particular a daqueles que foram ungidos em ordem ao ministério sagrado: sermos discípulos e companheiros da humanidade, em todos os caminhos repletos de esperança e quando ela vier a faltar. Esta é a nossa missão, caríssimos sacerdotes, religiosos e leigos, na fidelidade ao testemunho dos que nos precederam.

 

Recorrendo à metáfora geográfica tão comum na Sagrada Escritura, poderíamos descrever a vida do Senhor D. Albino como uma grande missão e uma apressada peregrinação. A voz de Deus fez-se ouvir nas montanhas: «Vai para a terra que Eu te indicar». «Eis-me aqui», foi a resposta pronta, apesar da tenra idade e da incerteza do futuro. A arder de zelo pela casa do Senhor, desce em direção à planície, confiado na força d’Aquele que o chama e o envia.

E ele vai às cidades e aldeias onde era preciso anunciar a Boa Nova do Reino de Deus. Ali, na terra densamente povoada a que foi enviado, na “grande cidade”, o tempo urge e não se pode desperdiçar; é a salvação da cidade e do mundo que está em causa; nada há que levar consigo e nada há a reservar para si: «recebestes de graça, dai de graça»; «há mais alegria em dar do que em receber», foi a palavra de ordem. Corre de um ao outro lado, numa ânsia incontida de anunciar a Boa Nova a todos sem exceção. A seara era grande e os trabalhadores eram poucos; nada o podia deter.

Com a sensação do dever cumprido, testemunha das maravilhas de graça que Deus realiza nos seus humildes servos, D. Albino pôde agora voltar ao monte, onde Deus preparou um banquete de alegria para todos os povos. De facto, «nem a morte nem a vida poderá separar-nos do amor de Deus que se manifestou em Cristo Jesus, nosso Senhor». Vimos de Deus e, se permanecemos n’Ele, somente o regresso a Ele dará repouso aos nossos corações inquietos.

Feliz na terra, mais feliz será no Céu diante da misericórdia de Deus que apaga todo o pecado: Entra na alegria do teu Senhor, porque estiveste próximo dos mais pequenos e deixaste uma rasto de bondade por onde passaste; entra na alegria do teu Senhor, porque nenhuma das dores humanas te foi indiferente; entra na alegria do teu Senhor, porque emprestaste o teu rosto amigo e bom a Cristo o Bom Pastor, que cuida das suas ovelhas.

 

Agradeçamos a Deus o sacerdócio do Senhor D. Albino pelo qual partilhou o Pão da Palavra, o Pão da Eucaristia e o pão da sua vida. Peçamos-lhe que interceda pela nossa Diocese, para que cresça na fé em Jesus Cristo, e receba a abundância das vocações sacerdotais, a fim de que as comunidades cristãs possam reconhecer o Senhor ao ouvir as Escrituras e ao partir o Pão. Ámen.

 

Coimbra, Sé Nova, 18 de junho de 2012

D. Virgílio do Nascimento Antunes, bispo de Coimbra



Diocese de Coimbra