Homilia do bispo de Portalegre-Castelo Branco na ordenação de um diácono
“As palavras que eu vos digo, gravai-as no vosso coração e na vossa alma, atai-as à mão como um sinal e sejam como um frontal entre os vossos olhos” diz-nos Moisés na primeira leitura de hoje, fazendo-nos perceber que, perante a duplicidade dos caminhos que poderemos seguir, só o caminho da fidelidade à Lei de Deus, por pensamentos e obras, nos conduzirá à verdadeira felicidade. Só Deus é o nosso refúgio, a nossa salvação, a nossa força. Só Deus nos salva pela sua bondade, nos encoraja, nos anima e liberta, cantámos com o Salmista.
O Autor da Carta aos Romanos, por sua vez, ajuda-nos a reflectir sobre a gratuidade da salvação que é fruto da iniciativa amorosa de Deus e nos foi dada através do sacrifício voluntário de Jesus Cristo, como Dom. Dom que exige a colaboração humana e a fidelidade Àquele que nos justificou tornando-nos capazes de escolher e praticar o bem. Não é pela grandeza e força das nossas obras que podemos ceder à tentação de reivindicar a salvação. A salvação é gratuita. É iniciativa de Deus. Somos justificados pela fé. Fé que é dom de Deus e nos leva a optar pelo bem, colaborando com a graça de Deus.
Se não são, porém, as obras que nos salvam, a salvação implica a colaboração de cada um de nós, a nossa conversão e o seguimento de Jesus Cristo. Não é aquele que diz: “Senhor, Senhor”, que entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade do Pai que está nos Céus (Ev). Por este sinal vos hão-de conhecer: “Se vos amardes uns aos outros como Eu vos amei…”, disse-nos Cristo. A neutralidade perante Deus, o próximo e o mundo, é incompatível com o Evangelho e com as exigências da santidade e da salvação. As boas obras, “não precedendo a justificação, são uma consequência” necessária. Deus decidiu “justificar” o homem, isto é, deu-lhe um coração novo, a capacidade de amar e de fazer o bem, de construir sobre a rocha para resistir às tempestades da vida. Deu-lhe a capacidade de arrepiar caminho quando este começa a conduzir a becos sem saída, a fazer perder o entusiasmo da primeira hora, a banalizar a vida de intimidade com o Senhor. Deu-lhe a aptidão necessária para não se deixar embrulhar num egoísmo desastroso e arrogante que recusa ouvir os alertas da consciência, dos amigos e outros, e o poderá fazer desmoronar como casa sobre a areia.
Se formos fiéis, intuiremos com mais facilidade o que o Senhor nos pede em cada momento da nossa vida. Permaneceremos interiormente livres para dizer não ao que nos destrói. Centralizaremos a nossa vida no que é essencial. Continuaremos a sentir a alegria de viver na fidelidade às nossas opções existenciais, fundamentais e estruturantes, deixando-nos de pessimismos inúteis, de leviandades persistentes e duradoiras que podem, de momento, parecer atractivas e realizadoras, mas, a breve prazo, só arrastam sofrimento, divisões interiores, infidelidades e abandono do bom e do bem.
Caros Fiéis, esta celebração fala por si, não requer muitas palavras. É catequética e interpelativa. Quero, no entanto, recordar-vos o que o Pontifical Romano de Ordenação nos sugere dizer neste momento em que Nuno Miguel Lopes da Silva vai entrar na Ordem dos Diáconos, para melhor ponderarmos o grau do ministério a que ele é elevado.
O Diácono, fortalecido com os dons do Espírito Santo, tem por missão ajudar o Bispo e o seu presbitério no serviço da palavra, do altar e da caridade, mostrando-se como servo de todos. Ministro do Altar, proclama o Evangelho, prepara o sacrifício e distribui aos fiéis o Corpo e o Sangue do Senhor.
Segundo o mandato do Bispo, pertence-lhe exortar e formar na doutrina sagrada os não crentes e os crentes, presidir às orações, celebrar o baptismo, assistir ao matrimónio e abençoá-lo, levar o viático aos moribundos e presidir aos ritos das exéquias.
Consagrado pela imposição das mãos, gesto que vem desde os Apóstolos, e vinculado mais estreitamente ao altar, exercerá o ministério da caridade em nome do Bispo ou do Pároco.
Com a ajuda de Deus, deve em tudo comportar-se de tal modo que sempre nele se reconheça um verdadeiro discípulo de Cristo, que não veio para ser servido mas para servir.
E tu, caro Nuno, que vais entrar na Ordem dos Diáconos, vê o exemplo que o Senhor te deixou, para que, como Ele procedeu, assim procedas tu também.
Na tua condição de Diácono, ou seja, de ministro de Jesus Cristo que no meio dos seus discípulos Se apresentou como servo, procura de todo o coração fazer com amor a vontade de Deus, e servindo ao Senhor, serve também aos homens com alegria. E como sabes que ninguém pode servir a dois senhores, considera toda a impureza e o apego ao dinheiro como servidão e idolatria e procura construir sobre a rocha, com amor e alegria (PR).
Recordas, com certeza, o que o Santo Padre Bento XVI dizia na Carta que dirigiu aos Seminaristas, em 18 de Outubro de 2010. Afirmava ele: “Quem quer tornar-se sacerdote, deve ser sobretudo um «homem de Deus», como o apresenta São Paulo (1 Tm 6, 11). Para nós, Deus não é uma hipótese remota, não é um desconhecido que se retirou depois do «big-bang». Deus mostrou-Se em Jesus Cristo. No rosto de Jesus Cristo, vemos o rosto de Deus. Nas suas palavras, ouvimos o próprio Deus a falar connosco. Por isso, o elemento mais importante no caminho para o sacerdócio e ao longo de toda a vida sacerdotal é a relação pessoal com Deus em Jesus Cristo. O sacerdote não é o administrador de uma associação qualquer, cujo número de membros se procura manter e aumentar. É o mensageiro de Deus no meio dos homens; quer conduzir a Deus e assim fazer crescer também a verdadeira comunhão dos homens entre si…”.
Caro Nuno, só dá quem tem para dar. Pede ao Senhor aquela Sabedoria que o Rei Salomão também pedia para saber conduzir o seu povo. Salomão não ousou pedir riqueza: pediu sabedoria para bem governar o seu povo.
Como discípulo de Cristo, chamado para “estar com Ele”, procura ser disciplinado contigo mesmo, vivendo sempre em fidelidade e sendo seu mensageiro.
À semelhança de S. Miguel, patrono desta Sé e Paróquia, quando, porventura, se travar o combate entre a tua pessoa e aquilo que o mundo te quer aliciantemente oferecer, sê capaz de reafirmar para ti mesmo: “Quem como Deus?”.
Damos graças a Deus por esta hora. Hora feliz para ti e feliz para todos nós, Igreja Diocesana.
S. Miguel da Sé - Castelo Branco, 6 de Março de 2011
D. Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco
Diocese de Portalegre-Castelo Branco