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Homilia do bispo de Coimbra na missa da noite de Natal

D. Virgílio do Nascimento Antunes
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Nesta noite de Natal, exultamos de alegria com os Anjos, que cantam hinos de glória a Deus diante da surpresa do nascimento de Jesus; como os pastores pomo-nos a caminho para o encontro com o Salvador do Mundo, que desceu ao meio de nós; como Maria e José fazemos silêncio para contemplar a grandeza do mistério que nos envolve.

A narração do Evangelho de S. Lucas, que escutámos, leva-nos a recentrar a Igreja, o mundo e a nossa própria pessoa em Jesus Cristo, o Filho de Deus feito Homem no seio de Maria. Esta é a primeira grande notícia desta celebração do Natal do Senhor.

Ao referir o recenseamento ordenado por Quirino, ajuda-nos a compreender o centralidade deste mistério no contexto das Escrituras judaicas, segundo as quais o Messias haveria de nascer em Belém da Judeia e haveria de entrar na maior proximidade, assumindo a nossa humanidade.

Ao situar o nascimento de Jesus no contexto da história do Império Romano, a fé cristã do evangelista está a fazer a afirmação teológica de que o acontecimento tem uma relevância universal, significada na grandeza do Império, a potência que ocupa “toda a terra”.

Ao fazer uma narração minuciosa dos acontecimentos, que inclui uma dimensão local, as relações familiares e a repercussão que tem nos sentimentos, pensamentos e atitudes das pessoas, está a mostrar que o natal do Senhor tem um significado profundo na vida dos que se deixam tocar por ele e o acolhem.

O Evangelista Lucas dá um tom muito solene ao nascimento de Cristo, quando o relaciona com a figura do imperador Augusto e do rei Herodes. O primeiro, Augusto, criara uma era de paz, considerada universal, apesar de imposta pelo domínio e pela força dos exércitos, e prepara a nova era de paz inaugurada pelo verdadeiro artífice da paz. O segundo, Herodes, rei de uma terra pequena, mas cheio de ilusões acerca do seu poder, contrasta com o Rei dos Céus e da Terra, humilde e pobre em tudo, apesar da sua grandeza, do seu poder e da sua riqueza.

A segunda grande mensagem desta celebração depreende-se das personagens intervenientes no cenário oferecido pelo evangelista Lucas. Os Anjos são mensageiros e servos de Deus, mensageiros e servos dos homens: são portadores de uma notícia que lhes não pertence, pois é de Deus; e dirigem-se à humanidade que precisa de a escutar.

Os pastores são os mais modestos habitantes de uma região pobre, homens sem cultura e sem poder, mas apenas com a sua força de trabalho e a sua grande capacidade de acolhimento. É grande a desproporção entre o édito de Quirino, que manda recensear toda a terra, e o anúncio jubiloso dos Anjos, que atinge apenas alguns humildes pastores de Belém. Um serve apenas as estatísticas de um império que quer parecer grande; outro é um anúncio vital, do qual depende a salvação da humanidade perdida.

Maria e José assumem de modo excecional o lugar dos mais pobres e mais simples da sociedade, sinal da predileção de Deus pelos pobres e humildes, bem expressa no Magnificat transmitido pelo evangelho de Lucas, ao dizer: pôs os olhos na humildade da sua serva; derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes” (Lc, 1, 48.52).

A mensagem do Evangelista e a mensagem desta noite santa é muito breve e incisiva: Maria “teve o seu filho primogénito”. Nestas palavras se encontra todo o sentido do natal, enquanto acontecimento que espalha uma luz nova sobre toda a realidade da nossa vida, que gera uma grande alegria para todo o povo e que dissipa todos os medos existentes no coração humano.

A celebração do natal tem como objetivo abrir-nos à fé em Jesus, a quem se atribuem três títulos provenientes do contexto da ressurreição: Ele é o Salvador, e o Messias Senhor. Somos, por isso, convidados a acreditar no Menino Jesus do presépio como o Salvador do Mundo, que livra a humanidade do pecado e da morte pelo sacrifício da cruz; somos convidados a acreditar n’Ele como o Messias, o Ungido de Deus no qual se cumprem as promessas do Altíssimo; Somos ainda convidados a reconhecer n’Ele o Senhor, o Kyrios, que subiu ao Céu e está sentado à direita do Pai, na glória para a qual nos atrai.

“Encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura”. Este foi o sinal encontrado pelos pastores e diante do qual a multidão do exército celeste cantou: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados”. Este é o primeiro dos sinais da presença salvadora de Deus entre os homens, que culminarão com o sinal maior da sua paixão, morte e ressurreição, numa história que vai de Belém ao Calvário, manifestação real do amor de Deus pelo seu povo.

Daqui, caríssimos irmãos, há de nascer tudo o que celebramos e todas as atitudes que tomamos, particularmente nesta quadra festiva, na qual não podemos deixar-nos submergir por propostas alheias ao sentido cristão e, por isso, o único sentido autêntico do natal.

Acolhamos Jesus Cristo, a sua pessoa e a sua mensagem, como o centro único da nossa vida, capaz de dar conteúdo e forma a todas as nossas alegrias e esperanças, ocupações e objetivos.

Aprendamos de Jesus Cristo as nossas atitudes fundamentais de vida, caridade e a partilha, como marcas da nossa identidade na celebração do natal e em todos os dias do ano.

Aprofundemos a fé em Jesus, o Salvador, o Messias e Senhor, origem da civilização do amor e, por isso, da única possibilidade de criarmos na terra o lugar da fraternidade e da paz.

Que a ditosa Mãe de Jesus nos mostre neste natal o Fruto Bendito do seu seio e nos ensine a saborear as alegrias da Sua presença em nós.

Coimbra, 24 de dezembro de 2011

D. Virgílio do Nascimento Antunes, bispo de Coimbra



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